Entrevista/ “Se os líderes não souberem trabalhar com IA vão perder os seus cargos”

Miguel Teixeira, gestor NTT DATA*

“Portugal tem a geração mais qualificada de sempre nos primeiros anos de carreira ou a sair das faculdades e esse valor deve ser colocado ao serviço dos grandes desafios do nosso país e do mundo”. A afirmação é de Miguel Teixeira, gestor da NTT DATA, em entrevista ao Link to Leaders.

Gestor da NTT Data, com o cargo de Deputy CEO Iberia, LATAM, International Organizations, Miguel Teixeira entende que “o papel dos gestores é capacitar as suas organizações, as suas equipas para estarem atentas, curiosas e disponíveis para aprender e adotar novas formas de trabalhar”. Com uma carreira internacional de vários anos nas áreas de consultoria e IT, partilhou com o Link to Leaders a sua experiência e visão do mundo corporativo, do papel das lideranças, da transformação tecnológica e ainda do necessário círculo virtuoso entre o S, de social e ao G, de Governance.

Aos jovens deixa um conselho: “a melhor forma de mudar o mundo é pela liderança”. Por isso, refere que “os jovens têm de ambicionar a liderança e as organizações têm de lhes dar espaço para essa evolução”.

Qual o estado da liderança empresarial em Portugal? Como avalia o cenário nacional à luz da sua vasta experiência internacional?

Do meu ponto de vista há boas e más lideranças em qualquer geografia, tal como em tudo na vida. Agora, há ótimos exemplos de lideranças portuguesas, não só em Portugal, mas também com provas dadas no estrangeiro. E mesmo como país temo-nos afirmado como líderes em muitos domínios: na segurança, no combate à pandemia, no equilíbrio das contas públicas, etc. Isto não nos pode alhear do que temos de melhorar, e liderar também é isso, ou seja, não apenas observar os pontos fortes, mas também os que precisam de atenção e de investimento.

O que posso adiantar é que, aproveitando um pouco da cultura japonesa que se vive na NTT DATA, creio que as lideranças ganham muito em tomar decisões que privilegiam o longo prazo. Dando o exemplo da própria NTT DATA, posso adiantar que o plano de crescimento global foi pensado a 40 anos e que estamos naquela que designamos a quarta vaga de desenvolvimento. Como resultado, em 25 anos, a NTT DATA evolui de uma posição pouco relevante para ser a maior empresa de tecnologia do Japão, a 5.ª a nível global em serviços IT e com a ambição de chegar ao top3 mundial.

“(…) os líderes relacionam-se com pessoas e elas têm de ser a prioridade. São elas que fazem uma empresa e acrescentam realmente valor”.

Enquanto gestor, quais os “ingredientes” fundamentais para liderar equipas diferenciadas, em diferentes regiões do mundo?

Creio que os ingredientes fundamentais para uma boa gestão são transversais a qualquer geografia. Como mais importantes diria empatia, coerência e uma liderança de serviço – servant leadership –, que ouve, que analisa, se confronta com diferentes perspetivas e toma decisões. Decisões essas que nunca são perfeitas. Têm sempre um lado mais e menos positivo. Conscientes disso, os líderes têm de tomar as melhores opções para assegurar o desenvolvimento de quem está à sua volta e ao mesmo tempo cumprir os objetivos. Independentemente do local onde estejam, os líderes relacionam-se com pessoas e elas têm de ser a prioridade. São elas que fazem uma empresa e acrescentam realmente valor.

Depois, como cada pessoa é uma pessoa, com circunstâncias, objetivos e ambições distintas, o desafio é conjugar todos esses perfis e interesses em torno de um propósito comum. Isso leva-nos ao desafio da diversidade, que, do meu ponto de vista, enriquece o todo, mas que exige muito mais esforço. É também por isso que na NTT DATA os colaboradores podem ser quem são, não temos estereótipos; abraçamos e valorizamos a diversidade, porque acreditamos que a diferença nos enriquece enquanto companhia.

De que forma o avanço tecnológico transformou o mundo empresarial e, inclusive, os métodos de gestão?

A evolução tecnológica levou a que o IT deixasse de ser apenas um departamento da empresa para passar a ser o alicerce, a estrutura sobre a qual muitos negócios correm. A tecnologia está hoje em dia na base de tudo e isso transformou naturalmente os métodos de gestão. Desde logo, porque as empresas dispõem atualmente de uma imensidão de dados que permitem aos decisores tomar decisões mais fundamentadas, com capacidade preditiva e até recomendações suportadas por IA. Por outro lado, a tecnologia encurtou distâncias e deu origem a novos modelos de trabalho, que não só alargaram as oportunidades das empresas a novas geografias, como trouxeram novos desafios na gestão de pessoas, uma gestão descentralizada, mais suportada na autonomia e confiança e menos no controlo e autoritarismo. Por outro lado, a tecnologia aproximou realidades, contribuiu para a evolução da educação, o que faz com que tenhamos agora talentos mais capazes de aportar valor.

