Entrevista/ “Uma carreira faz-se de agarrar pequenos desafios desde cedo”

Maria Antónia Torres, partner da PwC

Nos últimos nove anos, mais de 350 mulheres que quiseram evoluir na sua carreira profissional participaram no Programa de Mentoring da Professional Women’s Network Lisbon (PWN Lisbon). Maria Antónia Torres, coordenadora nacional do programa e partner da PwC, falou ao Link To Leaders desta iniciativa que já vai na sua 10.ª edição, e cujas candidaturas estão a decorrer, e dos desafios que muitas mulheres ainda enfrentam a nível profissional.

É mulher e quer evoluir na carreira? O Programa de Mentoring da PWN Lisbon é para si. Destina-se a mulheres de diferentes setores de atividade e níveis de carreira, que ocupem cargos de gestão intermédia com a ambição de progredir, ou cargos de liderança com pretensão a ascender a posições com maior desafio e responsabilidade.

Durante o período do PWN Lisbon, as participantes são acompanhadas por mentores especializados na área, homens e mulheres, que atuam em regime de voluntariado, explica Maria Antónia Torres, coordenadora nacional do programa e partner da PwC, em entrevista ao Link To Leaders.

A ideia é que cada participante defina, no início do percurso, objetivos que permitam traçar um processo de trabalho. Por isso, ao longo do programa estão previstas reuniões presenciais, trabalhos individuais, partilha de conhecimento, orientação profissional, entre outras atividades que serão sempre definidas pela dupla – mentor e participante – e alinhadas com as metas a atingir.

Maria Antónia Torres foi a primeira mulher a integrar a Comissão Executiva da PwC Portugal, que entende que deve ter um papel relevante na promoção da diversidade em todas as suas vertentes. Ao Link To Leaders, a responsável fala de quando é que a diversidade de género ganhou protagonismo na sua vida e na vida da PwC.

Que balanço faz do programa de mentoring da PWN Lisbon?
É de facto um programa com características únicas, não tendo eu conhecimento da existência de nenhum outro programa similar, pelo menos em Portugal. É único, desde logo, por se tratar de um programa de voluntariado. Toda a estrutura de gestão do programa, assim como todos os nossos mentores e angels são voluntários que disponibilizam o seu tempo, o seu cuidado e o seu conhecimento às nossas mentees para que, de facto, seja possível obterem do programa o impacto que pretendem.

É também único pela estrutura tripartida Mentee/Mentor/Angel e pela consistência e resiliência que tem apresentado e que nos traz hoje à sua 10.ª edição. É, de facto, um motivo de orgulho para a PWN Lisbon e para os que nele participam.

Quantas mulheres já participaram no programa até à data?
Já tivemos, nestas nove edições, a participação de mais de 350 mulheres como mentees do nosso programa. Neste momento estão abertas, até 15 de janeiro, as candidaturas para a 10,ª edição e temos já um número muito significativo de candidatas.

“Umas das coisas interessantes que consideramos também como uma forma de avaliarmos o impacto é termos mentees que após o programa se voluntariam para ajudar”.

Pode dar alguns exemplos concretos de casos bem-sucedidos?
A medida do sucesso do programa é dada pelas mentees, naquilo que é a concretização ou não dos seus objetivos. Em muitos casos pretendem posicionar-se ou preparar-se para a progressão na organização onde se encontram, noutros casos pretendem realizar uma mudança de área. Por vezes pretendem entender o que podem fazer face a obstáculos ou dificuldades que estão a encontrar. E aqui, os nossos mentores, com toda a experiência que têm, aportam, de facto, muito valor e as nossas mentees preparam-se ao longo do ano para os seus objetivos. Em alguns casos concretizam-nos durante o programa, noutros casos posteriormente.

O programa tem tido sempre feedbacks muito positivos das participantes, acerca do impacto que teve no seu percurso, com progressões conseguidas, mudanças de área conseguidas e, muitas vezes também, pelo autoconhecimento que obtiveram ao longo do mesmo. É também comum que ao longo do programa, com base nas interações com o mentor, surjam novos objetivos. Umas das coisas interessantes que consideramos também como uma forma de avaliarmos o impacto é termos mentees que após o programa se voluntariam para ajudar.

