Opinião

Prefiro discutir a semana de trabalho de 7 dias

Ricardo Tomé, diretor-coordenador da Media Capital Digital

A atual discussão em torno da semana de 4 dias de trabalho tem levantado boas e pertinentes ideias, reflexões, comentários e até desabafos (quer de colaboradores quer de entidades patronais, sindicatos, políticos, ..). Mas ainda que o objetivo aparente seja positivo (procurar um modelo que nalguns casos possa servir melhor empresas e colaboradores) fico desanimado ao ver falar do trabalho como se ele fosse pano de fundo do demónio, um mal com o qual temos de viver e que melhor seria não o ter.

Claro que há diferenças entre não depender do trabalho e precisar do mesmo. Mas a conotação negativa do trabalho não é sinónimo para todos. Aliás, vários estudos na área da sociologia do trabalho demonstram que, mesmo podendo, mais de metade (encontrei como valor mais consistente perto dos 60%) das pessoas afirma que continuaria a trabalhar mesmo que não precisasse financeiramente do salário desse trabalho.

O que prova que o trabalho tem um papel na nossa vida. Seja porque nos contextualiza na sociedade (olá, eu sou ______ e trabalho em _____). Seja porque nos ajuda a um sentido (trabalho aqui na circunstância em que perseguimos um objetivo de forma laboriosa e metódica). Seja porque nos preenche o tempo (é bonito sonhar com a reforma e fazer o que não se conseguiu, mas descobre-se depois que essa lista esgota-se rapidamente). Seja porque nos ajuda a marcar e aproveitar o tempo de outra forma (os dias da semana, as pausas, saborear os feriados e as férias, um relógio paralelo ao ritmo da sociedade).

Então onde está o mal em se falar da semana de 4 dias?
Em lado algum.
Da mesma forma que não há mal nenhum em falar de trabalho flexível.

Mas desejava que o debate não tivesse o trabalho como assunção de vil companhia, onde é sempre preferível a menos do que a mais. Como uma herança e símbolo de uma escravatura ao mesmo, que nos prende e impede de viver a vida como merece ser vivida.

Esse dia em que o trabalho não tem importância maléfica mas antes proveitosa. Porque seja qual for o trabalho, quem o executa tira partido dele nas suas várias formas. Como experiência pessoal, profissional, social (não esquecer a importância nesta componente). Porque obtém um retorno financeiro. Porque impele a uma melhoria contínua e traz objetivos que ao invés de serem frustrantes, são empolgantes.

Isto será um delírio, dirão alguns.

Mas depois conhecemos gente que continua o seu trabalho dia após dia sem se queixar, e até mesmo por vezes sem precisar financeiramente do salário em parte ou por inteiro. E mesmo sendo exigente física ou intelectualmente. A trabalhar na terra, no campo. Na loja, sua ou da família. Nos serviços. Na investigação. Consultoria. Etc. E não vemos essas pessoas a querer largá-lo, antes a falar do mesmo com um sorriso afável.

Gostaria de ver tamanha energia, tempo, dedicação e recursos a debruçarem-se sobre como pode o trabalho ser bom. O que nos levaria, caso a caso, setor a setor, a criar condições para o máximo de pessoas (nunca iremos agradar todos, e alguns fazem mesmo questão de só estarem felizes quando estão do outro lado) gostarem do trabalho sem se importarem se ele ocupa mais ou menos tempo, até podendo estar “presente” ao longo dos 7 dias, distribuído e sem malograr a vida pessoal, porque afinal de contas a forma como distribuímos o tempo a ele dedicado terá deixado de ser o mais relevante.

Discuta-se os 4 dias, ou 5, ou 4 e meio. Ou 6 ou 7. Se com isso eu conseguir conjugar melhor o trabalho com a minha vida pessoal, os afazeres familiares, a formação, as paixões e hobbies e os imprevistos. Mas façamo-lo sem esquecer de falar igualmente do mais importante, o retorno positivo de ter uma ocupação gratificante nas nossas vidas, mais do que quanto tempo dura o mesmo como se falássemos de tortura e de pesadelo a exterminar um destes dias.

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Ricardo Tomé

Ricardo Tomé

Ricardo Tomé é Diretor-Coordenador da Media Capital Digital, empresa do grupo que gere a estratégia e operação interativa para as várias marcas – TVI, TVI24, IOL, MaisFutebol, AutoPortal, etc. – com foco especial na área mobile (Rising Star, MasterChef, SecretStory) e Over-The-Top (TVI Player), bem como ativação de conteúdos multiscreen em todas as plataformas e realizando igualmente a ponte com o grupo PRISA nas várias parcerias: Google & YouTube, Facebook, Twitter, Endemol, Shine, entre outras. Foi, até 2013, coordenador da... Ler Mais..

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