Entrevista/ “Somos hoje um player chave no estabelecimento de um ecossistema de inovação em Portugal”

Pedro Rocha Vieira, cofundador e CEO da Beta-i

A Beta-i está diferente e com ambições cada vez mais globais. Depois de 10 anos como associação sem fins lucrativos, assume-se agora como consultora. Pedro Rocha Vieira, cofundador e CEO, explica o novo posicionamento e os objetivos que movem a “nova” Beta-i.

Durante os últimos 10 anos, a Beta-i esteve um pouco por todo o lado, começando por plantar a semente do empreendedorismo, passando pelo desenvolvimento dos primeiros programas de aceleração no país até à construção de um verdadeiro ecossistema de inovação em Portugal. Quem o diz é o cofundador e CEO da agora consultora.

Em entrevista, Pedro Rocha Vieira faz uma retrospetiva da primeira década de atividade do projeto, fala do presente e do impacto da pandemia no ecossistema nacional, e traça algumas metas para aquele que deseja ser o futuro da Beta-i: cada vez mais uma organização de ambição e ação global.

Quais as principais “vitórias” dos últimos 10 anos da Beta-i?
A Beta-i surgiu em 2010 como uma associação sem fins lucrativos com uma missão muito clara: promover o empreendedorismo e um mindset de inovação em Portugal, como resposta a um período de crise em que era urgente reinventar o tecido empresarial e posicionar Portugal e Lisboa em particular como um hub global de inovação, capacitando, por um lado, a próxima geração de empreendedores globais e, por outro, atraindo start-ups globais para Lisboa e Portugal. E durante os últimos 10 anos estivemos um pouco por todo o lado, começando por plantar a semente do empreendedorismo, passando pelo desenvolvimento dos primeiros programas de aceleração no país até à construção de um verdadeiro ecossistema de inovação em Portugal.

Ao longo de 10 anos, trabalhámos as áreas de aceleração, incubação e investimento, ajudámos a criar start-ups, criámos programas de educação em empreendedorismo, fomos promotores de eventos chave para o ecossistema e promovemos o cluster de venture capital em Portugal. Olhando para números, desenvolvemos literalmente centenas de programas de aceleração, apoiámos o desenvolvimento de mais de 1500 start-ups e desenvolvemos mais de 250 projetos de inovação em 10/15 indústrias diferentes.

E os momentos chave foram…
Algumas das principais vitórias ou momentos chave foram a criação do Silicon Valley comes to Lisbon, que marcou talvez o momento inaugural desta nova era de empreendedorismo global. A realização do Seedcamp Lisboa e o investimento internacional na primeira leva de start-ups internacionais. A realização das primeiras Beta-Talks, que criaram o início da comunidade Beta-i, e dos Beta-Starts, como a primeira start-up school organizada em Portugal, que capacitou muitos novos empreendedores nacionais. A realização do Lisbon Challenge em 2011, que foi o primeiro acelerador global em Portugal, com mais de 75 start-ups de todo o mundo na sua primeira edição, que depois evoluiu para o principal programa de aceleração com investimento em Portugal e uma referência na Europa. A criação da LC Ventures como um dos mais ativos e primeiros investidores early stage. A criação do #LIS – Lisbon Investment Summit, como o evento de investimento de referência em Portugal. O projecto Europeu Atalanta, que marcou o primeiro consórcio Europeu de aceleradores e deu origem à criação da European Accelerators Network e da European Startups Network, e que influenciou em muito a criação da Startup Europe. A criação dos primeiros programas de inovação aberta com a Deloitte e a Fidelidade em 2015. A fusão com a Couture e a criação duma oferta integrada de inovação. A criação da Singularity University e do Singularity Summit em parceria com a NovaSbe.

Missão cumprida?
Passada uma década, sem dúvida que conseguimos cumprir a nossa missão – somos hoje um player chave no estabelecimento de um ecossistema de inovação em Portugal, pois estivemos lá desde o início, nos momentos chave desta transformação de mindset e da própria economia, e conseguimos ser reconhecidos como uma das aceleradoras de start-ups líderes na Europa. É este legado “from the bottom-up” que nos deu legitimidade para atuar junto de grandes empresas e transformar a Beta-i no que ela é agora.

