Opinião
Vamos continuar a premiar a ineficiência fiscal?

Ano novo, velhos hábitos. O ano de 2023 termina com a renovação de uma medida já antiga, e que seria de aplaudir, não fosse a ineficiência e a incompetência da máquina tributária.
Em maio de 1997 era criado o Fundo de Estabilização Tributário (FET), que tinha a mesma natureza do Fundo de Estabilização Aduaneira (FEA), gerido em conjunto pela então Direcção-Geral dos Impostos e pela Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários.
O FET é um fundo autónomo, não personalizado, pertencente ao Ministério das Finanças. Tem como missão a atribuição de prémios de produtividade e abonos para falhas de determinados funcionários da Autoridade Tributária, o pagamento a obras sociais que vier a ser decidido pelo conselho de administração do FET e, claro está, as próprias despesas de funcionamento e gestão.
Dispunha, então, o Decreto-lei 107/97, que era afeto ao FET um montante até 5% das cobranças coercivas derivadas de processos instaurados nos serviços da então DGCI, bem como das receitas de natureza fiscal arrecadadas, a partir de 1 de janeiro de 1997, no âmbito da aplicação do Decreto-Lei 124/96, de 10 de Agosto, montante que seria definido anualmente, mediante portaria do Ministério das Finanças.
No passado dia 22 de dezembro foi publicada a Portaria nº 449/2023, que fixa em cinco pontos percentuais, ou seja, no valor máximo, o montante das cobranças coercivas, efetuadas em execução fiscal, que será alocado ao FET. Tudo estaria bem, não fosse o elevado número de processos que a Autoridade Tributária perde em tribunal, sem possibilidade de recurso.
Em traços gerais, de acordo com o relatório recentemente divulgado pela OCDE, a Autoridade Tributária portuguesa perde mais de 56% dos processos judiciais e arbitrais em que se discute a legalidade das liquidações de tributos e/ou da sua cobrança. Figura como o 5.º pior país citado no relatório da OCDE, numa lista de 46 países, situando-se entre a Índia e a Malásia[1].
Verifica-se, assim, que o fisco perde mais de metade dos processos disputados contra os contribuintes que, invariavelmente, durante a discussão judicial ou arbitral, terão de a) pagar a dívida; b) garantir a dívida com garantia idónea de montante correspondente ao imposto, acrescido de juros de mora, custas totais e 25% da soma destes montantes ou c) sujeitar-se a penhoras de bens levadas a cabo no âmbito das execuções fiscais.
Do relatório da OCDE conclui-se que, em mais de 56% dos casos, a Autoridade Tributária é obrigada a indemnizar os contribuintes lesados, uma vez que é proferida decisão definitiva que determina que a dívida tributária e/ou a sua cobrança eram ilegais. Ora, indemnizar os contribuintes significa não só devolver o imposto que tenha sido indevidamente pago, ou restituir ao contribuinte os montantes que suportou com garantias que foram escusadamente prestadas, como também devolver montantes que tenham sido indevidamente penhorados, sempre com o acréscimo de juros indemnizatórios, à taxa de 4%.
Ou seja, sempre que o FET receba 5% sobre o montante de cobranças coercivas que tenham sido efetuadas pela Autoridade Tributária e que, mais tarde, se demonstrem ilegais, o Estado não só perde o montante indevidamente cobrado como tem de acrescer 4% à indemnização dos lesados.
Se o Estado cobrar mil milhões de euros indevidamente, o FET recebe € 50.000.000,00 de “prémio”. Ora, quando o Estado for condenado a devolver o imposto indevidamente cobrado, terá de entregar aos contribuintes lesados não apenas o imposto indevidamente pago, como ainda o montante de € 40.000.000,00 correspondente a juros indemnizatórios. Sucede que o FET manterá os seus € 50.000.000,00. Assim, contas feitas neste cenário, esta medida custa ao erário público, ou seja, aos contribuintes, € 90.000.000,00, já sem contabilizar os recursos humanos e materiais afetos à discussão e recuperação dos montantes, o tempo, o desgaste e… todo o peso que esta estrutura onerosa representa nos bolsos dos contribuintes de Portugal.
Terminamos como começamos: este incentivo à cobrança seria um regime a aplaudir, caso a realidade não demonstrasse que é, sim, um incentivo, lamentavelmente, à cobrança rápida, cega, imponderada e ilegal. Vamos continuar a premiar a ineficiência fiscal?
[1] Fonte: Tax Administration 2023, que publica dados referentes a 2021, disponível em https://www.oecd-ilibrary.org/sites/2274d552-en/index.html?itemId=/content/component/2274d552-en
Teresa Alves de Sousa é advogada na Pinto Ribeiro desde julho de 2022 e coordenadora do Departamento de Direito Fiscal. Conta com uma vasta experiência em assessoria no âmbito do direito fiscal a empresas e clientes individuais, com especial enfoque nas seguintes matérias: IRC, IRS, Benefícios Fiscais, Imposto do Selo, IMT, IMI, IVA.
De destacar também o seu know how no âmbito de reorganizações societárias (na vertente fiscal), investimento interno e internacional e apoio a clientes em inspeções tributárias e assuntos de contencioso tributário, bem como o apoio ao investimento imobiliário e em processos de fixação de residência fiscal em Portugal e no estrangeiro. Atualmente, integra a lista de árbitros do Centro de Arbitragem Administrativa e Fiscal (CAAD), sendo também formadora na Económica Business School, desde 2018.