Entrevista/ “No final do dia não é a tecnologia que transforma as empresas mas sim as pessoas”

Para a Bycoders, a tecnologia é o meio para atingir um fim e não o próprio fim. A empresa desenvolve soluções tecnológicas sob medida para projetos de transformação digital e incorpora ferramentas, métodos, mas também pessoas, as três componentes que considera essenciais. O Link To Leaders falou com Marlene Alves Fialho, sócia da Bycoders que começou a operar no Brasil e que acaba de se instalar em Portugal, sobre os planos para este ano.
É portuguesa, mas viveu cerca de 9 anos no Brasil. Em 2017, Marlene Alves Fialho regressou à sua terra Natal para trabalhar como secretária-geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, função que lhe permitiu organizar missões empresariais, acompanhar empresas no Web Summit e realizar eventos com start-ups tecnológicas.
Como o mundo das TI sempre a fascinou, em 2018 inscreveu-se num mestrado de gestão de informação para saber mais sobre código e dados. E mais recentemente tornou-se sócia da Bycoders, uma empresa de desenvolvimento de tecnologia, que iniciou operações no Brasil, onde tem como clientes a Volvo, KPMG, PayPal, Positivo, Cielo e Mercado Bitcoin, e que acaba de se instalar em Portugal. O plano para os próximos meses da empresa é ambicioso.
“O crescimento da empresa de 2019 para 2020, em plena pandemia, triplicou. Hoje contamos com cerca de 70 programadores, para além da equipa de tech recruiters e gestores de projeto. Para este ano projetamos um crescimento de quatro vezes mais, esperamos fechar o ano com cerca de 4 milhões de euros de faturação e duplicar ou triplicar o número de funcionários”, explicou Marlene Alves Fialho, sócia da Bycoders, ao Link To Leaders.
Como surgiu o desafio de se tornar sócia da Bycoders?
Tenho acompanhado de perto a atividade da empresa desde a sua criação, tendo trazido a Bycoders para associada da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, onde trabalhava. Durante esse período, tornei-me próxima do Marcelo e do Vanildo, fundadores da empresa, e apoiei-os na tomada de decisão da abertura de empresa em Portugal. O plano inicial era abrir operação na Europa através da Alemanha, uma vez que existia um programador e amigo que fazia parte da estrutura a residir em Berlim, mas com o posicionamento que Portugal tem assumido, arrisco-me a dizer, como polo tecnológico, uma nova Silicon Valley, a decisão foi unânime: iniciar esta jornada através de Portugal.
O convite para fazer parte da estrutura veio nessa sequência e, como a minha intenção era ingressar no mundo da tecnologia, fazia todo o sentido ficar com uma pequena fatia da empresa e fazê-la crescer no meu país, no continente, no qual tenho conhecimento e rede de contactos.
“De uma forma próxima, mergulhamos nas dores e necessidades de cada empresa e definimos conjuntamente quais as melhores estratégias, procurando antever desafios que possam surgir”.
Que serviços disponibilizam e o que vos distingue da concorrência?
A Bycoders na sua essência é uma empresa de desenvolvimento de software à medida, porém somos mais do que uma mera software house. Oferecemos consultoria especializada para apoiar os nossos clientes e as empresas no seu processo de transformação digital. De uma forma próxima, mergulhamos nas dores e necessidades de cada empresa e definimos conjuntamente quais as melhores estratégias, procurando antever desafios que possam surgir. É sempre meio clichê dizer que fazemos mais e melhor que a concorrência, mas o que vejo de diferenciador em comparação com as outras empresas é a nossa proximidade com o cliente, mas fundamentalmente com a nossa equipa, mesmo quando trabalhamos com equipas em projetos externos.
Quais os grandes desafios que encontram na construção de soluções tecnológicas sob medida nos dias de hoje?