“Eventualmente poderíamos ter acelerado o projeto empresarial e encontrado uma estrutura acionista mais robusta e um parceiro internacional mais forte(…)”

Olhando para trás, o que faria de diferente, se tivesse oportunidade?
É sempre difícil responder o que se faria de diferente, pois na altura fizemos o melhor que sabíamos e fizemos pelas razões certas. Muitas vezes, a realidade é uma faca de dois gumes e com dinâmicas indissociáveis. Eventualmente poderíamos ter acelerado o projeto empresarial e encontrado uma estrutura acionista mais robusta e um parceiro internacional mais forte, de forma a conseguirmos mais recursos para crescer mais rapidamente. Temos crescido sempre de forma muito orgânica, o que é um desafio crescente à medida que se cresce para mercados mais maduros.

Quanto faturaram no último ano e o que mais contribui para a rentabilidade da Beta-i?
A Beta-i hoje em dia é um grupo de empresas, composta por joint-ventures, capital de risco, escritório no Brasil e empresas para diferentes áreas de negócio, como a educação, o real estate e outras participadas. No entanto, no final do ano passado, começamos a organizar a Beta-i e a focar no core, que é inovação colaborativa e aceleração de ecossistemas. De forma agregada, no ano passado devemos ter chegado quase aos 5 milhões de euros de faturação, mas o core deve ter ficado pelos 3,4 milhões de euros.

Quantas start-ups passaram pela Beta-i nos últimos 10 anos?
Apoiámos o desenvolvimento de mais de 1500 start-ups, em diferentes fases e de diferentes formas: desde a fase de ideação, com os Beta-Shifts, aos programas de pré-aceleração, como os Beta-Starts, e os programas de aceleração com investimento, como o Lisbon Challenge, e através de investimento e gestão de portefólio da LC Ventures. Hoje em dia o principal apoio é via programas de inovação colaborativa, que mais do que capacitação ou investimento, facilitam o desenvolvimento de negócio entre as start-ups e as grandes empresas, possibilitando assim a realização de novos negócios e o acesso a bons clientes, cada vez mais globais.

“Vivemos num novo mundo, com novos desafios, e sentimos que a nossa experiência pode contribuir para acelerar a mudança e criação de valor para a economia (…)”

A Beta-i passa agora de uma associação sem fins lucrativos a uma consultora à escala global. Porquê um novo posicionamento e qual o objetivo?
Esta tem sido uma evolução gradual. Há cerca de quatro anos ficou claro para os associados da Associação e em particular para a equipa executiva, que o caminho de crescimento teria que ser feito pela via empresarial. Este foi um fenómeno que aconteceu com vários dos nossos pares a nível europeu e que inspirou o amadurecimento de um conjunto de players fundadores do ecossistema empreendedor europeu.
Começamos a desenhar esse caminho há quatro anos e pouco, com a criação da área de inovação corporativa e com a criação da capital de risco. Há dois anos com a fusão com a Couture, consolidou-se mais um passo.

Este ano, terminou definitivamente uma era, com o encerramento da Associação e com o assumir de um novo posicionamento, mais focado na inovação colaborativa, um território onde temos vindo a trabalhar há vários anos. Este novo posicionamento permite-nos, assim, assumirmo-nos no mercado como um player mais maduro, mais focado na criação de valor, não apenas para as start-ups, mas também para as grandes empresas e organizações governamentais e não governamentais. Acreditamos que temos crescido numa relação simbiótica com o ecossistema e acompanhado de certa forma as suas necessidades.

Vivemos num novo mundo, com novos desafios, e sentimos que a nossa experiência pode contribuir para acelerar a mudança e criação de valor para a economia, através da gestão de processos e dinâmicas de inovação colaborativa, não apenas entre start-ups e grandes empresas, mas também dentro e entre grandes empresas, nas universidades e mesmo entre PME’s mais inovadoras. A inovação colaborativa pode ser um dos pilares do desenho dos novos modelos de negócio da nova economia e acelerar os processos de mudança e transição digital e cultural que a maioria das empresas e organizações inovadoras estão a passar. 10 anos depois, e novamente no meio duma crise, a Beta-i pretende ser um contributo relevante para a construção do futuro da inovação.

Mantém-se a estrutura acionista?
Sim, desde o início de 2018 a Beta-i conta com oito sócios, resultado da fusão com a Couture. Desde o fim de 2019, apenas cinco destes sócios ocupam funções executivas.

“Mudámos também toda a imagem da nossa marca, pois o que tínhamos já não refletia toda a nossa atuação global e a nossa forma de estar”.