Mas, tudo isto também coloca novos desafios aos gestores, que têm de se manter atualizados, disponíveis para aprender, reaprender e desaprender, para se adaptarem aos novos tempos. Dando um exemplo concreto, estamos a assistir à revolução da IA e posso assegurar que a tecnologia per si não vai tirar o trabalho do líder, mas se os líderes não souberem trabalhar com IA vão perder os seus cargos.

Globalmente, de que é feito um líder português? Que caraterísticas o distinguem dos demais?

É difícil generalizar, pelo que vou apenas partilhar uma opinião pessoal. O nosso sistema educativo tem produzido muitos e bons talentos, mas isso não quer dizer que sejamos muito melhores do que outros gestores ou líderes de países desenvolvidos. No entanto, acho que temos, de facto, algumas características diferenciais, que nos dão vantagem, e se relacionam com a natureza do nosso país. Como não vimos de um país grande e rico, temos uma curiosidade natural muito apurada, que nos leva a explorar com facilidade novas oportunidades. Algo que não acontece tão facilmente com líderes de países mais desenvolvidos, que não têm a humildade de reconhecer que não sabem tudo e que são menos flexíveis.  Agora, não podemos deixar que a humildade se confunda com falta de confiança ou de autoestima.

Tendo em conta a sua experiência em ecossistemas tão complexos em termos de stakeholders e de diversidade cultural como a América Latina e a Europa, quais as maiores lições que aprendeu? O que não se deve fazer e o que, pelo contrário, um gestor tem obrigatoriamente de fazer?

De facto, há diferenças culturais muito vincadas entre os países por onde passei, mas diria que o maior desafio que enfrentei foi o de conseguir conquistar a confiança em determinados países da América Latina, para que as pessoas tivessem o à vontade, a espontaneidade de partilhar uma opinião pessoal. Isto tem muito a ver com o contexto histórico recente desses países, pelo que a solução foi criar um ambiente de confiança. Numa outra perspetiva, também de gestão de relações pessoais, mas numa dimensão mais comercial, gostava de destacar a orientação americana para a experiência do cliente. As empresas colocam de facto os clientes em primeiro lugar e isso fica bem evidente nas pequenas coisas. Tem sido uma lição muito construtiva.

Quais os desafios que atualmente se colocam ao Grupo NTT, no cenário internacional e nacional?

A NTT DATA é uma empresa global, que tem vindo a crescer gradualmente através de aquisições. Como tal, só recentemente unificámos a marca e, há pouco tempo, a operação fora do Japão, numa entidade designada de NTT DATA Inc. Somos um gigante invisível, com um volume de negócios de 30 mil milhões de dólares e 190.000 colaboradores, distribuídos por 50 países.

Como dizia anteriormente, somos a 5.ª maior empresa de serviços IT do mundo e estamos a transformar algumas das maiores organizações globais com tecnologia e um forte compromisso com a sustentabilidade e o bem comum. Algo, que tem muito a ver com a própria cultura japonesa, ou seja, a sustentabilidade está no nosso ADN e é uma prioridade, porque acreditamos que é a coisa certa a fazer, não apenas porque sim.

Voltando à pergunta, diria que o grande desafio da companhia é o da integração. Já somos uma única NTT DATA, mas estamos num processo de evolução e consolidação. Depois, temos também um desafio de notoriedade, para o qual a unificação da marca contribui muito, mas que passa também por mostrar o tanto que fazemos, a inovação que colocamos ao serviço das pessoas e do planeta.

“Vejo a sustentabilidade social, económica e ambiental como um valor invisível, que oferece capacidade de atração de talento (…)”.

Tecnologia, sustentabilidade, lucros, bem-estar comum… como se gere o equilíbrio entre todas estas facetas da vida de uma empresa?

Creio que todas essas dimensões são compatíveis e podem em conjunto contribuir para organizações mais saudáveis, sustentáveis e lucrativas no longo prazo. No fundo, é isso que todos os shareholders procuram. Como tal, a sustentabilidade é um imperativo. Não só porque devemos isso à sociedade e ao planeta, mas porque é isso que garante o futuro das organizações. Vejo a sustentabilidade social, económica e ambiental como um valor invisível, que oferece capacidade de atração de talento – porque as pessoas procuram cada vez mais empresas responsáveis e com propósito –, valor reputacional e uma garantia de futuro.

