Entrevista/ “A maioria das pessoas procura a felicidade nos sítios errados”

Guru da felicidade, antigo professor de Psicologia Positiva e de Psicologia de Liderança em Harvard e escritor best-seller. O Link To Leaders falou com Tal Ben-Shahar, o israelita que promete mudar a sua visão sobre a felicidade e a liderança.
Durante alguns anos, Tal Ben-Shahar foi o professor de uma das cadeiras mais concorridas da Universidade de Harvard: a Psicologia Positiva. Foi a partir daqui que se tornou mundialmente famoso e lançou cinco livros traduzidos para mais de 20 línguas.
O Link to Leaders antecipou a vinda de Ben-Shahar a Lisboa, onde, no próximo dia 20 de março, vai ser orador da 10.ª edição da Happy Conference. Nesta entrevista, o homem que é frequentemente descrito como tendo o segredo para a felicidade falou-nos, entre vários temas, da ideia errada que as pessoas têm do stress, da crise de liderança, de depressões e, claro, das melhores dicas para sermos felizes.
Afirma que circunstâncias externas raramente afetam o nível de felicidade, o que significa que, se quisermos encontrar a felicidade, devemos procurá-la dentro de nós mesmos. Diria que a maioria das pessoas tenta encontrar a felicidade no sítio errado?
Não considero que as circunstâncias externas não afetem a felicidade. Elas afetam e muitas vezes afetam muito. Por exemplo, uma circunstância externa das pessoas que vivem numa pobreza extrema ou numa zona de guerra, afeta muito os seus níveis de felicidade. No entanto, a maioria das pessoas pode encontrar a felicidade nas mais variadas situações. A felicidade depende, na maioria das vezes, do nosso estado de espírito, não do nosso status ou do estado da nossa conta bancária. E sim, a maioria das pessoas procura a felicidade nos sítios errados – no sucesso, no prestígio e na riqueza.
De acordo com a sua experiência, quais são os maiores fatores que bloqueiam as pessoas de serem felizes?
O principal fator é a falsa crença de que o sucesso leva à felicidade. As pessoas renunciam às verdadeiras fontes de felicidade – como relacionamentos e apreciação – pela ilusão de que o sucesso lhes garante felicidade eterna.
“Milhares de amigos numa rede social não substituem um melhor amigo. Interações cara a cara, sem a interferência da tecnologia, são importantes.”
Nunca vivemos tanto, nunca fomos tão ricos ou livres, mas a depressão continua a aumentar entre pessoas de todas as faixas etárias. Porque é que isso acontece?
Os relacionamentos são críticos para a felicidade e são como um antídoto para a depressão. Há dois aspetos específicos que são importantes para a nossa abordagem às relações. Em primeiro lugar, é importante priorizar relações. Hoje em dia, as pessoas dão prioridade ao trabalho e ao dinheiro e as relações ficam para trás. Ter tempo para estar com as pessoas com quem nos preocupamos e que se preocupam connosco é fundamental para a felicidade. Em segundo, a relação tem de ser real. Milhares de amigos numa rede social não substituem um melhor amigo. Interações cara a cara, sem a interferência da tecnologia, são importantes.
Em Portugal, a prescrição de antidepressivos subiu 100% nos últimos quatro anos. É este o caminho para as pessoas se sentirem melhor com elas próprias ou mesmo para tratar a depressão?
Por vezes, os antidepressivos ajudam e salvam vidas. Em simultâneo, há alturas em que os antidepressivos não são necessários, porque existem outras coisas que nos podem ajudar a levar a uma vida mais feliz e gratificante. Deixo aqui alguns caminhos para atingir a felicidade:
Lição 1: Dê a si próprio a permissão de ser humano. Quando aceitamos as emoções – medo, tristeza ou ansiedade – como algo natural, é mais provável que as superemos. Não aceitar as nossas emoções, positivas ou negativas, leva-nos à frustração e à infelicidade. Somos uma cultura obcecada pelo prazer e acreditamos que o marco para uma vida digna é a ausência de desconforto; e se sentirmos dor é indício de que algo está errado connosco. De facto, alguma coisa está errada se por vezes não sentirmos tristeza e ansiedade, pois são emoções humanas. O paradoxo é que, quando aceitamos os nossos sentimentos – quando nos damos a permissão de ser humanos e sentir emoções dolorosas -, é mais provável que estejamos disponíveis para emoções positivas.
Lição 2: A felicidade está na interseção entre o prazer e o significado. Seja no trabalho ou em casa, o objetivo passa por envolver-se em atividades que sejam pessoalmente significativas e agradáveis. Se isto não for viável, assegure-se de ter impulsionadores de felicidade, como momentos ao longo da semana, que lhe proporcionem prazer e significado. Estudos revelam que uma ou duas horas de experiências significativas ou que lhe proporcionem prazer podem afetar a qualidade de um dia ou mesmo de uma semana inteira.
Lição 3: Ter em mente que a felicidade depende, essencialmente, do nosso estado de espírito, não do nosso status ou da nossa conta bancária. Exceto em circunstâncias extremas, o nosso nível de bem-estar é determinado pelo que escolhemos absorver e pela nossa interpretação dos acontecimentos externos. Por exemplo, focamo-nos na parte vazia do copo? Consideramos os fracassos catastróficos ou vemo-los como uma oportunidade de aprendizagem?
Lição 4: Simplifique! Por norma, estamos demasiado ocupados a tentar desenvolver várias atividades em pouco tempo. A quantidade influencia a qualidade e comprometemos a nossa felicidade ao tentar fazer muito. Saber dizer “não” aos outros, é sinónimo de dizer “sim” a nós próprios.
