Opinião
Trabalho à distância – o que vem a seguir?
Enquanto as organizações debatem que formato ou modelo escolher para o futuro do trabalho nas suas organizações, vale a pena fazer uma reflexão honesta sobre o tema.
O trabalho remoto ou à distância não é fruto da situação pandémica que vivemos nos últimos dois anos, ele já existe há muito tempo e no mundo inteiro. A situação dos últimos tempos “atirou” as corporações mais cedo para este tema, especialmente em Portugal. O tecido empresarial de génese nacional, vive ainda a cultura da presença no escritório. Agora que “aliviamos” a situação, estamos a recuar de novo, ao invés de aproveitarmos para mudar, fazer melhor do que fizemos até aqui, cocriando novas realidades de trabalho em Portugal, com impacto, não apenas nas organizações, mas, e mais pertinente, de norte a sul do país com dinâmicas territoriais nunca experienciadas, como a criação de espaços de co-working em zonas do interior e ilhas.
Como se trata de um ponto sem retorno, vale a pena refletir de forma séria e consistente. Veio para ficar e vai mudar todo o panorama do mundo do trabalho, por isso, novos desafios para as lideranças e seus recursos humanos.
De forma simples e simplificada, abordo quatro elementos de reflexão, sobretudo para as lideranças e gestão de topo.
Em primeiro lugar, o trabalho remoto, não é algo que se pode fazer simplesmente, ou seja, uma abordagem de mais “benefício” ( “perks”) adicional e que se atira para cima de todos os outros. Se se quiser que seja bem-sucedido, tem de ser intencionalmente implementado. É preciso investir na liderança, como por exemplo, ter a função de Diretor de Trabalho à Distância e investir em novas ferramentas e fluxos de trabalho de colaboração e cooperação. Se a sua empresa quer ser ágil e competitiva, já deveria ter começado a descobrir planos flexíveis de trabalho, em função da localização dos seus colaboradores, vidas familiares e responsabilidades dentro da organização.
Em segundo lugar, há (ainda) uma imensa “desconexão” entre o que as lideranças e os colaboradores veem como trabalho remoto. A verdade é que as ditas lideranças tradicionais, questionam-se sobre o porquê de os trabalhadores não quererem estar no escritório ou voltar? Pensam que a única forma de liderarem e gerirem o seu negócio é tendo pessoas na proximidade, fisicamente no escritório. As lideranças de futuro e os bons gestores estão a perceber e reconhecer que precisam de novos conjuntos de competências e muitos já tentam adquiri-las e cultivá-las. Do lado dos colaboradores, estes são maioritariamente conhecedores das formas como a gestão à distância é difícil e é preciso paciência e tolerância para a gerir, mas a grande parte do problema é que os colaboradores que estão a ser promovidos a cargos de liderança não têm quaisquer competências de gestão, o que só é exacerbado quando a tarefa se move para “online”.
Em terceiro lugar, e como consequência das duas anteriores, é preciso cultivar novas competências ao nível da gestão de carreiras e avaliação de desempenho e promoções. No trabalho remoto, há uma (aparente) redução da visibilidade da organização sobre o que os colaboradores fazem. O mito de que se não formos vistos pelos “chefes” todos os dias no escritório, supostamente a “vestir a camisola”, as chefias têm mais dificuldade em perceberem o seu valor. Mas não será mais um mito criado pela ausência de uma reflexão séria e honesta sobre planos de carreira, avaliações de desempenho e promoções? Pela ausência de uma cultura assente no desenvolvimento pessoal e profissional dos colaboradores?
Qualquer organização que já tenha uma política de gestão de talento, consistente e clara para todos, implementada, apenas tem de evoluir de forma igualmente inteligente para políticas de gestão de talento em que o trabalho à distância será o principal mote. Vários estudos têm vindo a ser feitos a este nível e destaco um realizado pela empresa Remote Portugal, que refere num estudo recente de 2021 que, no que respeita ao que piorou no trabalho remoto dos inquiridos, 28% referem que aumentaram o número de horas trabalhadas e 24% perderam a visibilidade do trabalho perante a gestão.
Estes dados são notórios de que as lideranças têm de abordar a gestão de carreiras e desempenho adaptado ao futuro do trabalho remoto. O estudo acrescenta ainda que, 78% dos inquiridos referem que não tiveram qualquer formação como se trabalha remotamente e sobre as respetivas ferramentas. 60% sente que não teve quaisquer oportunidades de progressão na carreira desde que trabalha remotamente. Claramente, as lideranças de futuro têm aqui a grande oportunidade para construir “novos” modelos de gestão dos seus talentos atuais e futuro. Aqui residirá a diferença entre lideranças que sabem captar os melhores e reter a excelência e apenas os que vão sobrevivendo e lamentando-se que não conseguem nem recrutar, nem reter.
Por fim, e em quarto lugar, a questão da cultura empresarial. Este é um tema de elevada pertinência, talvez a que mais tem preocupado as lideranças atualmente. A grande questão que as lideranças e a gestão se devem questionar nesta fase é: que cultura caracteriza a organização antes da situação pandémica? De proximidade? De cooperação? De trabalho em equipa? De equilíbrio familiar? De aprendizagem contínua? De transparência? De meritocracia? Como operacionalizada e monitorizada? O que os colaboradores dizem sobre a mesma?
Uma organização com uma cultura forte, própria, enraizada, bem definida e implementada de forma visível e clara para todos, não abala com a ausência física do escritório. Curiosamente, o mesmo estudo revela isso mesmo, ainda que haja trabalho a fazer nesta área. 60% dos inquiridos referiram “sinto-me envolvido em todas as atividades da empresa, mesmo estando a trabalhar remotamente”, 77% referiram “sinto-me parte da equipa, mesmo estando a trabalhar remotamente” e 68% “sinto-me integrado na cultura da empresa, mesmo sendo trabalhador remoto”.
Os dados são animadores e curiosos, mas não se pode ficar por aqui. Eles são o ponto de partida para lideranças que se querem ágeis e competitivas e que assim se querem manter, devem envolver e ouvir os seus colaboradores em discussões sobre o futuro modelo de trabalho para a organização, investindo em novas competências, novas funções, novos modelos de progressão de carreira e promoções, captação e retenção de talento futuro, que tão precioso será neste século. Caso contrário, está-se a pedir o fracasso.