Opinião

Será que a humanidade se tornará obsoleta?

Carla Gomes, Public Sector Sales Director na Quidgest

A Inteligência Artificial (IA) está a reformular os setores económicos a uma velocidade estonteante. Em finais de 2024, inquéritos mostraram que 30,1% dos adultos nos EUA já tinham recorrido à IA Generativa no trabalho – um número que continua a crescer sem precedentes.

Entretanto, surgem mensalmente novas descobertas, com sistemas de IA a escrever, a programar e até a executar tarefas de diagnóstico complexas, outrora reservadas a especialistas experientes. Muitos receiam que, se a tecnologia evoluir para Inteligência Artificial Geral (IAG) – máquinas capazes de raciocinar ao nível ou além do humano – milhões de empregos possam vir a ser automatizados. Mas será que a humanidade se tornará obsoleta?

A História sugere o contrário. Tecnologias inicialmente vistas como “destruidoras de empregos” acabaram por criar novas oportunidades para quem aprendeu a adaptar-se. De acordo com o relatório “Future of Jobs” 2025 do Fórum Económico Mundial, a economia global poderá registar um crescimento líquido de 7% nos empregos – o equivalente a 78 milhões de novos postos de trabalho – até 2030, mesmo com o desaparecimento de 92 milhões de ocupações atuais. Estas mudanças reforçam a importância vital da requalificação (“reskilling”) e da aprendizagem ao longo da vida. À medida que as tarefas rotineiras são automatizadas, surgem novas funções em áreas como a análise de dados, o desenvolvimento de software potenciado por IA e a colaboração homem-máquina.

Na verdade, a grande mais-valia da humanidade num mundo moldado pela IAG residirá, provavelmente, em qualidades que nenhum algoritmo conseguirá replicar na totalidade: empatia, criatividade, liderança e sentido ético. Estudos como o da McKinsey mostram que, muitas vezes, os trabalhadores estão mais preparados para a IA do que os seus líderes julgam. Contudo, apenas 1% dos executivos empresariais acredita que as suas organizações já atingiram o grau de “maturidade” na adoção de IA, indício de uma grande margem de crescimento1. Em vez de renunciarmos ao nosso potencial em favor da inteligência das máquinas, podemos canalizá-la para nosso proveito. A IA pode servir como parceira que expande o nosso alcance e as nossas competências – o que alguns especialistas apelidam de “superagency” –, permitindo-nos focar no pensamento estratégico, na visão de longo prazo e nos relacionamentos pessoais.

Para não nos tornarmos obsoletos, é imperativo que os trabalhadores atualizem proativamente as suas competências. As empresas devem investir em programas de formação que ensinem não só competências técnicas – como, por exemplo, “prompt engineering”, análise de dados e integração de software – mas também fortaleçam as capacidades humanas que nos tornam insubstituíveis. O trabalho em equipa, a tomada de decisões éticas e a inteligência emocional não podem ser simplesmente automatizados. Governos, instituições de ensino e empresas podem colaborar para oferecer uma requalificação estruturada, combinando o desenvolvimento de novas competências tecnológicas com o aperfeiçoamento de aptidões interpessoais.

Os mais otimistas veem a IAG como uma vaga transformadora, à semelhança do motor a vapor ou da eletricidade – disruptiva, sem dúvida, mas também potenciadora. Libertando-nos de tarefas repetitivas e mundanas, os sistemas de IA oferecem aos seres humanos mais espaço para explorar, criar e resolver problemas. Longe de uma narrativa de desemprego maciço, o futuro do trabalho pode ser um processo de reinvenção com significado. Se permanecermos adaptáveis, encorajarmos políticas que deem apoio às transições profissionais e mantivermos uma supervisão ética sobre as tecnologias avançadas, a era da IA – e, um dia, da IAG – poderá elevar a nossa capacidade humana em vez de a diminuir.

Encontramo-nos perante uma encruzilhada: deixar que o medo das máquinas se sobreponha ao nosso valor, ou investir em estratégias e mentalidades que nos mantenham no centro da inovação. A escolha que fizermos ditará, o futuro do emprego, a forma como trabalhamos e a essência do nosso futuro comum. Comprometamo-nos a criar um local de trabalho onde as pessoas, empoderadas pela IA, solucionem problemas mais vastos, impulsionem novas indústrias e mantenham vivo o toque singular da criatividade humana.


Com uma ampla carreira na indústria da tecnologia e dos serviços de gestão de informação, sobretudo aplicados à Administração Pública, Carla Gomes ocupa atualmente o cargo de Public Sector Sales Director na Quidgest. Aos sólidos conhecimentos que possui em Vendas, Processos de Negócio, Balanced Scorecard e Gestão, junta a paixão pela Sociologia, área em que é licenciada pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

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