Quantos lados tem o fracasso?

Nenhuma empresa de Itzik Goldwaser, vice-presidente da Yissum, vingou até hoje, mas este não tem nenhum problema em reconhecê-lo e continua a tentar, ocupando um cargo que noutro país poucos arriscariam a confiar-lho.
Itzik Goldwaser é vice-presidente da Yissum, a segunda agência de transferência de tecnologia de Israel, responsável pela comercialização das inovações que a Universidade Hebraica de Jerusalém produz.
Da Yissum saíram medicamentos contra o cancro e o alzheimer, sistemas de visão para veículos inteligentes e até os tomates cherry. A sua carteira integra 9.300 patentes, que faturam mais de 2 biliões de dólares (cerca de 1,8 mil milhões de euros) por ano.
Na gestão de uma organização desta dimensão, provavelmente esperaria alguém com um currículo sem mácula e pleno de sucessos, mas a verdade é que nenhum dos projetos que Goldwaser liderou desde a sua licenciatura em 1994 vingou e este não qualquer problema em reconhecê-lo.
“Não estudei medicina para me dedicar à investigação académica”, referiu Goldwaser ao Expansion. “Não me interessava descobrir moléculas, mas sim pegar nelas e vendê-las e, quando comecei o doutoramento no Instituto Weizmann, procurei que todos os meus orientadores de tese fizessem ciência aplicada”.
No primeiro ano, registou cinco ideias. Uma delas tornava mais lenta a libertação de insulina, o que permitia aos diabéticos espaçar as injeções. Um fundo de capital de risco gostou da ideia e investiu três milhões de dólares (cerca de 2,7 milhões de euros). “Tudo corria bem, estávamos prontos para completar uma nova ronda de financiamento com uma empresa norte-americana. Faltava-nos o email com a confirmação, quando de repente ouço que um avião acabava de chocar contra as Torres Gémeas. Era o 11 de setembro de 2001. Aquele email nunca chegou…. Tínhamos feito tudo bem, não era culpa nossa, mas a fonte dos capitais americanos tinha secado e tive que fechar”.
De seguida Goldwaser integrou uma biotech que desenvolvia fórmulas de absorção dos fármacos através da pele, mas depressa se cansou de trabalhar por conta de outrem e fundou a NasVax.
Este considerava que tinha amadurecido depois da sua primeira aventura falhada. Acreditava agora que os investidores não se preocupavam se se fazia boa ciência ou se esta era inteligível. “Deves planear o trabalho de modo a que possas mostrar-lhes algo. Em farmacologia, a linha reta não é sempre o caminho mais curto e, se vires que não vais conseguir dinheiro com facilidade, convém parar, fazer um teste e dizer: ‘Ainda nos falta fazer muito, mas olhem, testámo-lo com animais e funcionou’. Há que programar a investigação de modo a que periodicamente tenhas algo para anunciar”.
Goldwaser apercebeu-se também que associar-se a nomes conhecidos ajuda a ultrapassar muitos obstáculos. Assim, requereu o uso de uma patente de Yechezkel Barenholz, o responsável pelo antitumoral Doxil e cujas vendas anuais rondam os 600 milhões de dólares (cerca de 536 milhões de euros). Esta licença permitia-lhe desenvolver uma vacina intranasal contra a gripe e as provas iniciais com ratos eram promissoras. “Decidimos levar a NasVax para a Bolsa e o simples facto da Barenholz estar por trás desta tecnologia entusiasmou os investidores. Foi assim que captámos 13 milhões de dólares [cerca de 12 milhões de euros]” num ápice, referiu.
Com esse montante solicitou autorização para efetuar ensaios em humanos, “mas um dos voluntários morreu-nos. Embora a vacina não tivesse nada que ver, as ações caíram e tive que abandonar essa linha de trabalho. A NasVax está agora concentrada em calmantes baseados na canabis”, contou.
Algum tempo depois de Goldwaser ter deixado a NasVax, “o advogado da empresa foi nomeado CEO da Yissum e contratou-me. Itzik, disse-me, preciso de alguém como tu nesta agência”.