O que mudou – ou está a mudar – a nível interno com este novo posicionamento?
Com a dimensão que ganhámos, deixou de fazer sentido sermos uma Associação sem fins lucrativos e passamos a ser uma entidade privada que presta serviços a grandes empresas e ecossistemas. Começámos a reorganizar o nosso posicionamento e redefinimos as nossas áreas de atuação, focando essencialmente no território de inovação colaborativa e deixando as áreas de incubação e educação de lado.

Deixámos de trabalhar de forma isolada com start-ups, para começar a trabalhar a um nível muito mais inclusivo e colaborativo do que antes: conectamos start-ups globais, grandes empresas, universidades, investigadores, investidores, mentores e governos para trabalhar em programas de inovação e desenvolver projetos piloto com impacto na economia. Mais recentemente, começámos também a construir novos ecossistemas em novas geografias, fora de Portugal – abrimos o primeiro escritório no Brasil no final de 2019 e já temos clientes e projetos em quase 20 países, nos cinco continentes. Mudámos também toda a imagem da nossa marca, pois o que tínhamos já não refletia toda a nossa atuação global e a nossa forma de estar.

Começamos também um processo de mudança organizacional no ano passado, reorganizamos a forma como trabalhávamos internamente e hoje estamos muito mais organizados por competências e em criar valor e soluções de forma integrada para os clientes, em vez de atuar de uma forma mais focada em áreas de negócio ou organizados por produto. Aumentamos também a capacidade de inovação interna e de colaboração entre a própria equipa.

Estamos cada vez mais focados na qualidade, na melhoria da experiência, no impacto que temos e em resolver desafios que sejam de facto relevantes, não só para os clientes, mas também para a sociedade e para a nova economia. Estamos cada vez mais assentes numa cultura organizacional forte e guiados por valores e um propósito fortes. Somos cada vez mais uma organização de ambição e ação global.

Quais são as novas áreas de atuação?
Nos últimos anos, percebemos que para trabalhar e promover a inovação de uma forma global, não podemos ficar apenas pelas start-ups – temos também que ajudar o tecido empresarial e as grandes e médias empresas a adaptarem-se aos novos tempos e ao contexto de antecipação e transformação tecnológica. Por isso, criámos áreas de atuação específicas para fazer frente a estas necessidades.

Atualmente, atuamos em três frentes dentro da área de inovação colaborativa: uma para unir empresas e start-ups para resolverem os desafios dos negócios – são os programas que unem empresas e start-ups, empresas e empresas, start-ups e start-ups para trabalhar inovação e os desafios dos negócios em conjunto (Open Innovation); outra para unir os experts da Beta-i com as equipas das empresas, para compreender oportunidades de inovação interna – construção de estratégias, produtos e serviços orientados aos clientes finais (Business Innovation); e ainda outra para facilitar a conexão entre os diferentes agentes que fazem o ecossistema de inovação acontecer – em vez de acelerar start-ups de uma forma “isolada”, agora acionamos a nossa rede de contactos para que todos cresçam juntos, e para que a nossa vasta expertise de start-up building seja utilizada para o benefício do ecossistema, universidades, instituições sociais, etc. (Ecosystem Acceleration).

Além das áreas de atuação, estamos para já focados em 10 setores/áreas de especialidade, podendo chegar a mais: economia circular, energia, fintech, seguros, saúde e farmacêutica, retalho, bens de consumo, smart cities (mobilidade e mobiliário), turismo e economia do mar.

Que programas/iniciativas têm previstos agora como consultora?
Desde o ano passado que já estamos a trabalhar em vários programas de inovação colaborativa. Todos eles são implementados numa lógica de colaboração, envolvendo os setores privado e público e start-ups, articulados com objetivos comuns e trabalhando para um benefício comum e criação de projetos piloto.

A nível internacional, alguns exemplos incluem o Free Electrons, o maior programa global de inovação aberta na indústria de energia, de que somos gestores, e que é composto por um consórcio de 10 grandes empresas da área de energia de nove países, em quatro continentes. Estas empresas já estão a trabalhar com 35 start-ups selecionadas de 19 países, sendo que os pilotos tanto podem dar escala a soluções revolucionárias, como a um sistema de energia solar independente que alcança regiões fora da rede de distribuição, quanto à otimização do carregamento de carros elétricos.
Depois temos o (Re)Set, um programa que resulta de uma parceria em França para iniciativas de economia circular e criação de projetos dedicados à redução de plástico no retalho e reutilização de mobiliário. E ainda o Lispa, um projeto de três anos com o Banco Nacional de Angola, o Laboratório de Inovação do Sistema de Pagamentos (LISPA), que vai dar resposta a uma “desbancarização” de cerca de 70% da população angolana.

