Entrevista/ “Seria muito importante que a cultura científica se iniciasse em ambiente escolar desde cedo”

Mónica Brito, CEO da Crioestaminal

“A área das ciências, e particularmente a área da investigação científica que em Portugal ainda tem um cariz muito académico, requer um elevado grau de esforço e resiliência, sendo igualmente necessário estar muito atento às oportunidades e ao caminho a traçar para garantir projetos financiados, bolsas para dar continuidade ao trabalho e a subsistência do investigador na sua jornada”, revela Monica Brito, CEO da Crioestaminal.

Há cada vez mais mulheres cientistas e engenheiras em Portugal. Em 2020, Portugal contava com 52% de mulheres cientistas e engenheiras, posicionando o país como uma referência entre os Estados Membros da União Europeia (UE), ao lado da Lituânia e da Dinamarca. E bem distante dos 30% verificados na Finlândia e dos 31% apurados na Hungria, segundo os dados do Eurostat.

A nível regional, em termos de proporção de cientistas e engenheiras em 11 regiões da UE, Portugal surge, uma vez mais, bem posicionado. Madeira (56%) e Portugal Continental (51%) surgem ao lado das quatro regiões de Espanha (noroeste e centro, com 52%; Ilhas Canárias e nordeste, com 51%), do norte e sudeste da Bulgária, do leste da Polónia (ambos 57%), do norte da Suécia (56%), assim como da Lituânia e da Dinamarca (ambos 52%). Dados corroborados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE): há mais mulheres a estudar ciências, tecnologia, engenharia ou matemática em Portugal do que homens. E na área da biologia elas são mesmo a esmagadora maioria.

No âmbito do Dia Internacional das Mulheres e Raparigas na Ciência, falámos com Monica Brito, CEO da Crioestaminal, que desde cedo percebeu que queria seguir ciências, uma área que, para si, ainda está muito ligada à academia e que “requer um elevado grau de esforço e resiliência”.

Hoje assume que está na lugar certo. “A área das ciências é uma área em constante evolução. Na Crioestaminal em particular tenho a oportunidade, e o desafio, de poder disponibilizar produtos e serviços que podem fazer a diferença e transformar a vida de quem possa beneficiar de tecnologia associada às terapias com células estaminais. Este sentimento de contributo, aliado à busca constante pela melhoria e pela inovação, é algo que está intimamente ligado à ciência, quer sejamos homens ou mulheres”, conta.

A partir de que momento é que a Ciência começou a fazer parte da sua vida?
Ao longo do meu percurso escolar tornou-se visível a minha maior apetência para a área das ciências, particularmente das ciências da vida e da área da saúde. Já no ensino secundário, e estamos a falar de uma época em que o acesso ao conhecimento não era nem de perto nem de longe o que é hoje, sobretudo numa região pequena do interior do país, tive a oportunidade de contactar com duas jovens que estavam a estudar Bioquímica na Universidade de Coimbra, estavam a “estudar para serem investigadores”. Apesar de não saber o que era aquilo da Bioquímica, um curso na altura recente em Portugal, era claramente uma área que juntava Biologia e Química, era inovadora e não tive dúvidas que era naquela área que eu queria estar.

Quais foram as suas grandes referências para a sua formação?
Não consigo identificar alguém em particular, mas sem dúvida que os professores com quem fui contactando e os meus colegas no curso universitário, aliado ao ambiente académico que me rodeava, contribuíram para o despertar e o desenvolver de um espírito que se quer, por um lado, resiliente e, por outro lado de abertura ao exterior, ao conhecimento, à experiência.

Quais os maiores desafios que enfrentou no campo da Ciência?
A área das ciências, e particularmente a área da investigação científica que em Portugal ainda tem um cariz muito académico, requer um elevado grau de esforço e resiliência, sendo igualmente necessário estar muito atento às oportunidades e ao caminho a traçar para garantir projetos financiados, bolsas para dar continuidade ao trabalho e a subsistência do investigador na sua jornada. Estes foram fatores que, a par com a demora na obtenção de resultados, acabaram por condicionar o meu percurso e me desviar do caminho da investigação pura.

“Este sentimento de contributo, aliado à busca constante pela melhoria e pela inovação, é algo que está intimamente ligado à ciência, quer sejamos homens ou mulheres”.

Como se sente enquanto mulher na área das ciências?
Pessoalmente sinto que estou no lugar certo. A área das ciências é uma área em constante evolução. Na Crioestaminal em particular tenho a oportunidade, e o desafio, de poder disponibilizar produtos e serviços que podem fazer a diferença e transformar a vida de quem possa beneficiar de tecnologia associada às terapias com células estaminais. Este sentimento de contributo, aliado à busca constante pela melhoria e pela inovação, é algo que está intimamente ligado à ciência, quer sejamos homens ou mulheres.