O lado feliz do fracasso
Quando Edison contou que tinha feito mil tentativas para criar a lâmpada, um jornalista perguntou-lhe como se sentia uma pessoa depois de falhar mil vezes. Edison respondeu-lhe: “Não falhei mil vezes. A lâmpada foi uma invenção com mil passos”.
Ao contrário de Edison, a maioria das pessoas dá valor ao fracasso, achando que, no geral, é algo quase inaceitável. Segundo a jornalista Kathryn Shulz, “estamos muito enganados sobre o que significa estar errado. Não é um sinal de inferioridade intelectual, mas uma fase essencial da aprendizagem”.
A capacidade de ultrapassar os obstáculos é uma virtude altamente apreciada em Israel. “Quase se fomenta”, referiu o fundo de capital de risco JVP ao Expansion, acreditando que “alguém que continua a tentar depois de sofrer um revés possui caráter e perseverança”.
Mas o fracasso também tem outro lado. E esse lado “é uma porcaria”, como referiu o empreendedor e coach Nick Usborne.
O lado infeliz do fracasso
Miguel Ors Villarejo, jornalista espanhol, partilhou no Expansion que, no verão de 2009, esteve com o seu amigo Emilio González, um consultor e que, ao lhe perguntar como iam as coisas, este respondeu:
“Considerando que, em finais de julho, pedi um acordo de credores e liquidação da sociedade perante o tribunal do comércio e que agora tenho quase que começar do zero, a notícia da depressão pós-férias que acabo de ouvir no telejornal parece-me uma brincadeira de mau gosto”.
González explicou a Villarejo que algum tempo atrás tinha resolvido sair de uma empresa para a qual fazia consultoria de recursos humanos. “Não tinha sentido partilhar as receitas com diretores que não traziam faturação nem me ajudavam em nada. Limitavam-se a ceder-me um gabinete e a meter a mão no final do ano”, partilhou.
Villarejo poderia ter apenas saído, mas tal não lhe parecia honesto. Procurou um sócio e, entre os dois, combinaram pedir ajuda ao fundo do comércio espanhol e ficar com a carteira de clientes. Não quiseram despedir ninguém e ficaram com todos os colaboradores. “Agora não o teria feito assim. Se manter os números já era difícil durante o boom, depois da falência da Lehman Brothers tornou-se completamente impossível” “, confessou. Chegou um momento em que já não conseguiam pagar nem os ordenados nem a dívida contraída com os antigos chefes, pelo que tiveram de declarar insolvência.
“Temos 90 mil euros pendentes de cobrança e devemos aos fornecedores 80 mil. O que não tem solução são outros 60 mil euros que tínhamos dos bancos. Claramente, não podemos devolvê-los. Se quiserem exigi-los através de processo judicial, avancem. Não creio que acabemos na prisão. Certamente que nos inibirão para sempre como administradores, mas que me interessa? Até me fazem um favor. Não vou tornar a empreender na vida”, confessou González.
A difícil experiência de González não é uma exceção. O canadiano Nick Usborne partilhou igualmente o percalço empreendedor por que passou. “Há 15 anos empenhei o meu capital, o meu coração e a minha alma numa aventura que significava muito para mim. E correu mal”. escreveu Nick Usborne. “O fracasso em grande escala pode ser uma magnífica oportunidade para aprender, mas castiga-te severamente. No dia em que aconteceu o fecho daquele negócio caí numa profunda depressão. Um completo desastre. A minha confiança estava de rastos. O meu mundo tinha-se apagado. Sob o ponto de vista financeiro, não me arruinei completamente, mas só agora […] começo a arrastrar-me para fora do buraco”, confessou.
O ecossistema
O publicitário Ralph Heath partilhou na Celebrating Failure que “um dos segredos do sucesso radica em movermo-nos para fora da zona de conforto, mas sem sair da área em que somos mais fortes”. Trata-se de assumir riscos controlados, de fazer algo que ninguém tenha ainda tentado (a lâmpada, a vacina intranasal…), mas sem nos lançarmos no vazio.