Hoje, sabemos que a tecnologia pode acelerar a redução da pegada de carbono das organizações, gerar eficiências e alavancar a produtividade, escala e expressão geográfica das empresas. Tudo, condições essenciais para que as organizações cresçam, gerem lucro, ofereçam melhores condições aos seus colaboradores e devolvam uma parte desse valor à sociedade. Mas, para que isso aconteça, é muito importante que, quando falamos de ESG, se dê o devido valor ao S, de social e ao G, de Governance. Sem empresas bem geridas e socialmente responsáveis, nomeadamente, mas não só, com os seus colaboradores, não conseguimos alcançar este círculo virtuoso.

A par a inovação tecnológica que a carateriza, como é que a NTT DATA espera contribuir para fazer a diferença (e porque não criar tendências), no universo da liderança e da gestão de recursos humanos?

Somos uma das grandes empresas mundiais de inovação – investimos cerca de 3,6 mil milhões de dólares em I&D anualmente – criando patentes e soluções de base tecnológica, que transformam o mundo, reinventam indústrias e dão forma a uma sociedade melhor para todos. Fazemo-lo ajudando as organizações a navegar com confiança pelo mundo digital, antecipando os desafios do futuro, com soluções no presente, apoiando ativamente a construção de sociedades sustentáveis, conjugando visão, tecnologia e pessoas, para alcançar o sucesso a longo prazo.

Estamos presentes em mais de 50 países e trabalhamos com 75% das empresas do Fortune Global 100, o que nos permite acelerar a mudança num perímetro muito alargado de geografias, trabalhando em parceria com algumas das maiores empresas do mundo, muitas delas líderes nas suas indústrias, o que nos permite criar um impacto muito significativo. Além disso, somos uma Global Top Employer, valoriza muito os seus colaboradores e também neste domínio queremos ser uma força de mudança do mundo.

“(…) o papel dos gestores é capacitar as suas organizações, as suas equipas para estarem atentas, curiosas e disponíveis para aprender e a adotar novas formas de trabalhar”.

E no seu papel de gestor, que desafios vislumbra num futuro próximo no setor tecnológico, dos dados, da IA…?

O último ano e meio revelou que estamos a assistir a uma nova revolução industrial motivada pela democratização da IA e, em particular da GenAI. O valor dos dados ganhou uma nova dimensão e também os algoritmos têm um novo propósito. O que se percebe é que os ciclos de inovação são mais curtos e também a adoção passa a ser mais rápida. Isto obriga a acelerar os períodos de adaptação, pelo que o papel dos gestores é capacitar as suas organizações, as suas equipas para estarem atentas, curiosas e disponíveis para aprender e a adotar novas formas de trabalhar. Isto envolve não só atitudes pessoais, como também um investimento das empresas nas áreas de reskilling e upskilling. No caso da consultoria, antecipo que estes saltos tecnológicos nos façam evoluir para estruturas com mais líderes e menos managers e que as próprias lideranças sejam mais partilhadas e colaborativas.

Que conselhos gostaria de partilhar com os jovens líderes que estão agora a começar uma carreira no mundo dos negócios, seja como empreendedores ou como responsáveis de projetos de terceiros?

Gostava de sublinhar a ideia de que a melhor forma de mudar o mundo é pela liderança. Portugal tem a geração mais qualificada de sempre nos primeiros anos de carreira ou a sair das faculdades e esse valor deve ser colocado ao serviço dos grandes desafios do nosso país e do mundo. Os jovens têm de ambicionar a liderança e as organizações têm de lhes dar espaço para essa evolução. Mas o talento per si não se pode tomar por garantido, porque tudo muda de forma muito rápida e todos temos de manter a mente aberta, curiosa e disponível para aprender, reaprender e desaprender, para podermos ambicionar uma carreira de longo prazo.

Uma carreira internacional: Sim ou não? Prós e contras?

O meu exemplo é a de que, sim, vale a pena explorar uma carreira internacional, porque nos alarga horizontes, nos permite desenvolver novas competências e alcançar novos patamares, mas esta tem de ser uma decisão muito consciente, porque, como tudo na vida, qualquer decisão tem prós e contras. Ganham-se e perdem-se coisas. O tempo com a família, o tempo com os amigos, abdicam-se de alguns hobbies, enfim. É também por isso que desejo voltar a Portugal, logo que surja a oportunidade, até para devolver ao meu país uma parte do valor que ele me aportou. O importante é que, ao tomar a decisão, seja de abraçar uma carreira internacional, ou não, as pessoas fiquem confortáveis com os ganhos e as perdas dessa iniciativa.

Respostas rápidas
Maior risco: mudar de país
Maior erro: entrar numa start-up familiar
Maior lição: vale sempre a pena apostar no talento com caracter
Maior conquista: 20 mil pessoas que direta ou indiretamente impactei e deixei com alguma coisa melhor

*Deputy CEO Iberia, LATAM, International Organizations

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