Entrevista/ “Temos tudo pronto para começarmos a trabalhar numa escala diferente”

Lara Vidreiro, Cofundadora da Chic by Choice

Chic by Choice é um nome que muito já deu que falar. Por trás da start-up portuguesa de aluguer de vestidos de luxo, estão duas jovens mulheres que, em três anos, colocaram a marca na boca do mundo e que já arrecadaram o prémio de melhor start-up de moda pela The Europas em 2016.

Lara e Filipa criaram a Chic by Choice em 2014. Começaram um negócio de aluguer de vestidos de luxo sem um único vestido no armazém. Desde então, já adquiriram uma empresa no Reino Unido e outra na Alemanha, mudaram toda a operação de expedição para o Reino Unido e hoje não só alugam vestidos, mas também acessórios.

Nem sempre percorreram um caminho fácil e muitos foram, e são, os desafios que vão ultrapassando. Mas esta dupla feminina de garra promete continuar a ajudar cinderelas a serem princesas, no dia do baile e em todos os dias especiais das suas vidas. Que o diga Lara Vidreiro, com quem falámos nos escritórios de Lisboa.

O que faz a Chic by Choice?

A Chic by Choice foi lançada em 2014, enquanto plataforma de aluguer de vestidos de luxo para mulher na Europa. O lançamento foi feito no Reino Unido numa Fashion Tech, em especial para as marcas, para os media, os agentes da moda e para o mundo da tecnologia. Temos uma visão daquilo que pensamos que estes pretendem de nós, bem como os nossos sócios, e foi a partir daí que começámos. Nessa altura, toda a nossa equipa era portuguesa. Fizemos tudo cá, mas lançámo-nos logo como empresa global.

De 2014 até hoje, levantámos fundos semente, num total de 2 milhões, e estamos agora numa fase de levantamento da série A, que estamos a fazer no Reino Unido. Neste momento, o nosso objetivo é sediar o negócio no Reino Unido e alargar o serviço a todo o perfil de clientes que, neste momento, não estamos ainda a captar.

Adquiriram já duas empresas…

Sim, uma no Reino Unido e uma na Alemanha, das quais adquirimos os ativos, ou seja, os vestidos. Quando começámos, não tínhamos nada, nenhum ativo. Tínhamos um stock virtual e, quando tínhamos encomendas de determinado vestido, mandávamo-lo vir dos nossos parceiros, de lojas e marcas.

Quando adquirimos aquelas duas empresas, o nosso modelo mudou. Passámos a ter novas marcas e vestidos de coleções mais antigas. Foi quando começámos a perceber que as pessoas não procuram vestidos da última moda, mas sim de marcas e do vestido certo para uma determinada ocasião. Começámos então a desenvolver o nosso modelo de stock. Percebemos que precisávamos de análise de dados, de modo a conseguirmos dar à nossa cliente o melhor vestido e serviço. Com base nos produtos que eram adquiridos, desenvolvemos uma análise que hoje nos ajuda a selecionar os vestidos da atual coleção a adquirir. Assim, hoje adquirimos vestidos novos e atuais, uma vez que temos já dados suficientes que nos indicam o tipo de vestidos que vamos precisar no futuro, para satisfazer as necessidades das nossas clientes.

Hoje, procuramos mostrar às marcas que conseguimos fazer muito mais e melhor do que os outros concorrentes, e fazer-lhes ver que somos um canal muito melhor para gerar valor a partir dos seus produtos, do que darem os seus vestidos para mercados de outlet. Queremos garantir que temos os fornecedores certos e ajudar as marcas a gerar valor com os produtos que têm sem grande saída.

Referiu que adquirem vestidos que iriam para os outlets. Mas as pessoas não procuram antes vestidos únicos, em vez dos que não tiveram muita saída?