Como é que o programa funciona?
O programa inicia-se com a abertura das candidaturas. Em seguida há um período de análise das candidaturas e de entrevistas que culmina com a identificação dos pares de mentor/mentee. Eu participo no programa como mentora já há vários anos e costumo dizer que este é o momento da magia. É preciso identificar bem os objetivos da mentee e apreender bem o seu perfil para que consigamos identificar qual o mentor mais adequado para ajudar a mentee no caminho que pretende fazer.

O programa desenvolve-se durante um ano em que tipicamente os pares realizam até 12 sessões de mentoring. É nestas sessões que se trabalham os objetivos estabelecidos pelas mentees. Todos os pares têm um angel que os acompanha e apoia desde o início até ao fim do programa. Ao longo do programa há também momentos de networking e momentos de formação, que complementam as sessões.

O que traz de novo a 10.ª edição do programa?
Nesta 10.ª edição, e também a jeito de celebração desta década do programa de mentoring, estamos a preparar algumas formas de estreitamento da relação e do networking entre todos aqueles que participaram no programa até hoje. Temos, obviamente, já uma comunidade de alumni relevante associada ao programa que queremos dinamizar.

Que lições podem as mulheres aprender através desta iniciativa?
O programa baseia-se nos objetivos que cada mentee estabelece para o mesmo, ainda que, obviamente, contem com a ajuda dos mentores para os afinar ou, por vezes até, estabelecer novos objetivos. Não obstante, em termos gerais, e independentemente dos objetivos concretos de cada mentee, penso que há duas áreas em que devem tentar obter o máximo proveito do programa.

Autoconhecimento para aproveitarem o programa para se conhecerem melhor, para perceberem o  impacto que causam nos outros, a perceção que os outros têm de si e experiência para aproveitarem a experiência de vida e profissional dos nossos mentores para perceberem melhor a organização em que se encontram, aspetos fundamentais para a progressão e gestão da carreira, aspetos fundamentais das relações profissionais, etc.

“Uma carreira faz-se de agarrar pequenos desafios desde cedo e de um conjunto de perceções que se formam também cedo”.

O que é preponderante para uma mulher ser bem-sucedida na sua carreira?
Eu diria que hoje ainda é preponderante ter uma vida pessoal organizada de forma a permitir-lhe progredir na carreira. E esta organização tem de ser pensada cedo na carreira, muitas vezes quando ainda não parece muito relevante. Mas é. Uma carreira faz-se de agarrar pequenos desafios desde cedo e de um conjunto de perceções que se formam também cedo. Muitas vezes o não poder agarrar esses pequenos desafios faz com que nos momentos chave a pessoa não seja sequer considerada.

A PwC, sendo considerada uma das grandes empresas recrutadoras a nível global e nacional, entende que deve ter um papel relevante na promoção da diversidade em todas as suas vertentes. A Maria Antónia Torres foi a primeira mulher a integrar a Comissão Executiva da PwC Portugal. Quando é que a diversidade de género ganhou protagonismo na sua vida e na vida da PwC?
Na PwC iniciamos o nosso programa de promoção da diversidade em 2011, fazendo 10 anos no próximo ano. Nos primeiros anos focamo-nos essencialmente na diversidade de género, tendo posteriormente alargado a nossa atuação à diversidade num sentido mais abrangente, incluindo outras dimensões que entendemos relevantes.

Entendemos que a diversidade é, sem dúvida, um fator de melhoria da gestão das empresas. Pessoas diferentes, com backgrounds diferentes, com experiências de vida diferentes, com formas de pensar e de estar diferenciadas vão ser capazes de identificar problemas, desafios, obstáculos, riscos e soluções necessariamente distintas. Os temas não vão ser analisados de uma única perspetiva, mas de várias, e daí surgirão melhores decisões.

Este aspeto tornou-se ainda mais relevante nos dias de hoje, dada a rapidez, e muitas vezes a imprevisibilidade, da mudança. Acho que não podíamos estar em melhor altura para entender porque precisamos de inputs distintos no processo de decisão. Neste contexto, a diversidade ganha ainda maior valor, tornando as organizações mais capazes de antecipar as mudanças, de analisarem as diferentes vertentes de um problema e de serem mais inovadoras na descoberta de soluções.

