Opinião
Saúde mental: formas mais sustentáveis de trabalhar

Escrever sobre saúde mental em ambiente corporativo ainda é visto como um tabu, envolto em estigmas. Existe ainda uma grande dificuldade por parte dos colaboradores em falarem de forma aberta e honesta. Por outro lado, as lideranças estão pouco despertas para o tema, fruto de lideranças assentes no “always on” e “multitasking”, com inúmeras horas de trabalho, a qualquer dia da semana, “tarefeiros-mor” sem qualquer propósito no seu trabalho, nem para si nem para a organização.
Mitos de que a superação e o sucesso está no número de horas trabalhadas, de preferência o mais possível até à exaustão ou invés de um foco consistente, no trabalho de qualidade, criativo e produtivo, com sentido de propósito e de missão para todos.
Este tema começa, contudo, a estar na agenda das lideranças corporativas, infelizmente porque “perdem” pessoas e não percebem porquê, portanto, não tanto pelo problema em si, mas apenas atuando de forma reativa e não pró-ativa sobre o tema.
As questões de saúde mental têm de estar nas agendas corporativas, sob pena, de colapsos de pessoas, equipas, desempenhos e consequente falta de performance das empresas e da sua sustentabilidade a longo prazo.
Existe (ainda) um estigma a este nível dentro das empresas e, por isso, o papel das lideranças é criar e promover o espaço mental para que todos os colaboradores possam falar abertamente do tema, sem medo de represálias ou discriminação.
Neste contexto, deixo aqui algumas ideias ou sugestões, para que as lideranças e as suas equipas operacionais possam traçar estratégias internas para reduzir ou até eliminar este estigma na empresa e promover formas mais sustentáveis de trabalhar para si e para os seus colaboradores. O importante é que seja um movimento iniciado “top-down”, com equipas operacionais empáticas no terreno a fazer acontecer.
Quando as lideranças compreendem e aceitam que eles próprios ou colaboradores possam estar a lidar com desafios de saúde mental e como responder a essas questões, pode fazer toda a diferença nas suas vidas e da própria organização. Isto implica que a liderança tem de estar atenta aos sinais e oferecer a sua mão amiga.
Mas o que significa “estar atento” e promover uma cultura empática, promovendo a redução de estigmas ligados à saúde mental no trabalho?
Deixo seis ideias que podem ajudar a promover uma cultura mais inclusa e aberta no que toca ao tema da saúde mental no trabalho.
#1. Preste atenção às palavras. Quem teve a oportunidade de ler o impactante livro de Dom Miguel Ruiz, sobre os 4 acordos para uma vida mais feliz, conhece a importância do 1º Acordo: “Sê impecável com as tuas palavras. Falar com integridade e respeito. Usar o poder das palavras na direção da verdade e do amor.” Em questões de saúde mental, bem sabemos o quanto as palavras magoam e podem atingir como setas os outros e contribuem para o estigma. Quem nunca ouviu comentários do tipo – “Ele esta semana está bi-polar. De manhã é uma coisa, à tarde é outra!”. Eventualmente nem é por mal, porque pretende “descrever” a instabilidade daquele dia ou semana, mas a verdade é que se a pessoa está de fato a lidar com este desequilíbrio, dificilmente o abordará e apenas sentirá acusação e estigma. Mais do que “catalogar “ou julgar rapidamente, é estar atento aos sinais e criar o espaço e confiança para conversar de forma aberta.
#2. Repensar as “ausências”. Quando estamos doentes, com gripe, normalmente o nosso superior diz “tire uns dias para recuperar”. Mas se a pessoa tiver uma explosão emocional (diria anormal ou pouco habitual nessa pessoa), ou sinais de stress ou ansiedade, alguém lhe diz para tirar um tempo para se reconectar ou concentrar-se na sua saúde mental? Muito provavelmente será interpretado como “o instável” ou “está com os fricotes”. As organizações têm de pensar também nestas situações que são cada vez mais frequentes e pensarem em “ausências extras” para colaboradores que precisem de se reconectar e recompor mentalmente. Quem tiver a ousadia e coragem de o implementar estará muito mais à frente dos seus concorrentes e ganhará pontos como recrutador de novos talentos e retenção dos atuais. Saber que podem contar com as lideranças nestes momentos é fundamental na captação e retenção de talento.
