Opinião

Reclamar ou não reclamar? Eis a questão.

Susana Duro, Senior Marketing Manager na Coca-Cola Europacific Partners

Há quem reclame por tudo…e há quem nunca reclame. Há quem receba uma torrada toda queimada num café e a coma mesmo assim só porque não consegue reclamar e há quem mande a torrada para trás só porque uma das fatias da torrada vinha fora do sítio…

As insatisfações sempre existiram. A mais antiga reclamação registada foi numa tábua de argila suméria por volta de 1750 a.C., na antiga Mesopotâmia. Ficou conhecida como a Carta de um Cliente Irritado e foi escrita por um homem chamado Nanni que reclamava com um comerciante chamado Ea-nasir. Nanni comprou cobre a Ea-nasir, mas o material entregue era de qualidade inferior à prometida. Além disso, os mensageiros enviados por Nanni para trazer o cobre foram tratados com desrespeito. A carta expressa a indignação de Nanni, exigindo que Ea-nasir cumpra a sua parte no acordo e entregue um produto de qualidade adequada. Esta tábua mostra que as frustrações com serviços maus e produtos de baixa qualidade já existiam há milhares de anos, é o equivalente ao nosso livro de reclamações ou a uma avaliação negativa online!

De uma forma geral, vivemos num mundo onde a reclamação se tornou um ato quase instintivo. Do serviço ao cliente que falha às expectativas não cumpridas, há sempre um motivo para verbalizarmos a nossa insatisfação. E por oposição quase nunca se vê alguém a verbalizar a sua satisfação.

Mas será que reclamar é sempre a melhor abordagem?

Foram poucas as vezes que escrevi num livro de reclamações e quando faço avaliações procuro sempre ser justa e construtiva. Recentemente tive uma experiência num hospital privado que me fez refletir sobre este tema. Fui fazer um tratamento que consistia em levar uma injeção de ácido hialurónico no joelho e no momento do pagamento fui confrontada com o pagamento de dois valores, um relativo ao ato de dar a injeção e outro relativo a uma consulta (que não existiu). Quando questionei o porquê dos dois valores não me souberam justificar. Fiquei bastante indignada e decidi fazer uma reclamação por escrito. Sinceramente fi-lo para aliviar a minha frustração e nunca acreditei que resultasse em algo. Mas a verdade é que a minha reclamação deu frutos e na vez seguinte, apenas paguei um dos valores.

A reclamação pode ser uma ferramenta poderosa quando usada de forma construtiva. Quando é feita com respeito e objetividade, pode levar a melhorias, seja no atendimento, na qualidade de um produto ou mesmo em processos organizacionais. Empresas que valorizam o feedback dos seus clientes conseguem evoluir e adaptar-se melhor às necessidades do mercado. Nesse sentido, reclamar pode ser um ato de cidadania, uma contribuição para um ecossistema mais eficiente e justo.

No entanto, há um lado menos produtivo da reclamação: aquele que se transforma num hábito constante, quase um vício. Reclamar sem propósito, apenas para expor frustração, não só desgasta emocionalmente como, muitas vezes, não gera impacto positivo. Pelo contrário, pode criar um ambiente negativo e afastar soluções reais. Quantos de nós não têm alguém conhecido que vive em constante insatisfação e reclama de tudo? Para estas pessoas reclamar torna-se o comportamento padrão e só gera negatividade, além disso, há situações em que reclamar é apenas um desperdício de energia e nada de bom sai dali.

Isto leva-nos a concluir que há uma dimensão emocional na reclamação. Muitas vezes, a necessidade de expressar desagrado não está apenas relacionada com a procura de uma solução, mas sim com a validação do nosso próprio sentimento de injustiça. Queremos ser ouvidos, queremos sentir que a nossa voz importa. Aqui entra a importância do equilíbrio emocional: até que ponto a nossa reclamação é um pedido genuíno de mudança ou apenas um reflexo da nossa insatisfação interior?

A forma como reclamamos também diz muito sobre nós. Alguém que reclama constantemente pode estar a revelar insatisfação pessoal, uma perceção de falta de controlo sobre a sua própria vida ou uma dificuldade em encontrar soluções alternativas. Por outro lado, quem reclama de forma ponderada e estratégica demonstra consciência crítica, capacidade de argumentação e um desejo real de melhoria. O tom, a intenção e o propósito da reclamação podem ser um reflexo direto da maturidade emocional e da forma como encaramos os desafios.

Outro aspeto a considerar é o impacto da reclamação nos outros. Um ambiente onde a cultura da reclamação predomina pode tornar-se tóxico, minando a motivação e a criatividade. Se num espaço de trabalho ou num círculo social a negatividade imperar, dificilmente haverá espaço para inovação e colaboração. Assim, é fundamental perceber que reclamar pode ser útil, mas não deve substituir uma postura proativa e orientada para soluções.

Então, como decidir quando reclamar? Antes de expressar insatisfação, talvez valha a pena ponderar:

  1. Existe uma solução realista para este problema?
  2. Estou a reclamar para melhorar algo ou apenas para desabafar?
  3. A forma como vou expor a reclamação é objetiva e respeitosa?
  4. O impacto da minha reclamação será positivo ou apenas reforçará um ciclo de negatividade?
  5. O meu padrão de reclamação reflete uma postura construtiva ou apenas um estado de frustração recorrente?

Se as respostas forem positivas, reclamar pode ser um passo na direção certa. Caso contrário, talvez seja mais produtivo investir a energia noutras formas de resolução, como a adaptação, a negociação ou simplesmente a aceitação.

Antes de reclamar deveremos ter claro qual é o resultado que pretendemos obter. Outro ponto importante e que pode parecer contraditório é iniciar uma reclamação com um elogio. Começar com um ponto positivo faz com que o outro lado fique com uma atitude mais construtiva.  Também é fundamental ser específico e terminar com uma solução positiva.

No final do dia, reclamar ou não reclamar é uma questão de equilíbrio. A reclamação tem o seu valor, mas só quando direcionada para a mudança e não para a mera frustração. A escolha é nossa – e cada reclamação deve ser vista como uma oportunidade de criar impacto, e não apenas como um escape para a insatisfação momentânea.


Susana Duro tem mais de 20 anos de experiência no desenvolvimento e implementação de estratégias de marketing para marcas líderes de mercado e um sólido percurso profissional construído em empresas nacionais e multinacionais de referência dentro do mercado de FMCG.

É licenciada em Marketing e Publicidade pelo IADE, pós-graduada em Retail Management e em Direção Comercial no Indeg/Iscte e mestre em Marketing pela mesma instituição. Iniciou a sua carreira de marketing na Henkel Ibérica como gestora de produto, passando depois para brand manager na Dan Cake. Em 2004 entrou para a Nestlé onde esteve durante 11 anos. Aqui desempenhou a função de brand manager da categoria de Culinários, de trade marketing manager na categoria de chocolates e de head of trade marketing na categoria de Cereais de pequeno-almoço. Em 2017 entrou para a Coca Cola Europacific Partners como responsável pela equipa de Customer Development do Canal Alimentar. Em 2022 foi convidada para assumir a função de National Account manager ficando com a responsabilidade de várias contas no canal Horeca Organizado. É também professora na pós-graduação em Gestão de Vendas do INDEG_ISCTE, onde leciona a disciplina de Comportamento do Consumidor.

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