Não é isso que acontece com as grandes marcas. Nestas, os vestidos que, habitualmente, ficam por vender são os mais especiais, os mais caros, aqueles que não deseja ter no seu armário, mas sim usar uma vez na vida, em vez de os comprar. É por isso que estes são os vestidos mais importantes para nós, aqueles que queremos ter na nossa plataforma, para que possam ser usados, sem que seja preciso investir demasiado dinheiro. Não se trata de vestidos pretos e sem adornos que podem ser usados em numerosas ocasiões diferentes, mas aqueles vestidos especiais para aquele evento especial. São vestidos que adquirimos não após a estação em que foram lançados, mas durante a mesma. Numa plataforma de e-commerce, consegue-se saber em duas semanas se determinada peça tem saída e se conseguimos o valor que estamos a pedir por ela ou não. Saber se, daí a dois meses, esse vestido estará num outlet. É nesse tipo de peças que nós somos a alternativa para criar mais valor com esse vestido. Para as marcas, é importante terem os seus produtos noutras plataformas durante a estação do seu lançamento, pois, ao irem para o outlet, estão a perder poder e reconhecimento da marca junto do cliente.

Qual o perfil das clientes da Chic by Choice?

São mulheres entre os 25 e os 45 anos, mas temos três tipos de perfis diferentes de clientes. Um é constituído por jovens mulheres que estão a iniciar as suas carreiras, com muitos amigos entre os 26 e os 28 anos, que estão todos a casar. São mulheres capazes de ter dez casamentos num só verão, pelo que nos começam a ver como uma boa alternativa a continuarem a investir na aquisição de vestidos que só usarão uma vez. Depois, temos as empresárias que têm muitos eventos profissionais e que precisam de nós para garantirem que estão sempre fantásticas em todos eles. São, muitas vezes, mulheres que, em vez de investirem em filhos, estão a investir nelas próprias, nas suas carreias profissionais e que querem chegar ao topo. Também há as que têm família e filhos, mas que recorrem a nós para eventos especiais, como bailes de Natal ou eventos muito importantes nas suas carreiras. Em todos estes perfis, temos o mesmo objetivo: que recorram a nós mais vezes, criar essa necessidade, que recorram a nós não só no verão, mas também noutras alturas e festividades.

Qual é a média de clientes recorrentes que têm neste momento?

Temos cerca de 25% de clientes recorrentes e cerca de 33% de aumento do valor despendido na segunda vez, face à primeira. Isto significa que, na sua primeira vez, querem experimentar o serviço, talvez num evento menos importante, mas que ganham confiança em nós e recorrem novamente aos nossos serviços para eventos mais relevantes, em que estão dispostas a gastar mais.

Como gerem os danos que são causados aos vestidos no seu uso?

Temos um seguro interno que cobre pequenos danos, como pequenas nódoas, mas claro que, se um vestido vier danificado irremediavelmente, temos de garantir que o cliente paga pelo menos o seu custo.  Para isso, temos uma cláusula no acordo de cedência do vestido, em que se a cliente danificar o vestido irreparavelmente, terá de o pagar. Mas isso é raro acontecer, o que é normal. Pense em quantos vestidos já danificou irremediavelmente na sua vida, muito poucos, não? No meu caso, nunca aconteceu. Mas tentamos sempre reparar os vestidos e, para isso, contamos com costureiras fantásticas que fazem milagres.

No processo, garantimos que damos às pessoas tudo o que é necessário para devolverem os vestidos atempadamente. Temos um serviço de emails automáticos que são enviados às pessoas, com todas as condições e data limite de devolução.  Recebem no dia anterior, no próprio dia e no dia seguinte, caso ainda não tenha sido expedido. Assim que o vestido entra nos nossos armazéns, é enviado um email à cliente com um pedido de feedback. No caso de não o estarmos a receber, é enviado um email a questionar sobre possíveis problemas e se a cliente necessita de uma nova data de recolha do vestido. Para nós, o mais importante é manter o ciclo do vestido, tê-lo sempre no circuito, pelo que temos de garantir que o recebemos na data prevista.

Como é feito o processo de devolução?

Nós mandamos uma etiqueta dentro da caixa para efetuar a sua devolução ou reagendamento imediato, se necessário. O processo é muito simples para o cliente.

E o que fazem com os vestidos depois do seu ciclo de vida no aluguer?

São vendidos. Temos parcerias com sites europeus de produtos em segunda mão que os vendem. Trata-se de um grande mercado, pelo que estamos a tentar garantir que conseguimos o maior valor possível no ciclo de vida de cada vestido e na sua venda.

E como definem quando termina o ciclo de vida de cada vestido?