Existem vários desafios no que diz respeito à tão falada transformação digital/tecnológica, mas diria que o grande desafio é em primeiro lugar saber traduzir o que a área de negócios ou a própria empresa necessita. Na maioria das vezes a equipa que está à frente de determinado negócio não consegue materializar exatamente a necessidade ou vem com uma proposta de solução previamente desenhada que nem sempre é a mais adequada. O melhor dos mundos é fazer com que as equipas que procuram uma nova solução falem da sua “dor” e se construa em conjunto o potencial alcance tecnológico. Outro dos desafios é conseguir dividir um projeto em fases e ajudar o cliente entender que esse é o melhor caminho.
Nesta sequência entra o conceito de MVP, que é o ponto de partida para conseguir chegar à solução desejada. Adicionalmente, existe o desafio de definir a tecnologia a utilizar. Cada tecnologia tem seu propósito e objetivo, mas muitas vezes a diferença é tão subtil que corre-se o risco de utilizar a linguagem inadequada ao propósito do projeto, ou até mesmo, se a empresa contratada/parceiro de tecnologia não for imparcial, poderá optar pela tecnologia que mais trabalha ou com a qual mais experiência tem, podendo gerar grandes dores de cabeça no futuro. Finalmente, temos o desafio de dimensionar o ambiente de produção, onde hospedar a solução, qual o fornecedor de cloud que melhor responde ao projeto, em termos de custo x benefício, facilidade de manutenção e escalabilidade, etc…
Operam em que mercados?
Operamos maioritariamente no Brasil, mas também no México, Angola e, na Europa, estamos na Alemanha, Espanha e Portugal.
Começaram no Brasil e o que vos levou a apostar também em Portugal?
O Brasil, com as suas dimensões continentais, em regra geral, gera uma sensação de conforto muito grande nos empresários, levando-os a pensar apenas no mercado nacional. Mas no nosso caso, já havia a intenção e a projeção de expandir a operação para o exterior. A pandemia acelerou a disseminação do trabalho remoto e com isso colocamos em prática o nosso plano de expansão internacional.
Acabamos por escolher o caminho não óbvio. Digo isto porque o mais comum para as empresas brasileiras, sobretudo no setor tecnológico, é iniciar a internacionalização no continente americano, mais precisamente na América do Norte. No entanto, acreditamos que a Europa trar-nos-á mais oportunidades num horizonte de 3 a 5 anos. Como referi, iniciou-se o estudo de mercado europeu, pela Alemanha, inúmeras calls com câmaras de comércio, empresários brasileiros que já tinham passado pelo processo de internacionalização, entre outros. Desta pesquisa identificou-se que internacionalizar, através de Portugal, tinha aparentemente menos barreiras, sejam elas culturais ou de língua. E assim, decidimos voltar a estratégia para Portugal, começando novamente todo o processo, nova série de calls, com potenciais clientes, câmara de comércio, embaixada, empresários…. até que fechamos o nosso primeiro cliente em Portugal. E depois chegámos à conclusão que era necessário dar o próximo passo: abrir uma empresa com DNA português. E cá estamos nós, com a missão de sermos não a maior, mas uma referência em desenvolvimento de soluções à medida.
Quais as grandes diferenças que encontra nos mercados onde operam?
Todos os mercados têm diferenças, mesmo no Brasil existem diferenças culturais entre as regiões. Quando entramos em países diferentes é ainda mais evidente. Mas procuramos entender o mercado, imergir com a cultura local, conhecer e adaptar-nos às regras do país. Mas isto não é nada de novo num processo de internacionalização de qualquer empresa ou negócio. Por outro lado, sentimos e acreditamos que nesta revolução tecnológica este processo tem vindo a ser mais simples do que há 10 ou 15 anos atrás.
As maiores diferenças que acabamos por encontrar entre o continente Americano e a Europa são as dimensões de cada um, a maturidade empresarial e a adaptabilidade. Porém, destacamos que a adaptação e resiliência são qualidades que desenvolvemos internamente.
“Sim, está no nosso plano de crescimento o lançamento da bc academy em Portugal. Consideramos de extrema importância investir na capacitação, na melhoria e aceleração das competências dos developers juniores”.
No Brasil existe a bc academy que acelera programadores juniores. Faz parte da estratégia lançarem uma academia também em Portugal? Como o pensam fazer?
