Opinião
Transição energética: Depressa e bem, tem que haver quem

O desafio da transição energética é de tal forma titânico, que fazer bem ou fazer rápido já não chega. É preciso fazer bem e fazer depressa, e num contexto muito adverso, o que requer cooperação e participação de todos. Necessidade? Sem dúvida. Mas acima de tudo também uma grande oportunidade.
Nesta altura do campeonato, e num mês que até antecede o próximo COP 28 – a cimeira mundial do clima – parece-me que o conceito de “Transição Energética” já não será totalmente desconhecido para ninguém, pelo menos enquanto resposta às tão cada vez mais sentidas alterações climáticas. O que talvez não seja tão evidente é a dimensão, a escala e a velocidade a que são necessárias – no fundo uma autêntica revolução energética – de forma a atingir os objetivos Netzero 2050.
Já ouvi várias vezes uma pessoa que admiro a definir a transição energética de uma forma que me parece muito ilustrativa da dimensão do desafio – “transição energética é refazer toda estrutura energética que nos demorou mais de 220 anos a construir, em apenas 30 anos, com mais 2 biliões de pessoas na Terra”. Isto significa, entre outros exemplos, triplicar a capacidade renovável à escala mundial, triplicar o investimento na transição energética, construir e/ou modernizar mais de 80 milhões de quilómetros de redes, eletrificar ou descarbonizar a indústria e os transportes, e reduzir massivamente as emissões de gases poluentes (por exemplo, à data de hoje, mesmo que não emitíssemos mais CO2 nenhum, isso não seria ainda assim suficiente).
A este desafio juntamos ainda constrangimentos nas cadeias de valor (a título de exemplo, mais de 95% das componentes dos painéis solares vêm da China, criando uma enorme dependência do resto do mundo), os atrasos nos processos de permitting (e enquadramentos regulatórios incertos), a falta de mão de obra qualificada (só na Europa e não incluindo redes, vão faltar mais de 7 milhões trabalhadores qualificados na transição energética) e uma dependência em parte também da vontade dos consumidores de eletrificar o seu consumo. Se isto já não era por si só um desafio hercúleo, juntamos circunstancialmente elevadas taxas de juro que constrangem e de que maneira o investimento público e privado, e uma geopolítica instável que coloca ainda mais os investidores de pé atrás.
Diz o provérbio popular que “depressa e bem, não há quem”. Estaremos perante uma missão impossível? Muito provavelmente, mas o Tom Cruise acaba sempre por conseguir, e nós enquanto Humanidade teremos que mostrar que também podemos consegui-lo. Para isso, é necessário que todos cooperem. Como? Quem?
Do mais geral para o particular, em primeiro lugar os países e os governos têm que comprometer-se e trabalhar em planos comuns, reduzir a burocracia e criar os frameworks regulatórios necessários para acelerar os processos ligados à transição energética e com isso criar a atratividade e estabilidade necessária para atrair os investidores. Neste sentido, é também muito importante que os governos e as nações interiorizem que é necessário que a transição energética seja rentável para os privados, sob pena de retrair os investidores. Finalmente, é importante trabalhar por um lado na limitação das energias não renováveis e por outro lado nos incentivos ao desenvolvimento de energias limpas e à descarbonização das indústrias pesadas. Difícil? Claro, mas necessário, e uma boa oportunidade de ajudar os diferentes setores a serem competitivos num novo panorama. Neste sentido, para além da China (naturalmente), tanto os EUA (com o IRA) como a União Europeia (Net-Zero Industry Act e Critical Raw Materials Act) já estão a dar alguns passos nesta direção.
Em segundo lugar, naturalmente as empresas, que são de forma efetiva a força motriz da transição energética, e que devem ter a coragem de investir mesmo em condições adversas e às vezes em tecnologias cuja maturidade ou a viabilidade económica ainda não estão em velocidade de cruzeiro. Também são estas empresas, que tiverem ao mesmo tempo coragem e “foresight capacity”, que colherão mais frutos de toda esta revolução energética. Por um lado as empresas do setor energético, que devem acelerar o desenvolvimento das diferentes soluções renováveis, e por outro todas as outras empresas “consumidoras”, que devem também elas desde já contribuir e ativamente procurar incorporar estas soluções nos seus processos produtivos.
Mais uma vez difícil? Sem dúvida. Necessário? Muitíssimo. Mas também uma grande oportunidade. Pegando numa célebre expressão, “enquanto uns choram, outros vendem lenços” – as empresas têm muito a ganhar em embarcar e ser parte de uma realidade que terá que acontecer “ou sim ou sim”. Só para dar uma dimensão de grandeza, o investimento na transição energética foi de 1.4 triliões em 2022, mas é necessário que cresça para 4.5 triliões, por ano, até 2050 – valor anual superior ao PIB da Alemanha – o que naturalmente abrirá grandes oportunidades para start-ups e empresas.
Finalmente, e em terceiro lugar, as pessoas. Cada um de nós. Não só exercendo os nossos direitos de voto, mas também exigindo que as próprias empresas estejam alinhadas com os valores da sustentabilidade e sejam cumpridoras dos objetivos que são necessários. Para além disso, e provavelmente acima de tudo o resto, alinhando os nossos comportamentos e as nossas escolhas – eletrificar o consumo, procurar a eficiência energética, etc. Por exemplo, ao trocar de um veículo a combustão para um veículo elétrico (independentemente do custo, que esse também vai progressivamente baixando), cada um de nós está a aumentar a eficiência energética em pelo menos 2/3, uma vez que um veículo elétrico é bem mais eficiente. Overall, é necessária uma mudança de mindset nos consumidores, mas para isso é também importante que haja uma narrativa conjunta cuidada e que ajude as populações a entender os benefícios e a necessidade da transição.
O que é ou deve ser comum a todos os níveis? A cooperação e a inovação. A cooperação porque o desafio em si é tão grande que todos são necessários, de forma coordenada e consertada (países, empresas, pessoas). E a inovação, porque é o coração da transição energética. Não só necessariamente para procurar novas tecnologias (até porque mais de 70% das emissões já podiam ser evitadas com as tecnologias existentes, se fossem escaladas e disponíveis comercialmente), mas acima de tudo para acelerar a implementação e escalabilidade das soluções que temos (tornando-as mais competitivas), para criar todos os modelos de negócio que envolvem essas mesmas tecnologias e para que se crie um espírito empreendedor nos governos, nas empresas e nas pessoas.
Diz o Bill Gates que “tendemos a sobrestimar o que somos capazes de fazer em 2 anos, mas a subestimar o que podemos fazer em 10”. A História já tem demonstrado que isso é verdade. Sejamos ousados, corajosos, ambiciosos e comprometidos. Cada ano da transição energética deve ser agora “jogado como uma final”, só assim será possível.