Opinião
E o diálogo social?

O novo ano começou com mensagens políticas de alguma forma confusas e pouco auspiciosas. A sucessão de casos encostou o Governo às cordas — apesar do conforto da maioria absoluta — e colocou os responsáveis políticos na defensiva, como se eles tivessem subitamente de dar provas extra de vida e esforço para se mostrarem à altura das circunstâncias.
O cenário é muito difícil, como a CIP alertou em boa hora. O impacto da inflação galopante colheu em cheio as empresas desde meados do ano passado, já o impacto junto das famílias demorou mais algum tempo a fazer-se sentir, mas hoje está à vista de todos.
O aumento dos juros já se reflete na maioria dos créditos, o que se está a revelar muito problemático para milhares de famílias obrigadas a acomodar aumentos violentos de despesa nos seus rendimentos. Sublinhe-se, no entanto, o esforço que as empresas têm feito para, apesar da enorme pressão que as cerca, concretizar aumentos salariais assinaláveis (muito superiores aos observados no setor público) ao longo de 2022, estando previstos novos aumentos este ano e nos seguintes.
Se olharmos para o passado recente, verificamos que os empresários e as empresas fizeram tudo o que estava ao seu alcance para que a Covid-19 não degenerasse em crise económica e em desemprego maciço. Com a economia paralisada por decreto, salvou-se a iniciativa e o instinto de sobrevivência dos privados para manter a atividade económica do país. O esforço das empresas e dos trabalhadores revelou-se essencial para manter a coesão social e para que não enfrentássemos quebras nas cadeias de produção.
Por outro lado, na atual situação do mercado de trabalho tem havido objetivamente uma tendência de aumentos salariais que, a par dos impactos de algumas políticas públicas, tem levado a um crescimento significativo da massa salarial que as empresas pagam — um salto de 20% apenas nos últimos três anos. Uma vez mais, o Estado sai ganhador desta evolução, com mais arrecadação de IRS e de TSU, e as empresas sentem o esmagamento da sua competitividade internacional.
Apesar deste esforço, o rumo escolhido pelo Governo nos últimos meses parece não levar em conta este caminho e até o acordo de concertação social assinado em outubro. As alterações ao Código do Trabalho recentemente adotadas só têm uma leitura possível: em vez de melhorarem o enquadramento da atividade parecem talhadas para dificultar a gestão das empresas e penalizar a competitividade. O Governo avançou com o maior desprezo pelos Parceiros Sociais e pela Concertação Social.
No Parlamento foram aprovadas normas tão inaceitáveis, tais como:
— A proibição do recurso a outsourcing para satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho;
— A impossibilidade de extinção dos créditos laborais por via da remissão abdicativa;
— O reforço dos mecanismos de intervenção da Autoridade para as Condições de Trabalho para conversão dos contratos a termo em contratos sem termo.
A lista de alterações aprovada pelo Parlamento é longa. Não compreendemos este passo unilateral. Para que serve um acordo de legislatura com o pressuposto de um reforço efetivo do papel e alcance da Concertação Social se, ao virar da esquina, vai tudo pelos ares, num caminho de afrontamento e desrespeito pelo Diálogo Social?