Sim, está no nosso plano de crescimento o lançamento da bc academy em Portugal. Consideramos de extrema importância investir na capacitação, na melhoria e aceleração das competências dos developers juniores. Pretendemos assim promover mentorias através de uma metodologia voltada para a aplicação prática dos conhecimentos, onde os alunos poderão participar e acompanhar em tempo real a execução dos projetos dos nossos clientes, o que lhe permitirá evoluir e desenvolver ainda mais as suas capacidades..
Quais os casos de sucesso nos quais a Bycoders esteve envolvida?
O canal de denúncias da KPMG funciona como um instrumento para deteção de eventuais irregularidades, tais como: falhas de controlo, fraudes internas e externas, atos ilícitos e não cumprimentos de princípios éticos e políticas internas de empresas. Desenvolvemos um software que possibilita o registo anónimo ou não de informações, e que gera fluxos de denúncias, que por algoritmos serão direcionados para comités de auditoria, identificando se o denunciado faz parte da equipa de auditoria e em caso positivo reencaminhando para outra equipa auditar.
Desenvolvemos também uma plataforma de compra de bilhetes de autocarro que procura simplificar a vida de quem precisa viajar (sem bilhete físico e sem atrito) para a EMBARCA.AI. A app conecta origens à destinos de maneira rápida, simples e segura, evitando as filas na rodoviária. Com a plataforma, o cliente programa a sua viagem da maneira que mais lhe é conveniente, comparando tempo de chegada, operadoras e preços. O embarque é feito através do e-ticket no smartphone, sem precisar retirar bilhetes no guichê. A segurança e a facilidade de uso foram pensadas para proporcionar uma melhor experiência aos utilizadores. A plataforma foi desenvolvida de raíz, backend API, mobile, web e integração com sistemas das diversas operadoras de transporte rodoviário. Desde o início dos trabalhos até a primeira versão lançada em produção foram quatro meses. O projeto de cocriação foi conduzido em conjunto com a KPMG Brasil.
Já têm clientes em Portugal? De que setores?
Já sim, essa foi uma das razões que nos fez vir com malas e bagagens para o mercado português. Como somos agnósticos à tecnologia, os nossos clientes são de vários setores, desde empresas de tecnologia, meios de pagamento, bancos, logística, agronegócio. Temos uma equipa multidisciplinar capaz de atender qualquer setor
A Marlene viveu 9 anos no Brasil. Que ensinamentos trouxe de lá?
Empreendedorismo, resiliência, atitude positiva, criatividade e uma leveza do ser. O melhor dos mundos seria juntar as qualidades de Portugal com as do Brasil, teríamos um super país. Cito a frase de um conto de Saramago que traduz a capacidade de ver mais e melhor que o Brasil me deu: “ É necessário sair da ilha para ver a ilha, não nos vemos se não sairmos de nós”.
Como começou a interessar-se pelo mundo das TI?
Na verdade, sempre fui bastante ligada a tudo o que diz respeito às tecnologias, fascina-me este mundo que o ser humano desenvolve a uma velocidade estonteante para automatizar e apoiar os seus processos. Até que em 2018 decidi tirar um mestrado em gestão de informação, para conhecer com mais detalhe este mundo. Hoje o mundo não existe sem tecnologia, felizmente ou infelizmente é inevitável, não dá para voltar atrás.
Todas as transformações tecnológicas são surpreendentes, vão desde a simples entrega de pão à biomedicina na identificação prévia de doenças, até ao setor agrícola, que era uma indústria dita mais tradicional e que hoje é um dos setores que melhor faz uso da tecnologia, prevendo dificuldades, otimizando processos e obtendo melhores resultados, podendo chegar à preocupação central do mundo: a sustentabilidade.
“Portugal deverá representar em 2022 10% do faturação de toda a empresa. Pretendemos ampliar o nosso market share no mercado, seja através de desenvolvimento de software, outsourcing (..)”.
Quais os grandes objetivos da Bycoders para este ano no mercado português?
