Opinião
Resíduos e sustentabilidade: alteração legislativa e desafios da economia circular

A política de resíduos é central para a construção de uma economia circular e para a transição para um modelo económico ecológico e sustentável. Nos últimos dois anos, o enquadramento normativo foi profundamente alterado.
O primeiro passo foi a adoção de uma nova geração de instrumentos de planeamento, redefinindo orientações estratégicas, prioridades, metas e ações a implementar, com a aprovação do Plano Nacional de Gestão de Resíduos 2030 (PNGR 2030), em março de 2023, e a sua concretização através do Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos 2030 (PERSU 2030) e do Plano Estratégico para os Resíduos Não Urbanos 2030 (PERNU 2030).
Posteriormente, o enquadramento legislativo foi objeto de uma revisão global, com o Decreto-Lei n.º 24/2024, de 26 de março, que alterou o Regime Geral de Gestão de Resíduos (RGGR) e do Regime Jurídico de Deposição de Resíduos em Aterro, bem como do Regime Unificado de Fluxos Específicos (UNILEX).
Tratando-se de uma área complexa, estas alterações não ajudaram a sua simplificação, até tendo em conta que tinham sido recentemente alterados. Esta flutuação legislativa, dificilmente explicável, não ajuda à segurança jurídica dos operadores.
Independentemente disto, o Decreto-Lei n.º 24/2024 representa um passo central para a construção de uma efetiva economia circular, completando a transposição da recente alteração à Diretiva Quadro dos Resíduos e concretizando as opções tomadas nos Planos referidos. A este nível, estabelece-se o procedimento de aprovação dos planos municipais, intermunicipais e multimunicipais de resíduos (PAPERSU), que depende do cumprimento de objetivos mínimos, a fixar pela Autoridade Nacional de Resíduos. Revê-se a metodologia de determinação da Taxa de Gestão de Resíduos (TGR) a aplicar às entidades gestoras, que será determinada em função do custo médio associado à recolha e tratamento dos fluxos de materiais, e prevê-se a devolução aos municípios de 30% do valor pago a título de TGR, caso demonstrem o investimento em projetos que promovam a reciclagem de biorresíduos.
Central para a alcançar as metas de reciclagem de resíduos de embalagens é a concretização no UNILEX do Sistema de Depósito e Reembolso (SDR) de embalagens de bebidas não reutilizáveis, de acordo com a Diretiva (UE) 2019/904, relativa à redução do impacto de determinados produtos de plástico no ambiente.. Criam-se também dois regimes de responsabilidade alargada do produtor (RAP): para a gestão de mobílias, colchões e respetivos resíduos, e para resíduos de autocuidados de saúde.
Por fim, é revisto o modelo económico de determinação dos valores de contrapartida (VC) pagos pelas entidades gestoras SIGRE aos municípios e Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU), atribuindo novas funções a este respeito à ERSAR bem como relativamente ao mecanismo de alocação e compensação do fluxo específico de embalagens e resíduos de embalagens.
Rui Tavares Lanceiro é advogado Associado do Departamento de Público e Regulatório da André Miranda Associados, mas tem um percurso académico sólido, com especialização, nomeadamente, nas áreas do Direito Administrativo, do Direito da União Europeia, do Direito do Ambiente, e do Direito da Energia.
Tem vasta experiência em funções públicas, tendo ocupando cargos em vários gabinetes ministeriais, nomeadamente no gabinete do Ministro do Ambiente e da Ação Climática (2022-2024), do Secretário de Estado do Ambiente (2010-2011), da Ministra da Saúde (2009-2010) e do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (2008-2009).
Tem ampla experiência na elaboração de pareceres, no acompanhamento do processo legislativo e de processos de licenciamento ambiental, bem como na análise e acompanhamento de processos de fiscalização da constitucionalidade, fruto da sua função como Assessor do Gabinete de Juízes do Tribunal Constitucional. Licenciado em Direito, possui um doutoramento em Ciências Jurídico-Políticas (Universidade de Lisboa, 2016), e um diploma da Academia Europeia de Direito Público (Academy of European Public Law), entre outras formações académicas. Simultaneamente, desenvolve outras atividades como Membro do Conselho Geral do Centro de Estudos Judiciários, por exemplo, ensino e autoria e coautoria de vários livros.