Opinião

Resignation digital ou tudo a ir ao lugar?

Rui Ribeiro, diretor-geral da IPTelecom

Anda meio mundo a referir uma realidade sobre a “Grande Demissão” que está a ocorrer, após um choque de transição digital (parcial) movida pela pandemia, nestes últimos anos. Enquadrando ligeiramente o tema: Anthony Klotz, psicólogo organizacional, colocou o tema dos despedimentos em massa que estão a ocorrer pelo impacto ocorrido nos últimos anos por stress do trabalho, burnouts, teletrabalho, entre outros temas.

O mundo, em geral, não estava preparado para este choque abrupto, mesmo andando há alguns anos com comunicações e políticas, mais ou menos inócuas, de equilíbrio família-trabalho. A realidade é que o mundo empresarial do século XXI exige mais produtividade empresarial e, tal só se faz, com crescimento da organização por aumento de eficácia e eficiência. A pressão por resultados das empresas fez esquecer, em muitas situações, os limites individuais, quer pelo colaborador que se considera capaz de fazer tudo sem olhar à sua capacidade física, mental, familiar e social, quer pela empresa que considera que pode pedir e exigir tudo aos colaboradores.

Está subjacente que estamos a assistir ao surgimento de um mundo novo no mercado laboral e que muitos ainda não o admitem. O funcionamento organizacional físico está cada vez mais interdependente do mundo digital e dos seus modelos de negócio. Esta junção física e digital, mais vincada e profunda, permite realizar muitas das tarefas laborais existentes, a partir de qualquer local, ao mesmo tempo que se conseguem criar maiores equilíbrios de qualidade humana e familiar das pessoas.

Esta fusão, dos dois mundos, tem demonstrado um maior acesso à informação do que rodeia os vários contextos laborais, destapando realidades do que de melhor se faz na gestão de recursos humanos e do que de mais negativo existe. É, por isso, que cada vez menos colaboradores são tolerantes a má gestão de empresas, a más chefias, a falhas éticas ou a exigências inócuas e sem sentido de produtividade. Há hoje acesso a mais conhecimento de outras oportunidades, que antes eram desconhecidas.

A nova geração (a dos Likes) entra no mercado de trabalho, mas não está disponível a “aceitar qualquer coisa” e as atuais gerações, que estão há algum tempo no mercado, começam a entender que no mundo global têm muito mais oportunidades do que o seu mundo na empresa, pelo que não estão disponíveis a “aceitar falhas de ambição, incompetência ou exigências de mais tempo de trabalho”.

Em termos práticos, vivemos numa nova realidade que é a de entender que o modelo laboral de produtividade da 1.ª Revolução Industrial se está a esgotar. Assistimos, pelo apontado, que o essencial do novo modelo laboral se fará pelo cumprimento de objetivos ou tarefas e não por cumprimento de horas. A responsabilidade passará a ser muito mais partilhada entre a empresa e o colaborador.

O novo mundo laboral tenderá a ser mais flexível e responsável. Quem trabalhar por objetivos, tenderá a ser avaliado pelo resultado alcançado e não pelo número de horas que trabalhou para alcançar o objetivo. Há, por isso, também maior responsabilidade individual do lado do colaborador, por várias razões, entre as quais a obrigação de saber gerir melhor o seu tempo, planear melhor as suas tarefas e, obviamente, reconhecer mais as suas competências, fragilidades e capacidades. Do lado da empresa, há mais responsabilidade por que tem de saber confiar mais nos seus colaboradores e, tal só é possível, se souber criar equipas, se souber criar motivações e se souber partilhar desafios.

O Great Resignation não é, por isto, um problema para as empresas, mas uma oportunidade de crescimento. Daquelas que fará com que tudo se encaminhe para o seu lugar. Será difícil esta mudança, pois ninguém foi ensinado para este novo modelo, mas certamente que aqueles que melhor se adaptarem à mudança, e a entenderem pela positiva, terão maiores probabilidades de garantir mais sucessos e mais sustentabilidade nas próximas décadas

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Rui Ribeiro

Rui Ribeiro

Atualmente é Head of Consulting & Technology na Auren Portugal, tendo sido antes Diretor-Geral da IPTelecom, Diretor Comercial da Infraestruturas de Portugal S.A., Diretor de Sistemas de Informação na EP - Estradas de Portugal S.A. e Professional Services Manager da Sybase Inc. em Portugal. Na academia é diretor executivo da LISS – Lusofona Information Systems School, e docente da ULHT. Rui Ribeiro é doutorado em Gestão Empresarial Aplicada, na área de Sistemas de Informação, pelo ISCTE/IUL, possui um MBA na... Ler Mais..

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