E em Portugal?
Temos o Born for Knowledge Rise, uma parceria com a Agência Nacional de Inovação (ANI), que organiza a transferência de conhecimento e investigação da Academia para o desenho de novos modelos de negócio; o Smart Open Lisboa, um programa em parceria com a Câmara de Lisboa nas áreas de mobilidade, “housing” e outras, no qual já estão a ser desenvolvidos 30 pilotos, selecionados a partir de mais de 130 propostas de negócio de start-ups de 42 países.

Além destes que estão a decorrer, estamos agora focados em lançar novos programas para fazer face aos desafios que este contexto de pandemia irá deixar, sobretudo na área do turismo e smart cities. Teremos novidades em breve.

“Vemos o mercado brasileiro de inovação colaborativa e empreendedorismo com grande dinamismo, com um crescimento brutal (…)”

Como será feita a articulação entre as iniciativas da Beta-i em Portugal com o escritório no Brasil?
A operação do Brasil foi desenhada de forma a poder ser o mais autónoma possível. Temos uma CEO e sócia local que lidera a operação e uma pequena equipa para fazer crescer o negócio. No entanto, a Beta-i Brasil conta com o apoio da Beta-i Portugal em várias competências.
Neste momento temos dois projetos, com a Ambev e com a EDP Brasil, e estamos prestes a arrancar com mais um, o que nos vai permitindo localizar competências de forma gradual. Vemos o mercado brasileiro de inovação colaborativa e empreendedorismo com grande dinamismo, com um crescimento brutal nos últimos anos e um enorme potencial de futuro. A nossa expetativa é que a Beta-i Brasil seja uma referência no mercado e que aumente bastante a sua operação nos próximos anos.

Os programas de educação, eventos e incubação ficam de lado ou têm também lugar nesta nova Beta-i?
Continuamos a fazer alguns eventos de menor dimensão e mais articulados com a nossa atividade de inovação colaborativa, mas estamo-nos a afastar dos grandes eventos e das outras áreas.

“Mais do que ajudar na estruturação das start-ups, neste momento estamos a abrir-lhes portas de negócio”.

E as start-ups portuguesas podem continuar a procurar a Beta-i?
Claro que sim! No entanto, agora damos-lhes suporte de outra forma, passando sobretudo por colocá-las na frente de grandes empresas, que partilham dados, abrem portas e investem nas soluções de diferentes formas. Mais do que ajudar na estruturação das start-ups, neste momento estamos a abrir-lhes portas de negócio. Assim, a mentoria às start-ups passa a acontecer dentro dos próprios programas de inovação colaborativa, ajudando-as a adaptar as suas propostas de negócio às necessidades de inovação identificadas pela Beta-i junto das empresas.

Apesar deste foco importante, continuamos a apostar na capacitação de start-ups e na aceleração de desenvolvimento de ecossistemas de empreendedorismo e inovação, como estamos a fazer em Angola, no Brasil e várias cidades em Portugal. Continuamos a apostar em programas como o Beta-Start e o Beta-Shift que são excelentes formas de apoiar o crescimento de start-ups. Tudo isso, sem considerar as possibilidades de investimento através da operação dedicada para o efeito, a LC Ventures.

Como se propõem juntar as start-ups e as empresas para que possam colaborar mais?
A história mostra-nos que ninguém resolve nada sozinho, sobretudo neste período de incerteza que estamos a viver. A colaboração foi fundamental para a resolução dos grandes problemas que as sociedades enfrentaram ao longo do tempo, por isso, nas empresas, nas start-ups e em todo o ecossistema, nunca poderia ser diferente. As start-ups tendem a ser especialistas em determinadas áreas, e as grandes empresas, muitas vezes, acabam por tornar-se “generalistas” diante da necessidade de gerir todas as suas dimensões e unidades do negócio. É por isso que as start-ups podem ser parceiras poderosas, pois é essa complementaridade que gera resultados. Como tal, ao atuarmos hoje com clientes e projetos em cinco continentes, propomo-nos a ligar grandes empresas com as melhores start-ups de todo o mundo, para que ambos impulsionem o seu crescimento e sustentabilidade, gerando resultados reais para todos.