#3. Promover conversas abertas e honestas. Este passo tem que vir inequivocamente “top-down”. É responsabilidade de lideranças fortes, que promovem culturas de trabalho equilibradas e saudáveis, desenvolver, promover e implementar discussões abertas, honestas e sinceras sobre saúde mental dos seus colaboradores e até da sua. As lideranças devem assegurar que é feita de forma segura para todos. Devem as lideranças inclusive dar o “tom”, partilhando as suas experiências e vulnerabilidades. Ser líder não é ser super-herói. Ser líder é servir e proteger quem mais precisa e pode estar mais vulnerável na sua organização. As lideranças devem explicitamente encorajar a todos quando se sentem sobrecarregados ou precisem de ajuda extra nos seus projetos ou missões.
#4. Formar e informar. Note-se que nem todo o stress é mau. Eu gosto de um certo nível de stress, porque ajuda a fazer acontecer e até ser mais criativa sob stress. Muitos gostam de trabalhar sob stress, e isso não é mau, até pode ser muito positivo, numa boa dose. O problema é quando o stress é prolongado e se torna incontrolável, pois levará certamente à exaustão. Leva a desequilíbrios mentais, emocionais e psicológicos com consequências físicas sobre o nosso corpo, prejudicando o nosso dia a dia, chegando em muitos casos a ser incapacitante. Então há que encontrar o equilíbrio. Mas como sabem as lideranças que as suas equipas e pessoas estão nesse equilíbrio?
É aqui que está a importância da definição de uma estratégia de uma comunicação de informação e formação sobre matérias ligada à saúde mental, como, formações sobre “gestão de stress e ansiedade “, “prática de mindfulness” ou “técnicas de relaxamento”, entre outras e informação sobre sinais ou sintomas. Esta informação deve estar disponível na intranet, acessível a todos. Com a ajuda da equipa de RH para fazer a sua divulgação periódica.
#5. Treinar para “1ºs Socorros em Saúde Mental”. Todas as empresas têm o chamado kit 1ºs Socorros e até algumas pessoas com treino em suporte básico de vida. E treinar alguém para estar alerta a sinais de desequilíbrios de saúde mental? Um programa para “detetar” precocemente sinais e diagnosticar que alguém pode estar a lutar com um desafio de saúde mental? Saber ouvir com empatia, sem julgamentos e avaliar riscos mais sérios de saúde.
#6. Dar tempo para “desconectar”. De acordo com o WEF, os trabalhadores em média gastam entre 34 a 48 horas de trabalho semanal. A consultora McKinsey num dos seus recentes estudos, revela que ambientes de trabalho “always-on” de “multitasking” estão a “matar” a produtividade, fazem esmorecer a criatividade e tornam-nos infelizes no trabalho, levando a demissões em massa por todo o mundo. É crucial uma vez mais que as lideranças deem o tom e promovam o “desconectar”. Em bom rigor, culturas de alta performance podem requer o “always-on”, mas as consequências têm-se demonstrado perigosas pelos riscos de saúde mental a que têm levado. Dar o “tom” com regras de desconexão, como “não há e-mails a circular depois das 19h e aos fins de semana”, por exemplo. Até podem existir leis, mas, o tema, não pode avançar pela punição, mas a partir de lideranças construtivas e que servem. Lideranças humanizadas.
A pós-pandemia veio acelerar este tema. As estatísticas apontam para problemas graves ao nível de saúde mental entre jovens adultos e adolescentes na próxima década. O problema agrava-se também em ambientes corporativos a nível mundial, com todas as consequências ao nível da retenção e captação de novos talentos. Que estes seis tópicos possam contribuir para mais abertura e consciência sobre o tema nas empresas e fora delas também.