Entrevista/ “Temos que continuar a trabalhar para aumentar o número de raparigas com curiosidade pelas TI”

“Sou uma verdadeira crente de que nunca podemos deixar de aprender”, afirma a Head of Enterprise da Amazon Web Services Iberia. Engenheira industrial de formação, Suzana Curic é o exemplo de uma mulher que abraçou uma carreira tradicionalmente associada aos homens.
A sueca Suzana Curic trabalha há mais de 20 anos no setor tecnológico. Juntou-se à Amazon Web Services (AWS) em 2017 para ajudar empresas nativas digitais e ISV a tornarem-se mais ágeis, reduzir custos tecnológicos e acelerar a inovação através da computação em nuvem. Formada em engenharia industrial, área tradicionalmente associada ao sexo masculino, tem apoiado ao longo da sua carreira a inserção de mulheres nesta área, através da promoção de carreiras STEM [Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática] e de programas como o AWS Educate e o AWS Academy.
Atualmente, lidera a área de Enterprise da Amazon Web Services em Portugal e Espanha onde mantém um papel muito ativo no que respeita à diversidade e inclusão no mundo dos negócios.
Quem é a Suzana Curic?
A Suzana Curic, nasceu e cresceu na Suécia, tem raízes croatas, vive desde 2000 em Espanha, é mãe de duas meninas e formou-se em Engenharia Industrial na Linköping Technical University, na Suécia. Pratica desporto, corre, faz natação e anda de bicicleta quando tem tempo. Tenta sempre encaixar na sua agenda algum tempo para fazer voluntariado em ONGs, como a Help Rising Stars.
Tendo trabalhado 20 anos nas indústrias das TI, Telecomunicações e Media, juntei-me à Amazon Web Services em 2017 e hoje lidero uma equipa incrível que ajuda grandes empresas a inovar, a manterem-se relevantes nos seus mercados e continuarem a crescer graças à cloud. Ocupo o cargo de Head of Enterprise na AWS Iberia, que cobre Espanha e Portugal.
Como foi a sua adaptação ao mundo da tecnologia, ainda predominantemente dominado pelo sexo masculino?
Desde muito cedo que me revejo nas minorias, enquanto criança, na sala de aula, eramos apenas duas raparigas, fiz parte duma segunda geração de imigrantes e fui estudante, mulher, numa carreira técnica. Tudo isto me fez desenvolver certas capacidades. Por exemplo, sair sempre da minha zona de conforto, desenvolver a capacidade de ouvir e observar os outros de forma a aprender com eles, e ter a coragem de saber fazer ouvir a minha voz apesar das diferenças que pudessem existir.
“As mulheres estão a ganhar cada vez mais visibilidade e representação na indústria da tecnologia (…)”.
Considera fácil para uma mulher vingar nesta industria?
Julgo que atualmente estamos num bom caminho, e as mulheres antes de nós fizeram um trabalho extraordinário neste setor da tecnologia, com trabalho árduo e muito esforço. As mulheres estão a ganhar cada vez mais visibilidade e representação na indústria da tecnologia, a todos os níveis.
Adicionalmente, a perceção de talento também está a mudar dentro das empresas e a diversidade e inclusão têm provado ser elementos poderosos para qualquer empresa e organização. No entanto ainda há um longo caminho pela frente e temos que continuar a trabalhar para aumentar o número de raparigas com curiosidade pelas TI e o número de mulheres em certos setores de negócio, como o tecnológico.
Como é que a AWS promove a sua estratégia de inclusão?
Na Amazon e na Amazon Web Services (AWS) defendemos que as empresas com uma força laboral mais diversificada têm melhores resultados. Acreditamos que essa diversidade dá às organizações uma melhor perceção e entendimento das necessidades dos consumidores e é um fator chave para desbloquear ideias e acelerar os processos de inovação. Quando falamos de diversidade, deveríamos não só falar de género ou raça, mas também de etnicidade, idade, capacidade mental e física, orientação sexual, crenças religiosas, cultura, língua e educação, assim como experiência profissional e pessoal.
Externamente, participamos numa série de projetos que promovem as carreiras na tecnologia, especialmente com foco nas raparigas e jovens. Por exemplo, participamos em eventos como “Girls Who Code” ou “Girls in Tech”, e temos as nossas próprias iniciativas como a “AWS Girls Tech Day”.
Acreditamos igualmente que é importante que as raparigas percebam, desde cedo, que podem ter acesso a carreiras na tecnologia e, por essa razão temos o programa “AWS GetIT”. Esta iniciativa é desenhada para introduzir a jovens estudantes, especialmente raparigas, a computação cloud e competências digitais, inspirando-os a considerar um futuro numa carreira tecnológica.
“Equipas diversas ajudam-nos a pensar em grande, fora da caixa e de forma diferenciada (…)”.
Quais são os planos da AWS para promover a retenção de talento feminino?
A missão da AWS é ser, de todas, a empresa mais focada no consumidor, e esta missão é fulcral no nosso trabalho de inclusão, diversidade e equidade. Equipas diversas ajudam-nos a pensar em grande, fora da caixa e de forma diferenciada sobre os produtos e serviços que desenvolvemos para os clientes e para o nosso trabalho no dia a dia – esta lógica é reforçada por “16 Princípios de Liderança”, que relembram aos membros das equipas que devem ter perspetivas diversas, aprender e serem curiosos e ganhar a confiança dos que nos rodeiam.