Lição 5: Lembre-se da conexão mente-corpo. O que nós fazemos – ou não – com o nosso corpo influencia a mente. Fazer exercício regularmente, dormir bem e hábitos alimentares saudáveis conduzem à saúde física e mental.
Lição 6: Agradeça sempre que possível. Muitas vezes vemos a vida como garantida. Aprenda a apreciar e a saborear as coisas maravilhosas: das pessoas à comida, da natureza a um sorriso;
Lição 7: Priorize relações. A principal previsão de felicidade é o tempo que passamos com as pessoas de quem gostamos e que se preocupam connosco. A fonte mais importante da felicidade pode ser a pessoa que está sentada ao nosso lado. Aprecie e saboreie o tempo que passa junto de alguém.
“O problema, no mundo de hoje, não é o stress, mas sim a falta de recuperação.”
O stress não escapa à maioria de nós. Pode partilhar algumas formas para as pessoas poderem reduzi-lo?
Há cada vez mais pessoas a queixarem-se dos crescentes níveis de stress. O que não se compreende é que, atualmente, o stress não é o problema e até pode ser algo positivo. Vejamos por este prisma: quando se trabalha num ginásio, exercita-se os músculos, ficamos mais fortes, damos tempo aos nossos músculos para recuperar, entre séries e treinos. Porém, o stress fora do ginásio pode tornar-nos psicologicamente mais fortes, se tivermos tempo de recuperação. O problema, no mundo de hoje, não é o stress, mas sim a falta de recuperação.
Como é que alguém se pode tornar um grande líder num mundo em constante mudança?
Quando os líderes implementam certas práticas nas suas vidas, atinge-se altos níveis de bem-estar e desempenho, para si e para os seus colaboradores. Podem tornar-se o que se chama de “10x Leaders”. Ficam aqui cinco das suas principais características:
Força. Concentrar-se nos seus pontos fortes produz melhor desempenho e satisfação no trabalho, em oposição a concentrar-se nas suas fraquezas. Isto não significa que se ignoram as fraquezas que, por norma, necessitam de ser geridas. Para cumprir o nosso potencial é necessário gastarmos mais tempo com os nossos pontos fortes.
Saúde. Concentrar-se na saúde física – nutrição, exercícios e recuperação suficiente – é essencial para o desempenho máximo e experiências culminantes.
Absorção. Vive-se numa era de distrações e o preço que os indivíduos e as organizações pagam por isto é alto. Estar presente e envolvido em tudo o que fazemos faz diferença entre o melhor e o resto.
Relações. Durante muito tempo as relações no trabalho estavam ligadas a poder e a influência. Atualmente, os líderes das organizações fomentam relações construídas sobre uma vertente positiva e autêntica.
Objetivo. Encontrar um propósito nas experiências do dia a dia é importante para um desempenho contínuo. Sem objetivos, os indivíduos e as organizações perdem força. O objetivo é o combustível que impulsiona o desempenho.
“Quando os líderes criam um clima de segurança psicológica e os membros se sentem à vontade para “falhar”, partilhar e discutir os seus erros, todos os membros da equipa podem aprender e melhorar”.
O que podem fazer os líderes para fomentar a produtividade junto dos millennials?
Primeiro, as organizações podem ajudar os colaboradores a identificarem e a trabalharem os seus pontos fortes. As pessoas que conhecem e utilizam os seus pontos fortes são mais felizes, mais motivadas e mais bem-sucedidas no trabalho.
Segundo, fornecem o que a professora de Harvard, Amy Edmondson, chama de segurança psicológica, que salvaguarda que nenhum membro da equipa seja envergonhado ou punido por falar, por pedir ajuda ou por falhar numa tarefa específica. Quando os líderes criam um clima de segurança psicológica e os membros se sentem à vontade para “falhar”, partilhar e discutir os seus erros, todos os membros da equipa podem aprender e melhorar. Em contrapartida, quando os erros são omitidos, a probabilidade de aprendizagem é menor e a possibilidade de que se repitam os mesmos erros é ainda maior.
Terceiro, encorajam os colaboradores a exercitarem-se continuamente. O exercício físico regular – apenas três sessões de trinta minutos por semana – tem o mesmo resultado que a medicação psiquiátrica mais poderosa. O local de trabalho torna-se um lugar muito mais feliz, um lugar mais criativo e um local menos stressante se os funcionários começarem um regime de exercício físico.
Por fim, encorajam ainda os colaboradores a fazerem várias pausas durante o dia e a recuperarem – quando estão em casa. Estar a trabalhar muito tempo seguido não é útil para o colaborador nem para a organização. Mais não é necessariamente melhor. É importante recarregar as baterias psicológicas. A criatividade e produtividade diminuem quando não há tempo para recuperação ao longo do dia (15 minutos de inatividade a cada uma ou duas horas), semana (pelo menos um dia de folga) e ano (férias reais a cada seis ou doze meses).
O que é que faz quando acorda com os “pés de fora”?
A primeira coisa a fazer quando acordamos com os “pés de fora” é aceitar e não rejeitar os sentimentos. É natural experimentar, de vez em quando, e dar-nos a permissão de sermos humanos. A solução é começar a agir, a concretizar o nosso dia a dia e não refletir sobre o sentimento. Muitas vezes, a ação – nem sempre, mas frequentemente – pode-nos revigorar e transformar uma espiral descendente numa espiral ascendente.