Perante um novo cenário e novo contexto mundial – “new world, new challenges” – teremos também novos desafios onde a consciência de entreajuda e de “win-win” serão fundamentais.Temos cada vez mais programas de inovação colaborativa, em diferentes indústrias e geografias, e com diferentes modelos, desde single corporate, cadeia de valor e global peers. Estamos cada vez mais focados no desenvolvimento de pilotos de sucesso e em resolver desafios muito concretos e relevantes para as grandes empresas e desenhar modelos de colaboração sustentáveis com as start-ups. Estamos também a olhar para novos modelos mais rápidos e baratos, que permitam explorar oportunidades e resolver desafios de inovação mais específicos e circunscritos de forma a acelerar o matching entre corporates e start-ups para um contexto de maior urgência e emergência, como o que estamos a viver, em que o tempo é um imperativo cada vez mais relevante.

Quanto preveem faturar até ao final do ano?
Este ano já seria um ano de redução de faturação pela concentração no foco e venda de algumas áreas de negócio. No entanto, devido ao impacto que a COVID-19 está a ter na economia, fizemos um plano de contingência e novos cenários de orçamento pós-pandemia razoavelmente conservadores, em que prevemos cenários de cerca de 40% de redução da faturação. Esperemos que em breve as coisas fiquem mais claras e previsíveis. Mas é muito importante gerir com muito rigor nestes contexto. Esperar o pior e trabalhar para o melhor.

“(…) o momento não poderia ser mais favorável para promover estratégias de colaboração nas empresas e ligar agentes de inovação em prol do desenvolvimento económico (…)”

De que forma a inovação colaborativa é agora uma oportunidade para as empresas?
Já está a surgir uma consciência de que, para sairmos desta crise, só o vamos conseguir trabalhando em conjunto – e isto pode ir desde o pequeno passo de ajudar o vizinho, a ajudar uma empresa a evoluir com uma parceria estratégica.

Perante o contexto de crise que vivemos, tão importante como conter este vírus, é impulsionar a capacidade das empresas se reinventarem de forma inovadora e colaborativa, sobretudo diante do impacto que esta pandemia terá para uma sociedade mais sustentável. A verdade é que já estamos a assistir a uma explosão da aceleração da transição digital e inovação e da colaboração em muitos setores e realidades.

A crise veio mostrar que existia uma capacidade de inovação intrínseca na maioria das organizações e que sob a pressão certa e com o sentido de urgência atual é possível alterar a cultura das empresas e os processos e formas de atuação empresarial. Agora é preciso manter este esforço e organizá-lo para que continue pós-fase de emergência, e é preciso reorganizar de forma mais estruturada a organização produtiva e económica que está e vai ter que continuar a acontecer.

Como tal, por mais politicamente incorreto que possa parecer esta frase, o momento não poderia ser mais favorável para promover estratégias de colaboração nas empresas e ligar agentes de inovação em prol do desenvolvimento económico, desta vez à escala global. Através da promoção de inovação entre empresas, entre start-ups e empresas e dentro das próprias empresas, podemos gerar convergência e complementaridade entre os modelos de negócio da velha e da nova economia.
Neste sentido, o nosso papel neste novo mundo está, precisamente, em promover um futuro colaborativo, fomentar o mindset de que a inovação acontece quando há interligação entre diferentes entidades e ligar diferentes players fundamentais para desenvolver a economia.

“(…)  esta crise, pela forma como está a afetar a vida de todos à escala global, tem potencial para contribuir para uma verdadeira mudança de paradigma”.

As start-ups já estão a sentir na pele a crise. Como carateriza a resposta do ecossistema empreendedor português à COVID-19?
Um momento de crise é também um momento de oportunidade, sendo que esta crise, pela forma como está a afetar a vida de todos à escala global, tem potencial para contribuir para uma verdadeira mudança de paradigma. Tal como todas as empresas, também as start-ups estão a passar por momentos difíceis, no entanto a capacidade do ecossistema se reinventar e juntar forças para combater a COVID-19 e ultrapassar esta crise tem sido impressionante.

Desde o surgimento de novas empresas, à adaptação dos negócios face às necessidades atuais, até à união para criar diariamente novas soluções que garantam a segurança dos portugueses (Tech4Covid), estamos a assistir a um pouco de tudo. No entanto, um ecossistema de empreendedorismo demora a construir, cerca de 10 a 20 anos, e estamos mais ou menos a meio caminho, pelo que é importante preservar o quanto possível este ativo que já é responsável por uma importante fatia do PIB e por criação de emprego especializado e de alto valor acrescentado.