Na AWS estamos sempre a aprender e a inovar – e os nossos esforços na inclusão, diversidade e equidade não são diferentes. Equipas diversas, inclusivas e equitativas têm um impacto positivo nos nossos produtos e serviços, e ajudam-nos a servir melhor os clientes. Sabemos que ainda há trabalho a fazer e temos vários programas desenhados para ajudar e melhorar esse caminho.
Que iniciativas desenvolvem?
Internamente, estabelecemos objetivos relacionados com a diversidade e inclusão, rastreamos a representação feminina e a falta de representação de comunidades porque sabemos que a diversidade nos ajuda a contruir melhores equipas, que representam melhor a nossa base global de clientes. Temos feito progressos ano após ano, e iremos continuar a esforçar-nos por uma maior representatividade em toda a nossa empresa.
Paralelamente, temos formação interna sobre os tópicos da diversidade e inclusão para que os colaboradores percebam a sua importância e se sintam parte do processo de mudança cultural. Por exemplo, na Amazon temos 13 grupos de partilha de interesses, no qual estão inseridos 90 mil colaboradores por todo o mundo, que falam sobre as suas experiências e vivencias, com um foco especial na diversidade. Estas partilhas têm um papel muito importante na construção interna de redes que criam a nossa comunidade, unidades de mentoria de negócio Amazon e projetos de liderança. Estes grupos, como o “Amazon Women Engineers”, o “People with disabilities in Amazon”, ou o “Amazon group for the LGTB collective”, são formados por colaboradores que pertencem a esses grupos, mas também por aqueles que querem apoiar essas comunidades e procuram sinergias.
Qual é o segredo para o sucesso?
Penso que para alcançar o sucesso é muito importante aprender, todos os dias. Com curiosidade, esforço e dedicação não há limites. Trabalhar tanto no percurso profissional como no pessoal e conhecermo-nos a nós próprios, atrevendo-nos sempre a ser autênticos.
Qual é a decisão profissional de mais se orgulha?
Deixar, ao fim de 19 anos, um trabalho estável para me juntar a uma empresa tecnológica como a AWS. Isto, sem dúvida, que foi a decisão da qual mais me orgulho. Ter a oportunidade de fazer parte desta jornada de incorporação da cloud nos mercados português e espanhol, apoiando-os para que se tornem mais inovadores, é o que me faz gostar tanto do meu trabalho.
” (….) tem havido escassez de bons exemplos femininos nas áreas das STEM (…) que possam guiar e inspirar as gerações mais jovens”.
O que falta às mulheres portuguesas para que tenham uma maior representatividade nas posições de liderança?
Julgo que o maior obstáculo é o fator cultural, como em muitos outros países. Tradicionalmente existem vários estereótipos bastante vincados que afetam os jovens, raparigas e rapazes, desde muito cedo, que marcam as suas vidas, desde os brinquedos que lhes são dados, até aos estudos que eles escolhem seguir.
Ao mesmo tempo tem havido escassez de bons exemplos femininos nas áreas das STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemáticas) que possam guiar e inspirar as gerações mais jovens. Felizmente, existem mudanças importantes a acontecer atualmente na nossa sociedade e a presença feminina nas áreas da Engenharias e Ciências está a aumentar.
Quais são as suas maiores referências a nível de liderança feminina? Mulheres que tenham feito a diferença e que atenham marcado?
Existem muitas mulheres que influenciaram a minha carreira pela positiva. E não só as “grandes referências femininas”, mas também as minhas colegas, com as quais já trabalhei e trabalho atualmente, e que todos os dias me marcam pelos seus exemplos de esforço e trabalho. Gostaria de mencionar uma das minhas professoras na escola primária, que despertou o meu interesse pela tecnologia, e que, anos depois, me fez seguir um curso superior ligado a essa área. A minha professora Ulla, de matemática e física. Ela fez com que eu visse a matemática de forma divertida e fácil. Não percebi isso na altura, mas, para mim, numa sala de aula com 20 alunos, mas apenas duas meninas, ela foi um modelo.
O que ainda falta fazer à Suzana Curic executiva e à Suzana Curic mulher?
A vertente executiva e a versão mulher caminham de mãos dadas e aprendo em ambas, constantemente. Sou uma verdadeira crente de que nunca podemos deixar de aprender. No trabalho continuo a investir em formas de liderar a minha equipa da melhor maneira possível.
Ultimamente tenho investido bastante tempo em aprender como gerir níveis de energia e agilidade emocional de forma mais eficiente. No campo pessoal procuro estabelecer tempo para mim e para a minha família, onde tento estar cada vez mais presente.
Qual o conselho que deixaria a uma jovem executiva que ambiciona alcançar uma posição de liderança?
Dir-lhe-ia que acredite nela própria, que não tenha medo de expressar a sua opinião ou de gerir a sua carreira, e, por último, mas não menos importante, que procure um ambiente de trabalho onde possa dar o melhor de si. Também lhe daria outra dica: é bastante importante rodear-se de uma rede de confiança, amigos e família, que estejam sempre lá. Pessoas que possam dar-nos luz e orientação quando nos sentimos mais apagados e temos dúvidas sobre o caminho seguir, o que fazer ou quando simplesmente precisamos de uma mão amiga.
Respostas rápidas:
Maior risco: Sair da minha zona de conforto e integrar uma nova equipa, depois de 19 anos num emprego estável.
Maior erro: Cometo erros constantemente, mas encaro-os sempre como oportunidades de aprendizagem.
Maior lição: Investir em inteligência emocional o mais cedo possível na vida. A forma como pensamos afeta a forma como nos sentimos. E como nos sentimos afeta a forma como pensamos.
Maior conquista: Criar duas filhas fantásticas.