Entrevista/ “Todos temos um cérebro e por isso todos temos de cuidar dele”

“Criar um negócio traz sempre desafios associados, que são exponenciados quando falamos de uma equipa sem experiência prévia na área comercial, marketing, comunicação, dado o background de engenharia”, explica Rita Maçorano, cofundadora da Nevaro, start-up que foi criada em plena pandemia e que tem como objetivo promover a saúde mental através de apps.
A Nevaro, é uma start-up portuguesa que nasceu em 2020 e que pretende promover a saúde mental através de diferentes aplicações que envolvem tecnologia e ferramentas preventivas. Atua junto de diferentes públicos, com destaque para pessoas de risco ou em situações de vulnerabilidade, tais como colaboradores de empresas com altos níveis de burnout.
Em entrevista ao Link to Leaders, Rita Maçorano, cofundadora e CEO da Nevaro, diz que “constituímos a empresa em plena pandemia, pelas necessidades que vimos surgir com as mudanças a que todos nós fomos sujeitos, literalmente do dia para a noite. Ao longo destes anos de atividade, podemos dizer que assistimos a uma grande mudança no que toca ao tema da saúde mental, principalmente na abertura a trazer o tema para cima da mesa”. Mas, defende, que “o falar-se mais sobre saúde mental não significa que o estigma tenha desaparecido”.
Como surgiu a ideia de criar a Nevaro?
A equipa fundadora da Nevaro é composta por duas engenheiras biomédicas e, na altura, o seu professor de Neurociências. Tudo começou como um projeto, onde o desafio era conciliar tecnologias emergentes para solucionar um problema no ecossistema da saúde. O cérebro e o comportamento humano sempre nos fascinaram, pelo que a área da saúde mental foi automaticamente a nossa escolha. A primeira solução que desenvolvemos focou-se em melhorar o tratamento de doenças fóbicas, através de uma abordagem digital e personalizada à terapia por exposição: jogos sérios de realidade virtual/aumentada que em tempo real, com a nossa tecnologia de biofeedback, quantificavam o nível de ansiedade que o utilizador experiencia e ajustam o estímulo da fobia para que a exposição seja feita de forma gradual e controlada pela capacidade do doente de enfrentar o mesmo.
Provámos uma eficácia cinco vezes mais rápida quando comparando os doentes que utilizaram a nossa solução versus os que seguiram apenas com as consultas de psiquiatria habituais. Hoje aplicamos a mesma tecnologia de quantificação do estado de ansiedade e biofeedback à prevenção, nomeadamente de burnourt, mantendo as raízes da gamificação, enquanto mecanismo de engagement para com o utilizador, mas, claro, com outra imagem.
“(…) o falar-se mais sobre saúde mental não significa que o estigma tenha desaparecido, em muitos dos casos já há sim esse reconhecimento de que é um tema importante, obrigatório e que veio para ficar (…)”.
Que balanço faz destes 4 anos de atividade?
Constituímos a empresa em plena pandemia, pelas necessidades que vimos surgir com as mudanças a que todos nós fomos sujeitos, literalmente do dia para a noite. Ao longo destes anos de atividade, podemos dizer que assistimos a uma grande mudança no que toca ao tema da saúde mental, principalmente na abertura a trazer o tema para cima da mesa. No entanto, o falar-se mais sobre saúde mental não significa que o estigma tenha desaparecido, em muitos dos casos já há sim esse reconhecimento de que é um tema importante, obrigatório e que veio para ficar, mas ainda muitas vezes abordado como algo que acontece a “alguém que conheço”, “com quem trabalho”, ”com quem em tempos privei”, não “a mim”. Isto reflete-se, claro, no nosso negócio, mas também molda a nossa solução para colmatar as dificuldades que surjam, visto que permitimos uma gestão da saúde mental privada e personalizada às necessidades de cada um. É um work in progress, mas cá estaremos para continuar a impulsionar a mudança!
Como funciona a app e quem vos procura?
A nossa app HOLI by nevaro destina-se a empresas e funciona como um personal trainer da saúde mental de cada colaborador e à distância de um clique. Uma jornada gamificada estilo candy-crush, permite manter o utilizador motivado e divertido enquanto trabalha em questões centrais para o seu bem-estar. Por outro lado, permitimos à empresa, nomeadamente aos departamentos de Recursos Humanos e chefias, ter acesso a relatórios de métricas de saúde mental das equipas, devidamente anonimizados e agregados de forma a proteger sempre a identidade dos colaboradores. Assim, enquanto fornecemos uma ferramenta que ajuda à gestão da saúde mental diária e ao rastreio de possíveis necessidades de apoio especializado, fornecemos também informação relevante para que as empresas possam adaptar e melhorar os apoios e benefícios que disponibilizam aos seus colaboradores.
“O formato habitual (B2B) em que trabalhamos é criar um workspace específico para cada empresa, permitindo customizações adicionais”.
A app destina-se apenas a empresas? Quanto teremos uma versão para uso individual? Está nos planos?
A app HOLI by nevaro para já está apenas disponível para empresas. O formato habitual (B2B) em que trabalhamos é criar um workspace específico para cada empresa, permitindo customizações adicionais. Temos uma vertente mais geral (B2B2C) como benefício fornecido pela empresa ao colaborador, a título individual, mas o seu acesso está dependente de estarem associados à empresa em questão.