Villarejo confessou no Expansion a sua visão sobre o ecossistema espanhol e não é animadora. Segundo este, “o problema é que, em Espanha, a zona de conforto não termina numa agradável encosta, mas sim num precipício. E tens de descê-lo na vertical porque não há um conjunto de business angels que te acudam para te amparar caso percas o chão. Os negócios são financiados com empréstimos e, quando chegas ao fundo arrastam-te com toda a equipa.
Mas voltando a Goldwaser e a Israel, o país dispõem de opções que outros não têm. Como explica, em Israel “a primeira coisa que fazes é dirigires-te a uma agência como a Yissum, escolheres uma patente e subscreveres um contrato que te concede a sua exploração durante 12 a 18 meses. Uma vez com a tecnologia já podes receber dinheiro. Existem fundos de capital de risco e programas públicos que apoiam os projetos em fase inicial. Também podes recorrer a uma incubadora. A maioria são privadas. Expões-lhes a tua ideia e, se os convenceres, estes irão junto do diretor científico do Ministério da Economia que adiantará 85% dos recursos iniciais. Não perdes nada por empreenderes”.
Israel detém um ecossistema em que o risco é atribuído aos agentes que estão em melhor posição para o suportar: investidores e grandes multinacionais que se podem dar ao luxo de falhar nove vezes seguidas, porque sabem que na décima ou na décima primeira recuperarão largamente o total investido.
Conquistar a sua confiança não é um processo simples, mas neste país umas feridas de combate são um argumento persuasivo. Para estes investidores, um historial de fracassos não é um problema. Pelo contrário. São cicatrizes, méritos contraídos em serviço, são a prova de que se foi submetido a fogo real. Para estes investidores, os falhanços são vistos como algo que torna esse empreendedor num sargento veterano que todos os comandantes quererão ter no seu batalhão. “Pensam que aprendeste com os teus erros e que não vais repeti-los”, partilhou Goldwaser.
Foi esta mentalidade que fez de Tel Aviv um dos centros mais dinâmicos do planeta, com 1,2 start-ups por cada mil habitantes, uma densidade apenas superada por Silicon Valley.
Incentivos
“Em Espanha falta-nos a cultura do fracasso”, denunciava ao La Vanguardia, em 2011, Xavier Verdaguer, um empresário catalão radicado na Califórnia. “Às vezes tens de o agarrar para […] fazeres melhor”, referiu.
Já González acredita que “o fracasso é atrativo quando faz parte de uma história de sucesso”, que depois da tormenta porque passou é hoje consultor independente. Este relembra Steve Jobs. Segundo este, “o caso de Steve Jobs é muito revelador. Quem se recordaria dele se a sua trajetória tivesse terminado em 1985, quando John Sculley o afastou da Apple?”, relembrou.
Mas nem todos são tão positivos e pensam desta forma. Para Villarejo, a situação de Jobs não se aplica a Espanha, onde pensa que este teria tido mesmo um final abrupto aquando do afastamento. “Aqui as aventuras falhadas raramente têm continuidade. O ambiente financeiro impede as experiências. Os empreendedores funcionam com avales bancários e devem acertar à primeira. Caso contrário ninguém lhes oferecerá uma segunda oportunidade. Pelo contrário. Provavelmente serão incluídos numa lista de maus pagadores”, escreveu.
Fracassar ou vencer nem sempre dependem apenas do empreendedor e das suas decisões, é certo. A realidade jurídica, económica e social do país onde o faz têm muito peso, bem como imprevistos e decisões que não dependem de si.
Mas a verdade é que, como afirmou Sigmund Freud, “de erro em erro, vai-se descobrindo toda a verdade” e, como relembrou Franklin Delano Roosevelt, “o único homem que não erra é aquele que nunca faz nada”, sendo que “a única coisa que devemos recear é o próprio medo”.