Opinião

Somos, temos ou estamos?

Tiago Rodrigues, economista e gestor

“É interessante entendermos aquilo em que podemos afirmar que “somos” face ao que apenas podemos dizer que “estamos” ou que “temos”. Onde “estamos” ou o que “temos” é, por definição, efémero. Mas aquilo que “somos” é nosso, por natureza, e ninguém nos pode retirar”.

Diz-se que a língua portuguesa é complicada – não sou eu que o digo, mas as pessoas estrangeiras em geral e algumas que conheço em particular, que a tentaram aprender. Tendo a concordar que a língua portuguesa é efetivamente complexa, nomeadamente para falantes de línguas que possuem estruturas gramaticais muito diferentes, como é o caso da inglesa, entre outras.

Entre as características que a tornam complexa, constam, por exemplo: uma ortografia com muitas exceções e regras, incluindo na acentuação; um género gramatical (masculino e feminino) que nem sempre segue uma lógica óbvia; um número significativo de tempos verbais e construções complexas com verbos auxiliares; o uso de um conjunto de pronomes difíceis de dominar; ou a variação gramatical entre o português falado em Portugal e no Brasil.

Não tenho especiais conhecimentos em matéria de línguas e apenas conheço e tenho algum domínio sobre duas línguas: a portuguesa (falada e escrita em Portugal e no Brasil, por conta dos meus cinco anos de vida no país irmão) e a inglesa, parecendo-me evidente que esta é bem mais intuitiva e simples de aprender e de utilizar do que a portuguesa.

A complexidade da língua portuguesa torna-a, todavia, mais rica, no modo como a podemos utilizar para melhor nos comunicarmos.

Com efeito e a título de exemplo, a nossa língua permite distinguir, de forma clara e inequívoca, o “ser” do “estar”, senão vejamos: na língua portuguesa podemos dizer “eu sou bonito” ou “eu estou bonito”, ao passo que na língua inglesa dizemos simplesmente “I am beautiful”. E convenhamos, ser bonito ou estar bonito não é bem a mesma coisa.

Não pretendo que este texto se torne numa lição de línguas – não estaria à altura disso – mas tão só numa simples reflexão a propósito da importância de sabermos entender, em substância, aquilo em que podemos afirmar, taxativamente, que “somos” face ao que apenas podemos dizer que “estamos” (ou que “temos”).

Afirmamos frequentemente, por mera simplificação linguística, que “somos” colaboradores de uma empresa, chefes de um departamento ou diretores de uma organização. Eu mesmo o digo, acho que todos o dizemos. Curiosamente, quando alguém procura uma recolocação profissional, diz que “está” desempregado. Não deixa de ser engraçado como se recorre ao “ser” em algo tendencialmente mais positivo e ao “estar” numa circunstância menos positiva e que se deseja passageira.

Acontece que os empregos, os cargos, as posições de liderança são, por definição, temporárias ou passageiras. Podemos estar mais ou menos tempo nas mesmas, mas elas não nos pertencem, não fazem parte do nosso “ser”, tratando-se apenas de algo que experienciamos.

Claro que ninguém espera que o Primeiro-Ministro passe a vida a dizer que “está na posição de Primeiro-Ministro” ou que o Cristiano Ronaldo afirme que “está na posição de melhor jogador do mundo” (quando lá estava!), aceitando-se que digam, por facilidade de expressão, “eu sou Primeiro-Ministro” ou “eu sou o melhor jogador do mundo”. Mas, de facto, eles não o “são”, na medida em que essa é uma condição volátil e seguramente temporária.

Eu sou homem, sou Pai dos meus filhos e filho dos meus Pais e sou português. Poderia acrescentar que sou humilde, educado, simpático, por vezes impaciente, entre outras coisas (as menos boas guardo-as para mim!), mas mesmo estas características não são perenes, ainda que tenham uma natureza mais estável e menos volátil.

Por outro lado, eu estou casado, estou com um determinado número de anos de vida, estou empregado e ocupo uma determinada posição na organização onde trabalho, mas não “sou” nada disso.

A vida é uma constante lição, ao longo da qual vamos aprendendo que a importância que as pessoas com quem nos vamos cruzando nos dão provém, quase sempre, daquilo que “temos” ou de onde “estamos” e não do que “somos” – exceção feita à família, aos (verdadeiros) amigos e, amiúde, a algumas pessoas que nos apreciam e valorizam pelo que “somos”.

Quando se tem ou se gere muito dinheiro o gestor de conta do banco tende a ser simpático e atencioso, mas experimentem deixar de o ter.

Quando se está numa posição influente e se tem poder de decisão (passível de poder beneficiar ou prejudicar alguém) as mordomias tendem a ser muitas, mas experimentem deixar de o ter.

Onde “estamos” ou o que “temos” é, por definição, efémero. Mas aquilo que “somos” é nosso, por natureza, e ninguém nos pode retirar.

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Tiago Rodrigues

Tiago Rodrigues

Tiago Rodrigues conta com mais de quinze anos em funções de gestão e administração em empresas de energia, infraestrutura, turismo e imobiliário e oito anos como consultor, com experiência de vida, profissional e académica em Portugal, Brasil, Reino Unido e EUA. Concluiu um programa de liderança em Harvard, uma pós-graduação em finanças, uma licenciatura em economia e um bacharelato em contabilidade e administração. Foi palestrante em dezenas de eventos de negócios na Europa e em programas de universidades portuguesas. Gosta... Ler Mais..

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