Temos uma média de vezes em que cada vestido é alugado, mas claro que analisamos cada um quando voltam das clientes. Procuramos ter vestidos de materiais que aguentam muito bem várias limpezas a seco, como é o caso do poliéster, e são esses que procuramos comprar. O que acontece é não encomendarmos vestidos que são feitos em seda, mas noutros materiais mais capazes para o nosso negócio.

Qual a duração média de cada processo de aluguer e devolução?

Cerca de uma semana.

E quantos vestidos têm neste momento disponíveis?

Cerca de 1500 vestidos.

E só têm vestidos?

Não. Neste momento, também temos acessórios, como clutches. Sapatos não, por uma questão de higiene e porque sofrem alterações com o uso e o tipo de pé que os calça. O princípio é que a cliente invista num bom par de sapatos, que possa usar com vários tipos de vestidos, e deixar os vestidos connosco!

Qual foi o momento mais desafiante que passaram, desde que decidiram avançar com este negócio?

Acho que todos os momentos são desafiantes, à sua maneira. É tudo muito mais difícil do que parece. Estamos neste momento a viver tempos difíceis pela mudança que trazem. Estamos a tentar levantar investimento de série A, o que é muito difícil por estarmos a crescer e a precisar de nos focar na operação, mas, ao mesmo tempo, conscientes de que precisamos de levantar este investimento, para conseguirmos escalar o negócio. É, sem dúvida, o momento mais desafiante desde que começámos.

O investimento é a vossa maior necessidade no momento?

Temos imensas necessidades neste momento, mas o mais necessário é mesmo fechar esta ronda, porque temos tudo preparado para a fase seguinte. Temos a equipa que queremos recrutar, tudo pronto em termos de operações e de marketing para começarmos a trabalhar numa escala diferente, mas, neste momento, está mesmo tudo dependente do dinheiro.

Qual é vosso volume de negócio? E o que se segue?

Posso dizer que o objetivo foi fechar 2016 perto do milhão, mas é mesmo por isso que estamos a mudar o armazém para o Reino Unido. Em Portugal, temos custos de aluguer mais baixos e muito talento, pelo que a equipa permanece aqui e só vamos mudar o armazém. Para lá só vai o armazém, os vestidos. Contaremos com duas ou três pessoas para nos ajudarem. Eu e a Filipa é que andaremos de lá para cá.

Isto deve-se aos custos de envio e receção dos vestidos?

Sim, o nosso maior mercado consumidor está lá. Mas nem é só por isso, é também pelo próprio ciclo dos vestidos. Agora estamos a trabalhar 5 dias por semana, mas, assim que mudarmos o armazém, passaremos a trabalhar os 7 dias semanais em termos de mercado doméstico, ou seja na expedição para o mercado interno no Reino Unido.  As encomendas internacionais serão expedidas pela DHL, mas aí apenas contaremos com os 5 dias semanais. Em termos de ciclo do vestido, passaremos de 2 para 3 dias de aluguer e, claro, a prestar um melhor serviço ao cliente do que aquele que conseguimos prestar a partir de Lisboa.

Também fazem parcerias com empresas de organização de eventos?

Sim. Para nós, em termos de marketing, o email é o melhor canal, mas estamos agora a começar a fazer uma série de eventos com parceiros, como vouchers de utilização, a ser atribuídos aos perfis que mais nos procuram. Por exemplo, usaremos agora uma app muito utilizada de uma lavandaria que faz recolha e entrega no Reino Unido, com quem temos uma parceria não só comercial, mas também ao nível do marketing, muito segmentada por áreas e perfis do consumidor.

Como fazem em termos dos tamanhos dos vestidos que decidem comprar e em termos de envio à cliente? Como resolvem o problema?

Temos várias opções para esse tipo de problema. Primeiro que tudo, enviamos sempre um segundo tamanho, sem mais custos para a cliente e temos também disponível um serviço de teste. Com este, pode experimentar os vestidos que tem em vista, até 6 meses antes da data do evento, e tem 24 horas para os experimentar. Pode escolher dois vestidos de dois estilos diferentes e mandá-los vir em dois tamanhos diferentes. Apenas tem de os experimentar e indicar qual pretende receber novamente para o evento. Temos também um sistema de medidas na plataforma, que selecionamos depois de muita pesquisa e teste. O Virtusize é um sistema 2D em que a cliente pode medir o seu vestido preferido e comparar essas medidas com as de todos os vestidos que temos no sistema.

