Entrevista/ “Rethinking” Feedback

Mário Ceitil, presidente da Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas

Diz-nos o senso comum que há coisas com as quais toda a gente concorda; mas o mesmo senso comum também nos diz que nem todas as coisas com as quais toda a gente concorda constituem de facto prática comum. É o que acontece, por exemplo, com as designadas “técnicas de feedback”.

Julgo que toda a gente concordará que o feedback é importante, tanto no plano pessoal, como nos domínios da atividade profissional. Como todas as pessoas têm algumas “áreas cegas” na sua auto perceção, que podem de algum modo limitar o desejável progresso contínuo da sua performance, é importante que possam existir momentos em que, de alguém considerado significativo, “se recebe de volta um parecer que permite reconhecer erros e corrigi-los”. A capacidade de reconhecer, assimilar e incorporar positivamente o feedback recebido é, aliás, uma das principais características de todos quantos prosseguem, nas suas atividades, uma “prática deliberada e inteligente”, que é algo que diferencia inequivocamente os “high performers” daqueles que se satisfazem com tornar a execução das suas atividades em algo que não exige grande esforço.

Se considerarmos a premissa de Anders Ericson, psicólogo da Universidade Estadual da Florida, de que “quase toda a gente pode, com prática, alcançar altos níveis de desempenho”, é pertinente sustentar-se que uma correta e adequada gestão do feedback, tanto por parte do emissor como do recetor, é uma competência de grande relevância e de elevado valor acrescentado para o desenvolvimento dos talentos das pessoas, constituindo por isso um “asset fundamental para as organizações.

No entanto, e apesar de este ser um dos temas mais estudados, divulgados e discutidos, tanto no contexto académico como no mundo das organizações, nem sempre as práticas de feddback se traduzem em ganhos reais para os respetivos interlocutores e são até, muitas vezes, fonte de conflito, acabando por gerar efeitos exatamente opostos àqueles para os quais supostamente se destinavam.

E isto acontece sobretudo por ainda persistirem alguns paradigmas limitativos em certas práticas de feedback, assentes naquele velho pressuposto, aparentemente lógico e até intuitivo, de que, se queremos que uma pessoa melhore o seu desempenho, em qualquer área, é mais importante assinalar-lhe os pontos fracos do que reconhecer os pontos fortes.

Embora seja inegavelmente importante que as pessoas tenham informação que lhes permita reconhecer e corrigir os erros, para que possam melhorar a sua performance, se o feedback que lhes for dado se centrar, apenas ou dominantemente, nos seus pontos fracos e nos aspetos negativos do desempenho, ainda que com o “álibi honroso” de ser feito para “as ajudar”, isso vai suscitar inevitavelmente emoções negativas que podem, conforme sugere Boyatzis, gerar no recetor uma sensação defensiva de obrigação e culpa”, levando-o a “fechar-se”.

Ora, como sabemos hoje, a partir das descobertas da neurociência, que “as emoções negativas são fracos motivadores”, esta tática de dar feedback, ainda usada com indesejável frequência no mundo empresarial, até pode, pelo medo ou pela insegurança que gera, captar a atenção a curto prazo do recetor; no entanto, como o medo é um sentimento negativo que incita ou à fuga ou ao contra-ataque, as pessoas alvo deste tipo de feedback limitar-se-ão a ações apenas suficientes para se “aliviarem” da situação o mais rapidamente possível…e em seguida esquecerem tudo.

Em conclusão, tudo aquilo que de mais nobre e importante se pretende alcançar com a prática do feedback não só se perde como, o que é ainda mais perigoso, se torna contra -produtivo.

Dir-se-á que isto é coisa do passado; que hoje, temos chefes e líderes que são pessoas com “elevação” e grande “sensibilidade humana” e que já não cometem esses “erros de palmatória” na gestão dos processos de feedback. Mas os exemplos que vamos recolhendo do que se vai passando nas organizações, nem sempre confirmam esta asserção otimista, dando conta inclusivamente de certas situações, por exemplo, na avaliação de desempenho, em que o feedback se torna numa pura “sessão ritual de censura”.

Para que esta prática realmente mude, e é importante que mude, é necessário um “paradigm shift”, um realinhamento mental com uma visão simultaneamente mais sistémica e flexível sobre as pessoas e a real importância do seu envolvimento e participação dos destinos nas organizações; uma visão que valorize a diversidade cognitiva e não a rigidez das classificações em categorias estanques, embora muitas vezes completamente arbitrárias e subjetivas.

Porque, em boa verdade se diga, o simples facto de não se fazer bem uma determinada coisa, não significa automaticamente que se tenha feito mal, do mesmo modo que não se conseguir ganhar não significa necessariamente perder.

Se houver coisas que têm de ser corrigidas, a estratégia mais adequada é ajudar a pessoa a descobrir por si própria que há coisas que podem realmente ser melhoradas, mas que está nela própria, e no bom aproveitamento que conseguir fazer dos seus pontos fortes, a capacidade para as mudar, desde que tenha a vontade genuína para o fazer.

Conforme refere Daniel Goleman, uma regra empírica da terapia cognitiva defende que focarmo-nos nos aspetos negativos da experiência é uma receita para a depressão”. Ao contrário, no entanto, como defende Barbara Frederickson, quando nos centramos nos aspetos positivos, “a nossa consciência expande-se do nosso habitual foco centrado no “mim” para um foco mais inclusivo e caloroso do “nós”.

Ambas as vias são possíveis. Cabe-nos, portanto, a nós escolher qual a que vamos seguir.

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Mário Ceitil

Mário Ceitil

Licenciado em Psicologia Social e das Organizações pelo ISPA, Mário Ceitil é consultor e formador na CEGOC desde 1981, tendo participado em vários projetos de intervenção, nos domínios da Psicologia das Organizações e da Gestão dos Recursos Humanos, em algumas das principais empresas e organizações, privadas e públicas, em Portugal e em países da África lusófona. Integrou, como consultor, equipas internacionais do grupo CEGOS, em projetos europeus. É professor universitário, desde 1981, nas áreas da Psicologia das Organizações e da... Ler Mais..

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