Opinião
Vamos falar um pouco de finanças? (II)

“Existem múltiplos conceitos financeiros que deveriam ser do conhecimento de pessoas, empresários e empreendedores. Diz-se que ter dívidas é mau e que evitá-las é que é bom. Nada mais errado”.
No meu último artigo procurei desmistificar um dos conceitos financeiros mais commumente mal entendidos, explicando que uma empresa lucrativa não é necessariamente sólida nem saudável a nível financeiro – ou, em sentido contrário, que uma empresa que gera prejuízos pode não ser frágil nem estar condenada ao fracasso.
Neste artigo abordo um outro conceito financeiro que é, também, frequentemente objeto de alguma confusão, ou no mínimo de uma visão preconceituosa, relacionado com o recurso a créditos ou dívidas financeiras: diz-se que tê-las é mau – ou, contrariamente, que evitá-las é que é bom.
Ora aqui está mais uma ideia (crença, para alguns) tecnicamente incorreta.
Há, efetivamente, dívidas “más”, mas também há dívidas “boas” – muito boas até, como procurarei explicar.
Dívidas “más” são, por exemplo, as contraídas por pessoas ou empresas para suprir uma incapacidade irreversível para cumprir com as suas responsabilidades ou obrigações financeiras (indiciando um cenário de insolvência), as contratadas por empresas no âmbito de um projeto ou investimento com baixa rentabilidade ou insuficiente criação de valor económico, ou aquelas cujo prazo de reembolso excede largamente a vida útil do respetivo benefício económico associado.
Com efeito, contrair uma dívida com um longo prazo de reembolso para fazer aquela viagem de sonho ou para pagar os salários de um mês numa empresa (i.e. com um benefício de curta duração) é, certamente, um tremendo erro do ponto de vista de gestão financeira.
Uma dívida “boa”, por sua vez, é aquela que permite, de uma forma sustentável (entenda-se, quando estão reunidas as condições para o seu reembolso integral), a uma pessoa antecipar um determinado benefício (tangível ou intangível), habitualmente associado ao seu bem-estar pessoal ou familiar (como seja a aquisição de um bem, móvel ou imóvel, com uma vida útil prolongada), por contrapartida dos seus rendimentos futuros, ou a uma empresa alavancar, antecipar ou viabilizar um projeto ou iniciativa com carácter reprodutivo, i.e., gerador de valor económico para a sua atividade.
Imagine-se o que seria uma pessoa ter de esperar várias décadas para adquirir uma casa, adiando e penalizando o seu bem-estar de uma forma irrecuperável, ou uma empresa desperdiçar a oportunidade de tornar-se mais competitiva ou de internacionalizar-se por não ter recursos financeiros disponíveis para o fazer.
Uma dívida tem um custo financeiro associado, conhecido como juro, que pode ser maior ou menor consoante o risco envolvido. Simplificando, e em termos teóricos, quanto maior for a probabilidade de uma dívida ou crédito poder não ser paga, maior será a taxa de juro e o respetivo custo financeiro – existindo, evidentemente, um limite de risco a partir do qual o crédito será negado. Alguns créditos têm uma garantia (colateral) associada (hipotecas imobiliárias, as mais conhecidas), que contribuem para mitigar o risco e reduzir o custo financeiro associado.
Assim, se o recurso a uma dívida financeira com um custo anual de 5% permitir a uma pessoa ou empresa desenvolver um projeto ou negócio que lhe entregue uma rentabilidade anual de 10%, então essa é uma dívida reprodutiva, logo “boa”.
No caso das empresas, a dívida financeira tem uma particularidade adicional deveras interessante, conhecida como “escudo fiscal” (tax shield em inglês), na medida em que o seu custo financeiro (juro) é normalmente (com algumas exceções) dedutível para efeitos fiscais, ou seja, a empresa acabará por pagar menos impostos sobre os seus lucros (se os tiver) pelo recurso a essa forma de financiamento, o que nem sempre sucede na capitalização via fundos próprios.
No momento em que o mundo atravessa um contexto macro-económico deveras desafiante, com as taxas de juro numa clara tendência de subida, importa ser ainda mais prudente na gestão das finanças pessoais e empresariais, incluindo no recurso a créditos e dívidas financeiras, sem prejuízo das vantagens que aqui procurei elencar.
Admito, uma vez mais, que o teor do presente artigo seja básico para muitos dos que o leem, mas espero que possa ser útil para alguns.