Opinião
Retenção de talento: a chave para um crescimento sustentável
Reter talento é um processo contínuo que exige dedicação e investimento, mas no qual muitas empresas falham. Fazê-lo bem representa uma vantagem competitiva significativa, em particular num mercado cada vez mais competitivo e global.
Confesso que não deixa de me surpreender a quantidade de casos que vou ouvindo em que talentos (leia-se pessoas talentosas) são valorizados, promovidos e/ou aumentados pelas suas empresas quando informam que têm propostas alternativas e/ou que se vão embora. Será que é preciso que o mercado valorize esses talentos para que as empresas os valorizem também? Não será tarde demais nessa altura?
Cada vez mais os maiores e melhores ativos que as empresas podem ter são as pessoas. Não é por isso estranho que hoje em dia as funções de “recursos humanos”, ou de “people”, tenham – e muito bem – uma importância extrema na estratégia das empresas com ambições de crescimento sustentado. É que atrair, e acima de tudo reter talento, é um fator crítico de sucesso e uma vantagem competitiva significativa num mercado cada vez mais global e dinâmico.
Porque é assim tão importante reter talento?
Em primeiro lugar por razões económicas. Substituir alguém tem um custo muito grande a vários níveis. Um estudo nos EUA estima que substituir alguém custa cerca de 33% do seu salário anual, para além de obviamente as condições que as empresas têm que oferecer aos novos candidatos.
Em segundo lugar por uma lógica de retenção de conhecimento. Todos os trabalhos e todos os setores requerem uma certa curva de experiência e aprendizagem. Isto significa que o rendimento das pessoas boas pode ter uma curva ascendente (por vezes até exponencial) à medida que vão conhecendo melhor a organização e os setores onde se inserem. A par disso vão desenvolvendo e acumulando conhecimento que não é facilmente transferível quando saem da empresa. Nesse sentido, reter estes talentos assegura também uma continuidade e uma constante capitalização no desenvolvimento atingido e potenciado pela empresa, não tendo que reiniciar todo um novo processo – o que por si só também poupa tempo e recursos.
Em terceiro lugar, por uma lógica de cultura organizativa. Uma frase muito famosa do Peter Drucker diz que “a cultura come a estratégia ao pequeno-almoço”. A cultura é acima de tudo feita de pessoas e pelas pessoas. Alguns colaboradores chave na organização podem influenciar e potenciar toda a cultura da empresa, da mesma forma que alguns outros podem contaminá-la. Ao identificá-los e retê-los as empresas estão a promover uma continuidade positiva e contagiante que se torna difícil de assegurar com uma grande rotatividade.
E finalmente, porque reter talento atrai talento. As empresas que conseguem reter os seus talentos acabam por ser também aquelas que são mais procuradas pelos candidatos, alimentando assim um ciclo virtuoso de crescimento sustentado.
Porque têm as empresas tanta dificuldade nessa retenção?
De acordo com a Mercer, mais de 50% das empresas portuguesas têm dificuldade em reter talento. Esta será uma realidade relativamente transversal, e que só não é pior porque existe igualmente uma inércia natural das próprias pessoas, mesmo quando não estão particularmente satisfeitas.
Em primeiro lugar têm uma dificuldade natural que resulta de uma maior globalidade do próprio mercado, que se tem vindo a intensificar com a tecnologia e o trabalho remoto, bem como a acentuar as diferenças de competitividade. Se podem as empresas todas competir em termos de pacote remuneratório? Naturalmente que não, mas muitas vezes a retenção e a driver da mesma vai muito para além dessa componente.
Em segundo lugar porque acabam por ter um approach à retenção muito reativo, e não proativo. É muito mais provável conseguir reter talentos que se sintam permanentemente valorizados, desafiados e felizes, do que é de forma reativa quando estes já decidiram que querem ver alternativas ou as têm na mão.
E finalmente porque a diversidade de perfis – e consequentemente o que estes procuram – é muito heterogénea, tornando-se difícil um “one size fits all” (não obstante as vantagens imensuráveis que esta diversidade traz). Por exemplo, diferentes gerações procuram e valorizam coisas diferentes na proposta de valor de um trabalho ou de uma oportunidade, e “exigem” das empresas diferentes tipos de condições.
Como ultrapassar essas dificuldades?
Se antigamente um pacote remuneratório competitivo poderia talvez ser suficiente para atrair e reter talento, hoje isso já não chega, e muitas vezes não é sequer o fator principal. Não havendo uma receita única, e naturalmente para além do pacote remuneratório, alguns ingredientes acabam por ser comuns:
- Identificar o talento de topo – nunca será possível reter proativamente todas as pessoas – nem é aconselhável já agora, uma vez que alguma rotatividade é saudável e traz sangue novo – de maneira que é fundamental identificar bem quem são as “key people” da organização;
- Ter uma postura proativa, e numa lógica de investimento vs custo – uma postura proativa tem muito mais impacto neste talento, que se sente assim mais genuinamente valorizado. Em paralelo, olhar para o talento como um investimento que pode ter muito retorno (vs um custo), é fundamental para evitar “perdê-lo” muitas vezes por um diferencial de custo pouco significativo;
- Desafiar e oferecer oportunidades de crescimento – nem sempre é possível desenhar um plano de carreira concreto, mas seguramente que é possível promover o crescimento contínuo das pessoas dentro da organização. Para além de promoções, naturalmente, aumentos de responsabilidade, projetos transversais e até rotações são ótimas formas de ir dando novos desafios às “key people”, mantendo-os assim motivados e desafiados;
- Dar visibilidade interna e externa – fator muitas vezes minimizado, mas altamente valorizado pelas pessoas por ser uma forma de reconhecimento, e fácil de acionar. Proporcionar oportunidades de estar em fóruns com senioridade e representar a empresa em eventos externos são dois exemplos;
- Oferecer oportunidades de desenvolvimento profissional e training – promover e facilitar o desenvolvimento de diversas competências (pessoais e profissionais) através de, por exemplo, trainings, participação em eventos/ conferências, etc. De acordo com um estudo, 94% das pessoas ficaria mais tempo numa empresa se esta as ajudasse no seu desenvolvimento;
- Criar uma cultura com propósito, de transparência e feedback – o sentido de propósito da própria empresa e do trabalho de cada um é cada vez mais decisivo nas escolhas. Ao mesmo tempo, a transparência e a abertura para dar feedback livremente é também cada vez mais valorizada (a retenção nas empresas em que existe esta abertura é pelo menos 15% superior);
- Criar um ambiente de trabalho saudável e com flexibilidade – cada vez mais valorizado;
- Ouvir, ouvir, ouvir – muitas vezes os sinais de uma menor satisfação das “key pople” estão lá, mas as empresas não dão lhes dão a devida importância, sendo depois surpreendidas por decisões de saída.
Overall, reter talento é um processo contínuo que exige dedicação e investimento. Se atrair talento é difícil, manter ainda é mais. E é por isso que é uma verdadeira vantagem competitiva.
Pegando numa frase de Richard Branson que acaba por dizer tudo, “os clientes não vêm primeiro. Os colaboradores sim. Se valorizarmos e tratarmos dos colaboradores, eles vão tratar dos clientes e do crescimento do negócio”.
A chave para um crescimento sustentável e sustentado.