Apesar de existirem cada vez mais mulheres nas ciências, por que razão continua a persistir, na nossa perceção coletiva, uma imagem masculina quando pensamos em ciência?
Eu não posso dizer que associe a ciência a uma imagem masculina, certamente pela área da ciência em que me insiro e que é uma área onde a percentagem de mulheres, nomeadamente em Portugal, é já superior à de homens. Naturalmente que em algumas áreas das ciências poderão persistir mais homens do que mulheres, mas tal também poderá estar relacionado com a própria biologia e com a diferente predisposição e interesse de homens e mulheres por diferentes áreas de estudo e de trabalho.

Considera que é necessário ter mais mulheres na ciência? Porquê?
Considero sobretudo que, não só na ciência, mas nas várias áreas profissionais, é necessário criar condições enquanto sociedade para que as mulheres possam desenvolver as suas carreiras profissionais de forma segura e equilibrada, sem que tal comprometa outras necessidades como seja a maternidade.

Qual é a solução para equilibrar a taxa de mulheres na STEM com a dos homens?
É necessário que enquanto sociedade sejamos capazes de criar condições para que as mulheres, que são também as geradoras das futuras gerações, possam desenvolver o seu trabalho, a sua carreira profissional sem que tal limite a sua disponibilidade para a família e para si mesmas. Este facto não vai mudar, mas se não houver este compromisso por parte de governos, instituições e empresas, vamos continuar a ter cada vez mais mulheres a progredir nas suas carreiras, nos seus projetos, à custa do adiar da maternidade e da constituição de famílias sólidas e equilibradas, com todas as implicações futuras que esta situação irá acarretar.

“Seria muito importante que a cultura científica se iniciasse em ambiente escolar, desde cedo, através do desenvolvimento de atividades educativas capazes de integrar e relacionar as várias componentes curriculares e mostrar aos jovens a sua aplicação prática”.

Que ações de promoção da cultura científica devem ser realizadas em Portugal e que fazem mais sentido para si nos tempos que correm?
Seria muito importante que a cultura científica se iniciasse em ambiente escolar, desde cedo, através do desenvolvimento de atividades educativas capazes de integrar e relacionar as várias componentes curriculares e mostrar aos jovens a sua aplicação prática. As ciências têm a particularidade de estimular o pensamento crítico, estruturado e simultaneamente criativo, algo que considero de extrema importância para os jovens de hoje e para as futuras gerações. Mais uma vez, para que tal seja possível, é necessário a colaboração das instituições académicas, dos governos, das empresas e é necessário que o sistema educativo, começando pela educação dos futuros professores, esteja alinhado com esta necessidade.

O que significa, para si, fazer ciência numa perspetiva feminista?
Não sei se existe uma perspetiva feminista para fazer ciência, mas a existir parece-me que as mulheres têm uma boa capacidade de agregar a vertente emocional com a vertente racional. Esta capacidade permite que a ciência, sobretudo naquelas áreas vistas como mais complexas, mais frias e distantes, se aproximem mais da população e se tornem cada vez mais do conhecimento e do interesse geral.

Que mensagem é que deixaria às mulheres e raparigas que pretendem ter uma carreia na área científica?
Não gostando eu de generalizar, diria que as mulheres continuam a ter alguma tendência, felizmente cada vez menos, para sentirem que determinadas áreas de atividade não são para elas, que não serão capazes, que é mais para homens, e com isso acabam por não seguir os seus sonhos e desenvolver as suas capacidades. Assim, eu diria às jovens raparigas que acreditem sempre e trabalhem com foco nos seus objetivos, para estarem preparadas quando as oportunidades surgirem.

Quais os seus planos para o futuro?
Os meus objetivos passam por colocar Portugal cada vez mais como uma referência na área das terapias com células estaminais, e pelo desenvolvimento de novos produtos para terapia com base em células estaminais que sejam efetivamente desenvolvidos e aplicados na clínica em Portugal. E claro, criar filhos felizes e uma família integra e que se apoia ao longo da vida, pois, este é um aspeto fundamental para qualquer uma de nós.

Respostas rápidas:
Maior risco: A não partilha do conhecimento.
Maior erro: Não arriscar.
Maior lição: Estar preparada para quando a oportunidade surgir.
Maior conquista: Ser mãe e dirigir uma empresa como a Crioestaminal.

 

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