Já em 2025 lançámos uma versão da aplicação diretamente para o consumidor, em parceria com a Bárbara Taborda (consultora de bem-estar e felicidade, conhecida como #wellfluencer) intitulada Slow Holi. Esta versão combina as nossas ferramentas de gestão, personalização e quantificação do estado de saúde mental com conteúdos exclusivos da Bárbara (aulas de yoga, masterclasses, meditações e receitas!). Convidamos todos a juntarem-se a esta nossa comunidade!
Quais as empresas que já utilizam a app da Nevaro?
A app HOLI by nevaro está disponível em várias empresas, nomeadamente empresas de grande dimensão, como a Sonae MC, a Altice Portugal, ou Abreu Advogados.
Quais foram os momentos mais desafiantes?
Criar um negócio traz sempre desafios associados, que são exponenciados quando falamos de uma equipa sem experiência prévia na área comercial, marketing, comunicação, dado o background de engenharia. Para além do valioso “learn by doing”, fomos adquirindo formação valiosa ao longo dos anos junto de entidades académicas e programas/incubadoras de start-ups pelo mundo fora. Tendo de destacar um momento como o mais desafiante, salientaria a pandemia que, em março 2020, nos confina a todos em casa: a nossa abordagem era uma tecnologia utilizada em ambiente clínico, que exige contacto em pessoa com o paciente e que, numa fase de testes/validação/ preparação para ensaios clínicos foi forçada a parar. Aquilo que havíamos construído até então já não poderia ser posto em prática, a prioridade dos hospitais e sistemas de saúde era uma só e sem fim à vista.
Perante este desafio tínhamos duas opções: ou colocar tudo em pausa para regressar quando fosse possível ou absorver as necessidades que o mercado estava a mostrar e reestruturar o que temos, de forma a aportar valor para o novo status-quo que se estava a gerar. Agora com a distância podemos concluir que estávamos perante uma faca de dois gumes. Encarámos um possível fim, antes sequer de efetivamente transformar o projeto universitário em empresa, no entanto optámos pela segunda via e ao pivotar, acabámos por encontrar o um product-market fit ainda maior.
“À nossa formação especializada em engenharia biomédica e neurociências faltava o conhecimento das áreas complementares necessárias à materialização de um projeto empreendedor”.
A start-up nasceu no Centro de Inovação da Ciências ULisboa, o Tec Labs. Qual foi o contributo do Tec Labs para o vosso sucesso?
À nossa formação especializada em engenharia biomédica e neurociências faltava o conhecimento das áreas complementares necessárias à materialização de um projeto empreendedor. O Tec Labs foi assim o nosso principal aliado nesta fase, quer com mentorias e formação nessas respetivas áreas quer com o primeiro prémio financeiro que recebemos, impulsionando assim a nossa ambição e capacidade de dar vida à nossa ideia tecnologia.
Que dicas daria aos portugueses cuidarem da sua saúde mental?
Todos temos um cérebro e por isso todos temos de cuidar dele. Há um número muito preocupante que comento sempre nas minhas apresentações: o intervalo médio entre o aparecimento dos primeiros sintomas e a procura de ajuda, em média, ronda os 11 anos. É evidente o perigo deste largo período e todas as potenciais consequências do mesmo para o agravamento de qualquer condição médica. Imaginem partir uma perna, sentir dores e esperar 11 anos para ir ao médico tratá-la.
Assim, como dizem tanto o velho ditado como o HOLI, o personal trainer da saúde mental, mais vale prevenir que remediar. Agir antes de termos os problemas já desenvolvidos. Não só a nível emocional, mas de forma holística, dando a atenção necessária a todas as áreas que fazem de nós o que somos: a emocional, mas também a social, física, ambiental, ocupacional, cognitiva, financeira e comportamental. Acho que se pode dizer que o meu conselho passa por usarem o HOLI.
“Estamos neste momento a lançar uma versão diretamente para o consumidor e estamos muito expectantes para perceber como será a adesão a este novo formato”.
Projetos para o futuro da Nevaro?
Estamos neste momento a lançar uma versão diretamente para o consumidor e estamos muito expectantes para perceber como será a adesão a este novo formato. Lançámos também recentemente a app HOLI na primeira organização fora de Portugal, pelo que os nossos esforços de expansão são a nossa prioridade atual.
Um conselho que daria a um jovem empreendedor que quer lançar um projeto?
Recentemente, até isso partilhei com a audiência no evento “Empreender no feminino: a realidade em Portugal”, no âmbito da iniciativa Disruptive Leaders 360 da AESE Business School, e parece-me ser a resposta mais correta a esta questão. Num jantar de Natal da nossa incubadora, foram atribuídos prémios que de forma engraçada caracterizavam o espírito empreendedor dos fundadores presentes e o meu prémio foi “vai a todas” – por aproveitar todas as oportunidades que iam surgindo por nos colocar no mapa, por arregaçar as mangas e ir/enfrentar os desafios com que nos atravessávamos. Acredito que abrir a porta às oportunidades passa por showing up, e só indo e arriscando as conseguimos agarrar. Portanto diria que o conselho é: vai!
Respostas rápidas:
Maior risco: Assinar um contrato com o cliente sem ter o produto ainda terminado – correu tudo bem no final.
Maior erro: Querer fazer acontecer tudo ao mesmo tempo (muitas ideias a fervilhar, muitas features ótimas para o produto), mas no final o nosso foco deve ser o que realmente resolve a “dor” do nosso cliente/utilizador.
Maior lição: Escolher bem a equipa fundadora com quem se entra nesta jornada – é importante ter os valores alinhados, caso contrário nos momentos-chave as coisas podem complicar-se.
Maior conquista: Ver a nossa ideia ganhar vida e ter impacto positivo nos nossos utilizadores, não tem preço.