Temos planos ambiciosos de crescimento. Portugal deverá representar em 2022 10% do faturação de toda a empresa. Pretendemos ampliar o nosso market share no mercado, seja através de desenvolvimento de software, outsourcing, seja no nearshoring dos nossos profissionais através de Portugal para outras geografias. Para além disso, queremos tirar da gaveta alguns projetos e produtos e testá-los no mercado e avançar com a bc academy, pois sabemos da enorme lacuna de profissionais plenos e seniores com conhecimento e experiência em projetos complexos.
Que tendências antevê para a vossa área de negócio?
Tem se falado muito nas tecnologias disruptivas, como Inteligência Artificial e Machine Learning, Big Data e Analytics, Realidade Aumentada, Blockchain, Computação Quântica e o tão falado Metaverso. A verdade é que estas tecnologias já são realidade e estão presentes no nosso dia a dia, mas prevemos que estas terão um crescimento exponencial. O desafio está em melhorá-las a nosso favor.
Como Bycoders, entendemos que a combinação dessas tecnologias pode ajudar a desenvolver novos negócios e a implementar produtos de uma forma disruptiva, mas sem perder o foco no seu propósito. No caso da inteligência artificial, vemos uma melhoria na eficiência de algoritmos, procurando uma abordagem mais humanizada. Com dados, a implementação estratégica de Data Lakes, “Small” e Big Data, facilitando o acesso a todo tipo de informação que recolhemos para conseguir direcionar de forma mais acertada as decisões na venda, na produção etc.
Também o blockchain assume um papel cada vez mais importante, sendo a tecnologia adotada na implementação das moedas digitais de vários países, trazendo mais segurança e agilidade em processos, além da expansão do mercado de ativos digitais (NFTs). Com o metaverso unir-se-á a realidade virtual com a realidade aumentada, e veremos a transição da Web.2 para a Web.3, permitindo aos utilizadores uma melhor experiência no processo de pesquisa ou compra.
A computação quântica tem também um grande potencial e, apesar da grande evolução nos últimos cinco anos, ainda é um desafio de implementação e execução de atividades do dia a dia. Entendemos que esse é o momento de auxiliar as empresas no conhecimento da tecnologia, adaptações e como aproveitar o seu melhor em otimização de processos e resolução de problemas complexos, na medida que importantes evoluções estão a ser disponibilizadas neste e nos próximos anos.
Como gostaria de ver a empresa daqui a um ano?
A Bycoders é uma empresa relativamente jovem, mas sólida, criada em 2019, com uma equipa de menos de uma dezena de pessoas. O crescimento de 2019 para 2020, em plena pandemia, triplicou. Hoje contamos com cerca de 70 programadores, para além da equipa de tech recruiters e gestores de projeto. Para este ano projetamos um crescimento de quatro vezes mais, esperamos fechar o ano com cerca de 4 milhões de euros de faturaçãoo e duplicar ou triplicar o número de funcionários. O mercado no setor tecnológico está a fervilhar e inevitavelmente a tecnologia é transversal a todos os setores – há sim que saber traduzir as necessidade de cada setor e procurar soluções sustentáveis e rentáveis.
Sabemos, por outro lado, do enorme desafio que o setor enfrenta, a lei da procura e da oferta está completamente desequilibrada, não existindo talentos para tanta procura. Neste sentido a retenção de talentos é fundamental para o sucesso de cada empresa, porque no final do dia não é a tecnologia que transforma as empresas, mas sim as pessoas. Mas procuramos crescer com alicerces fortes para que no futuro o telhado não caia sobre as nossas cabeças. Investimos diariamente nos nossos ‘coders’, ouvimos atentamente as suas pretensões, os seus desejos, proporcionando-lhe um percurso de constante aprendizagem e evolução.
Respostas rápidas:
O maior risco: Perder nossa cultura.
O maior erro: A tomada de decisão demasiado rápida.
A maior lição: Uma história tem sempre duas versões. Saber ouvir é a maior virtude.
A maior conquista: Reunir uma equipe de gestão estratégica e qualificada.