Neste sentido, foi criado um grupo de trabalho com o Governo para colaborar no desenho de medidas de mitigação do impacto da COVID-19 no ecossistema empreendedor, e algumas das medidas pretendidas já foram anunciadas e estão a ser implementadas. As start-ups têm características muito próprias: são desenhadas para um crescimento acelerado, dependem de investidores profissionais de capital de risco, da capacidade de captar recursos altamente especializados e muitas vezes assentam em modelos de negócio que demoram a ser rentáveis. Por isso, é importante fazer o que for possível para encontrar soluções de apoio à tesouraria e flexibilização de investimento no ecossistema de start-ups nacional. Muitas já estão a sofrer, algumas a alterar profundamente a sua estratégia para se adaptar e sobreviver, e outras a beneficiar da crise, pois a tecnologia será parte da solução. A maioria dos Governos europeus e de todo o mundo tem apostado muito em proteger as start-ups como um ativo estratégico e penso que isso também vai acontecer em Portugal, dentro dos possíveis.

Que conselhos dá aos jovens empreendedores neste momento?
Os momentos de crise podem ser e são tipicamente momentos em que surgem muitas disrupções e onde são pensados novos modelos de negócio. Algumas das mais importantes start-ups atuais nasceram durante momentos de crise, e tipicamente a tecnologia é mais resiliente do que muitos outros setores.

É importante olhar para os desafios que existem neste momento na sociedade e na economia e focar em resolver os principais desafios que representam um bom mercado. As crises também criam mais desemprego e mais flutuações de talento, pelo que podem ser bons momentos para se atrair bons cofundadores e membros para uma equipa inicial. É importante apostar em setores onde seja possível criar competências e uma diferenciação a nível global e onde se tenha conhecimentos ou redes relevantes.

No entanto, é importante ser-se muito prudente, pois vai haver uma retração de investimento de capital de risco no curto prazo e um aumento grande dos factores de risco. Nem todos temos que ser empreendedores, nem todos temos esse perfil. É importante também numa lógica colaborativa conseguir agregar os bons recursos em torno dos melhores projetos, pois num país pequeno que já começava a ter desafios de talento e outros recursos, é importante apostas fortes nos que têm mais potencial de vingar no mercado global.

Trabalhar numa boa start-up pode ser a melhor opção macro neste momento, e ao mesmo tempo pode ser a melhor forma de se ganhar competências para depois se montar o seu negócio. De qualquer forma, os próximos tempos vão ser muito estimulantes e vai ser a nossa capacidade individual e coletiva de inovar que vai determinar a nossa capacidade de sair desta crise.

Quero também acreditar, que esta crise vai alterar de forma profunda a cultura das grandes empresas e de boa parte do tecido empresarial e que vai ser cada vez mais necessário e possível ser-se empreendedor e inovador dentro e à margem das grandes empresas e da renovação do tecido económico que vai ter que acontecer.

“Sinto que esta crise tem o potencial para contribuir para uma mudança estrutural da nossa sociedade e economia, e os próximos anos vão ser anos de reconstrução da economia (…)”

E que conquistas tem no horizonte para os próximos 10 anos?
Olhamos para os próximos 10 anos com grande entusiasmo, e o lado bom das crises passa pela necessidade de nos focarmos no essencial e de ganharmos um sentido de urgência e de foco aguçado, que nos mobiliza de forma determinada para fazermos parte da solução e do problema. Sinto que esta crise tem o potencial para contribuir para uma mudança estrutural da nossa sociedade e economia, e os próximos anos vão ser anos de reconstrução da economia assente em modelos mais colaborativos e mais conscientes e sustentáveis, algo que nos entusiasma.

Ao nível da Beta-i, esperamos que durante os próximos 10 anos consigamos ser uma organização cada vez mais global e com impacto cada vez mais relevante. Contribuir para o desenvolvimento de inovação e de novos modelos de negócios que permitam contribuir para a criação de novas soluções e acelerar a transformação da economia. Queremos muito ter um papel mais importante para tornar mais eficaz a colaboração entre grandes empresas, entre empresas inovadoras, universidades e Governos e contribuir para a criação de um futuro mais colaborativo, inovador e com propósito.

Respostas rápidas:
O maior risco: ceder ao medo e deixarmos de acreditar na colaboração e no “nós”
O maior erro: viver sem empatia e sem auto-consciência
A maior lição: somos do tamanho do que vemos e o mundo um reflexo do que somos
A maior conquista: ser feliz e encontrar o nosso propósito na vida

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