Opinião
Upstairs, Downstairs

Alguns lembram-se certamente de uma série inglesa passada numa casa londrina em que se cruzavam, escada a baixo e escada acima, os proprietários (a família Bellamy, abastada e cheia de pergaminhos) e os empregados (mordomo, cozinheira, motorista, criadas de copa, de limpezas, de quartos…).
Ao melhor estilo britânico, a série retratava os encontros e desencontros de uns e de outros, os atropelos e tropelias de ambos, os gestos de egoísmo e altruísmo, verdade e mentira, generosidades e traições que se cruzavam entre os andares de cima (onde vivia a família) e o piso térreo e cave (onde vivia a “criadagem”). Apesar das diferentes origens sociais e meios económicos, não havia distinção nos bons e maus comportamentos de uns e outros.
Porque me lembrei hoje da série “Upstairs Downstairs?
Para vos falar de alguns conselhos de liderança que aprendi com o meu primeiro “chefe” quando comecei a trabalhar, em Bruxelas, e que desde então tenho procurado seguir e transmitir às equipas com quem trabalho.
São três os conselhos que guardo dele:
- Trata sempre com respeito para baixo (Downstairs);
- Trata sempre sem medo para cima (Upstairs);
- Trata bem quando sobes porque podes encontrar (essas pessoas) quando desces (Upstairs Downstairs).
O primeiro conselho é para mim um princípio basilar da gestão de pessoas. Como líderes, temos o dever de respeitar (sempre!) quem depende de nós hierarquicamente ou por qualquer outra dependência. Um líder não pode utilizar a sua posição de domínio e primazia para maltratar, desrespeitar ou prejudicar as equipas que dele dependem, direta ou indiretamente. Infelizmente, assistimos ainda a situações de abuso de poder e uso discricionário da autoridade em muitas organizações. Todos perdem. Perdem as equipas porque desta forma trabalham sob a ameaça e medo e não se desenvolvem. Perdem os líderes porque ficam isolados e incapazes de ler os sinais das equipas. Perdem as organizações porque não tiram partido do potencial das pessoas gerador da inovação, criatividade e desempenho para além do esperado.
É importante que quem vive “nos andares de cima” desenvolva um sentido de respeito, proximidade e empatia com os colaboradores que estão “nos andares de baixo”. Só desta forma, os líderes conseguirão retirar o máximo do potencial das suas equipas, compreendê-las, senti-las e serem respeitados pelas mesmas.
O segundo conselho é igualmente válido para uma boa e sã liderança. O tratar sem medo para cima não significa de forma alguma ser desleal, desrespeitoso ou criar resistências passivas. O que está subjacente a este conselho é um apelo à coragem e à defesa das nossas convicções. Todos nós já observámos e, provavelmente, já experienciámos situações em que “calámos para não incomodar o chefe” ou optámos por “não agir para não incomodar”. Como pessoas, devemos ter a coragem para confrontar e desafiar todos os stakeholders quer sejam acionistas, clientes, chefes ou outros. Ao fazê-lo estaremos a contribuir para que as organizações se desenvolvam alicerçadas em princípios de confiança mutua e verdade. Para além disso, diz-me a experiência que sempre que “tratei com coragem” para cima ganhei o respeito e consideração pelos meus atos e opiniões.
O terceiro conselho prende-se com a forma como gerimos as nossas carreiras. Infelizmente, ainda vejo muitas pessoas a procurarem subir a qualquer preço e custo nas organizações. No fundo, não olham a meios para subir rapidamente upstairs. Olham para a carreira de forma obsessiva e como um fim em si mesmo. Normalmente, preocupam-se mais com a sua imagem, com os seus timings, com os seus desafios, com as suas oportunidades. Esquecem-se habitualmente dos outros ou usam-nos como instrumento para atingir os seus próprios fins. Ao fazê-lo, provocam dor e sofrimento, mau estar, invejas e ruído.
Acontece que também tenho visto muitas destas pessoas a darem enormes “trambolhões” ou a serem “convidados” a sair da organização porque perderam o respeito, solidariedade e generosidade dos colegas.
O conselho parece-me muito claro e ainda mais sensato. Quando tratamos bem, à medida que vamos evoluindo na carreira, criamos redes positivas de entreajuda, inspiramos e somos inspirados, ensinamos e aprendemos. Desta forma, preparamos um futuro que nos levará um dia inelutavelmente, quanto mais não seja pelo fator idade, a assumir funções menos executivas ou a sermos liderados por quem já foi nosso reporte. Se tivermos ensinado e praticado os valores do respeito, da generosidade, da empatia e da entreajuda iremos certamente ser respeitados, surpreendidos com gestos de generosidade, compreendidos e apoiados. Mas, se pelo contrário, deixarmos atrás de nós um rasto de competição desenfreada, egoísmo e falta de solidariedade não nos devemos surpreender se quando estivermos downstairs formos mal-tratados, ignorados e injustiçados.
(Este texto é uma homenagem ao António Silva que foi o meu primeiro chefe quando eu era um jovem recém-licenciado e ele o Conselheiro Comercial na Embaixada de Portugal na Bélgica e Delegado do Icep em Bruxelas).