“Por fim, diria que a existência de uma verdadeira meritocracia é também fundamental. É preciso que o talento, e o talento diverso, seja reconhecido”.

Que mudanças introduziu na PwC a este nível?
O primeiro passo que tomamos foi fazer um diagnóstico interno de como nos posicionávamos, na altura, em termos de diversidade de género. Mais tarde, quando introduzimos outras dimensões da diversidade fizemos um processo similar. O diagnóstico deve ser, de facto, o ponto de partida de um programa deste género. Há sempre perceções de vários stakeholders sobre estes temas, sejam num ou noutro sentido, e é importante que se parta de dados concretos.

Num segundo momento, passamos para uma fase que visou promover o entendimento correto do tema dentro da organização. Diversidade tornou-se uma “buzz word”, mas para que haja efetivas mudanças nas organizações é preciso que dentro da organização se saiba exatamente sobre o que estamos a falar e porque é que estamos a falar do tema. O que é a diversidade e porque é que é relevante para a organização. Tem de se fazer esta reflexão e os gestores têm de interiorizar o conceito. É importante também informar e formar todas as pessoas da organização. E fizemos isto já com base nos resultados do diagnóstico.

Em simultâneo, é preciso garantir que os processos da organização, nomeadamente em sede de capital humano, não só não impedem a existência de diversidade, como a potenciam. Desde logo, se a organização pretende incrementar a diversidade é fundamental que o seu processo de recrutamento esteja construído de forma a atingir esse objetivo. E também que isso seja claro para os intervenientes nesse processo. Posteriormente, os processos ao nível remuneratório, de avaliação de performance e progressão na carreira têm também de garantir essa diversidade. Por fim, diria que a existência de uma verdadeira meritocracia é também fundamental. É preciso que o talento, e o talento diverso, seja reconhecido.

Ao longo da carreira alguma vez sentiu que as oportunidades lhe escapavam pelo facto de ser mulher?
Pessoalmente, nunca senti que perdi oportunidades por ser mulher. No entanto, sobretudo numa fase intermédia da carreira, senti que a minha taxa de esforço era necessariamente superior. Contudo, quando comecei a trabalhar mais profundamente o tema da diversidade fora da PwC, nomeadamente quando em 2013/2014 realizamos um estudo com a Universidade Católica sobre as mulheres no mercado de trabalho em Portugal, percebi que fiz a minha carreira de uma certa forma numa “bolha”.

Que a realidade profissional de muitas mulheres era e é bastante diferente da minha. Temos felizmente muitas empresas em Portugal em que a diversidade é um valor e a progressão das mulheres acontece e é promovida. No entanto, há toda uma outra realidade muito diferente.

“Não se pode falar de uma verdadeira meritocracia se só alguns chegam à `short list´ para serem escolhidos para determinados cargos. Neste momento, isto acontece frequentemente”.

Ainda hoje o envolvimento das mulheres portuguesas no mercado de trabalho é superior à média europeia. Mas continuamos a ser das que menos acedem às chefias e aos cargos de administração. O que ainda nos falta fazer?
É verdade e os números são claríssimos. Acho que para conseguirmos uma representação adequada das mulheres em cargos de liderança temos que atuar em duas grandes áreas. Dentro das organizações, no sentido da consciencialização sobre o tema e atuação nas linhas que acima referi. Garantir que há uma verdadeira igualdade de oportunidades. Não se pode falar de uma verdadeira meritocracia se só alguns chegam à “short list” para serem escolhidos para determinados cargos. Neste momento, isto acontece frequentemente. Se não tivermos sequer mulheres nessa “shortlist” como podem chegar aos cargos de liderança?

Uma segunda área de atuação é ao nível mais familiar e social, com a necessidade de repensar e ajustar aqueles que são culturalmente os papéis atribuídos, em exclusivo, à mulher. Muitas vezes as mulheres sentem que não conseguem progredir mais porque torna-se humanamente impossível conjugar a vida familiar com a carreira. Tem de haver um enorme planeamento, feito com antecipação, e alguma sorte, para que se verifiquem as condições para ser possível para muitas das mulheres terem a carreira que ambicionam em conjunto com a vida pessoal que querem ter.

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