Nesta mudança para o Reino Unido terão um modelo combinado de online e offline ou nem por isso?

Para já, temos a possibilidade de experimentar no offline aqui em Lisboa e temos cá o showroom, mas temo-lo principalmente por questões do mercado português, em que as pessoas ainda valorizam muito o experimentarem e não estão tão recetivas ao e-commerce como noutros países. Assim, as pessoas podem vir até cá, ver e experimentar os vestidos e o serviço. Em Londres, estamos a ter algumas pop-up stores (lojas temporárias) em que, em dias e épocas específicas, exibimos uma seleção de vestidos capazes de despoletar os alugueres nessa determinada altura. Por exemplo, em novembro fizemos uma pop-up de dois dias em Londres, já a pensar no Natal e na passagem do ano. Pretendemos aumentar este tipo de iniciativas, assim que mudarmos o armazém. Por exemplo, passaremos a ter pop-ups durante a época das festividades, pois muitas pessoas só pensam no que vão vestir mesmo junto às datas. Teremos lá os vestidos que não estiverem já reservados e as pessoas poderão experimentar, levar e devolver depois da festa. Também queremos fazer algumas pop-up em centros comerciais, para que as pessoas percebam a qualidade dos nossos vestidos.

Têm alguma forma de reduzir a probabilidade de duas pessoas usarem o mesmo vestido na mesma festa?

Temos poucos vestidos do mesmo estilo, no máximo 4 ou 5 de cada, pelo que o risco de isso acontecer é muito pequeno. No caso de haver dois alugueres do mesmo vestido para o mesmo dia e país, aí analisamos e tentamos saber se se destinam à mesma festa. Mas não podemos garantir que as pessoas não compram esse vestido numa loja ou no e-commerce. O que podemos garantir é um serviço exclusivo. Temos algumas marcas não europeias que podem garantir que não há dois vestidos iguais. Garantimos, sim, alguns vestidos exclusivos na Europa. Mas claro que a pessoa pode ir aos Estados Unidos e comprar esse vestido e usá-lo na mesma festa, mas o risco de tal acontecer é muito baixo.

O que têm feito para aumentar a predisposição das pessoas para este tipo de serviço?

Temo-nos focado nos Millennium, pois estes têm uma perspetiva de vida diferente, face à posse. Como podem ver pelo Airbnb, Uber, Spotify, todos têm estado a mudar a forma de ver o mundo. Para esta geração, não se trata de ser detentor das coisas, mas de ter a experiência certa e é aí que nós operamos.

Que lições aprendidas partilham do caminho que já percorreram?

Nós tivemos a sorte de ter pessoas que nos foram desafiando. Quando começámos, não estávamos preparadas para não ter nada no armazém. Foi um pesadelo, em termos operacionais. Foi um desafio que os nossos investidores nos colocaram e foi a forma que encontrámos de resolver o problema. A maior lição que partilho é a necessidade de se escolher muito bem os cofundadores e os investidores, pois serão aqueles que o ajudarão a fazer o certo e a superar os desafios e momentos mais difíceis. Há muitas coisas que poderíamos ter feito de outra forma, mas as decisões que tomámos, de certa forma, foram as melhores que poderíamos ter tomado na altura. É preciso ter cofundadores fortes e ter o apoio dos investidores para recrutar os melhores talentos. Quando nos tornamos conhecidos, acabam por acontecer duas coisas: outras empresas a complicarem-nos a vida, e nós tivemos isso, ao verem o nosso crescimento e exposição nos media; tentarem aliciar a nossa equipa com ofertas salariais elevadas que não conseguimos cobrir e acabarem por levar alguns dos nossos colaboradores. Não tem de ser necessariamente mau, porque acaba por nos forçar a procurar outros talentos e a encontrar, quem sabe, ainda melhores e mais adequados à equipa. É assim que queremos ver este problema. Crescer e ter exposição dos media exige que estejamos preparados para os dois lados da questão, porque, às vezes, estás supercontente por teres determinada pessoa na equipa, mas alguém vem e leva-ta, e no mês seguinte já não podes a contar com ela.

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