Opinião

Uma nova ordem mundial baseada na criptomoeda

David Faustino, diretor-geral da Nexllence

Nos últimos 150 anos o mundo mudou radicalmente com algumas tecnologias: aviação, telefone, rádio, televisão, etc. Não perdemos um minuto a pensar no ceticismo daqueles que nos antecederam: diriam seguramente que não iria resultar, muitos não compreendiam os conceitos, alguns diriam que era uma “bolha especulativa” porque não haveria consumidores para esta tecnologia. Hoje sabemos que estes foram momentos decisivos para a humanidade.

Estamos hoje num desses momentos transformacionais, embora muitos de nós não nos estejamos a aperceber. E é compreensível: passámos por uma crise profunda no sistema financeiro, crise de dívida soberana em alguns países, e quando estávamos novamente num momento de prosperidade, entrámos numa pandemia de dimensões históricas.

Mas enquanto ocupávamos o nosso dia a dia a lidar com estes desafios, a globalização acelerou fortemente, e um conjunto de pessoas, empresas e governos acumularam riqueza e poder a uma dimensão invulgar na história da humanidade, baseadas num desenvolvimento de tecnologia sem precedentes. São estas pessoas, empresas e tecnologias que irão ter um papel de transformação sem precedentes nas nossas vidas e das próximas gerações, e irão colocar enormes desafios aos governos e às instituições que têm detido o poder real até hoje, e que querem continuar a manter o controlo.

Uma das mais disruptivas tecnologias é seguramente o blockchain. A “única” aplicação real e prática atual do blockchain é a criptomoeda, que tem a particularidade histórica de ninguém saber a verdadeira entidade do(s) seu(s) criador(es), oculto sob o pseudónimo de Satoshi Nakamoto.

Desde 2009 (ie, recente crise financeira global) até hoje – apenas 15 anos –  a bitcoin tornou-se o 8.º ativo mais valioso do mundo, apenas atrás do ouro (leia-se “todo o ouro minado em toda a história da humanidade”), da prata, das quatro gigantes tecnológicas e de uma petrolífera.

Semanalmente são publicadas notícias de grandes empresas que passaram a aceitar criptomoedas no seu negócio: Tesla, Ebay, JP Morgan são apenas algumas. Há empresas a pagarem parte dos salários em criptomoedas aos seus colaboradores. Há contratos de arrendamento a serem feitos em criptomoeda.

O tema é demasiado complexo para ser aqui debatido. Mas acredito que tenha acontecido algo semelhante com a adoção da televisão: enquanto alguns não acreditavam que uma caixa podia produzir imagens de pessoas, já os mais visionários as estavam a produzir e a pensar em modelos de negócio para explorar esta tecnologia.

Este é um desafio enorme para o mundo, em particular para os governos (que podem/irão perder um mecanismo basilar no controlo da economia e do país) e para os bancos (que poderão /irão ter uma concorrência totalmente nova, absolutamente determinada e inovadora, e com um poder financeiro e escala enorme).

O que é um desafio para os governos e bancos do mundo é seguramente um desafio enorme para todos nós. Mas a procissão ainda vai no adro:

  1. os governos estão a chegar atrasados a esta arena, mas a dar passos determinados (a China lançou um piloto do digital yuan, o governo dos EUA está a trabalhar com o MIT nesta área, etc);
  2. Empresas tecnológicas (a mais notável é a Facebook) têm planos para lançar as suas criptomoedas: a Facebook adiou o lançamento da sua criptomoeda “libra” por pressões governamentais, mas dificilmente desistirá. Como a Facebook tem 2.6000 milhões de utilizadores (compara com 800 milhões de habitantes dos Estados Unidos e União Europeia), a “libra” tem um impacto potencial enorme à escala mundial;
  3. Outras empresas mais pequenas estão a utilizar blockchain para desenvolver tecnologia com outras aplicações (como a “navegação” na internet 100% anónima), utilizando a aplicação atual do blobckchain (criptmoeda) para financiar a sua pesquisa.

É um novo mundo que se está a criar a cada dia. Como os dias da adoção da televisão e do telefone, em que as grandes lojas de Nova Iorque e Londres colocaram as primeiras televisões na montra. Mas o impacto nas nossas vidas vai ser muito maior, e muito mais rápido, do que a espécie humana já alguma vez experienciou. Sem fronteiras físicas nem culturais. Enorme.

Podemos ignorar, negar a sua existência, apelidar de “bolha especulativa” ou olhar para o tema com curiosidade, procurando a oportunidade para nós e para as nossas empresas.

Quem melhor compreender a mudança da tecnologia, mais beneficiará da mudança do mundo. É senso-comum que são as mudanças que provocam as oportunidades. A mudança já chegou. Faço votos para que façam uma boa investigação e tenham boas discussões sobre este tema.


David Faustino, cofundador da AdvanceWorksatual e ex-diretor da Nexllence, a marca de Transformação Digital da Glintt, é licenciado em Engenharia Informática pelo Instituto Superior Técnico e tem um MBA pela Universidade Católica Portuguesa. Com mais de 20 anos de experiência na área de consultoria e sistemas de informação, do seu percurso profissional contam-se experiências em Espanha, França, Reino Unido e Portugal em empresas como a Computer Sciences Corporation, Siemens e Novabase. Enquanto Corporate Market Director da Glintt tem como responsabilidade o desenvolvimento de negócio em Portugal e Espanha.

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