Opinião
Porque é que em Portugal é tão raro termos boas cantinas?

Quem já visitou um Googleplex, um dos escritórios centrais da Google espalhados um pouco por todo o mundo, terá eventualmente tido a oportunidade de experimentar a “famosa” cantina da Google.
Tive a oportunidade de visitar duas instalações centrais da Google na Europa, os escritórios em Dublin, e em Londres – e é de facto uma experiência única. As cantinas dispõem de vários tipos de refeição, podemos escolher um menu alargado de comidas e bebidas, e todos os dias existem pratos temáticos de uma gastronomia variada, indiana, mexicana, francesa…
A comida é preparada por chefs no próprio dia e é servida em regime de buffet, self-service para os colaboradores da empresa, que assim evitam “comer uma sandwich” à pressa nos postos de trabalho, ou ausentar-se por longos períodos para almoçar fora e são também uma forma de persuadir os colaboradores a virem trabalhar para o escritório, ao invés de ficarem em teletrabalho.
No entanto, esta realidade não está limitada às grandes tecnológicas. Recentemente tive a oportunidade de almoçar na cantina da empresa ÖBB, que é a companhia dos caminhos de ferro austríaca, a equivalente à nossa CP, uma empresa pública bem gerida, que fatura tanto como as nossas maiores empresas do PSI20, cerca de 7,5 mil M€ e tem lucros de mais de 600M€, com mais de 40.000 colaboradores. Uma verdadeira instituição austríaca, respeitada pela pontualidade dos seus comboios, serviço inclusivo, grande capilaridade da sua rede e elevado nível de serviço.
E a minha experiência foi em muito aspetos semelhantes à que tive quando almocei no Googleplex de Londres. Esta cantina da ÖBB em Viena não tinha luxos, mas era muito bem decorada, com um menu variado, ampla escolha de bebidas, e um preço na casa dos 6€ por refeição completa. Uma empresa pública, com uma cantina ao nível das grandes tecnológicas de Silicon Valley, que são, como se sabe, as empresas mais valiosas do mundo. Fiquei surpreendido!

Aspeto geral da cantina dos funcionários da ÖBB no centro de Viena
No entanto, em todas as empresas e universidades que tenho visitado ou trabalhado em Portugal, o cenário é muito diferente… As cantinas são quase sempre um pensamento secundário da gestão, o que faz com que as mesmas tenham, regra geral, um menu fraco e com poucas opções, comida muito pouco sofisticada e uma seleção paupérrima de fruta e pastelaria. O que me leva a fazer a pergunta, porque é que em Portugal é tão raro termos boas cantinas?
A principal razão tem a ver com o facto de as cantinas ou cafetarias não serem percebidas como atividades chave da empresa. Tanto no caso da Google como da ÖBB, as cantinas não são concessionadas, mas, antes, o serviço é prestado por colaboradores das respetivas empresas. A terciarização leva ainda a outro fenómeno, que é ao da desresponsabilização, ou pelo menos falta de capacidade de reação a críticas construtivas por parte dos trabalhadores, por parte de quem gere a concessão.
Uma cantina concessionada tem de “ser negócio” para o concessionário, e, portanto, não pode ser operada com perdas financeiras. Isto leva-nos ao segundo ponto, o conflito de agência, isto é, os interesses do concessionário que “oferece” as refeições, e da empresa, que quer “alimentar” os seus colaboradores, não estão alinhados. O concessionário quer oferecer uma refeição que maximize a sua margem, pelo montante pago diretamente pelo colaborador, e pela empresa – portanto, tem muito pouco incentivo em operar com um custo de comida mais elevado, ou contratar bons serviços de cozinha, ou pagar generosamente aos seus funcionários.

Estação bar das saladas
Um negócio de concessão de refeições é quase sempre uma relação perda-perda, em que nenhuma das partes está particularmente contente e em que ambas se sentem muito limitadas na sua liberdade de atuação – o concessionário pelo preço máximo que pode cobrar pela refeição e a empresa por aquilo que pode pedir ao concessionário fora do caderno de encargos, negociado no início da relação contratual. Estão num péssimo casamento, que ambos sabem poderá não ser renovado no final do período contratual e que tipicamente é negociado por um período de 2 anos.

A minha refeição do dia, “schnitzel” de peru, salada, com sumo e pana cota de frutos vermelhos
Infelizmente, a cultura de baixa exigência por parte dos trabalhadores ou clientes também não ajuda. É obvio, que em Portugal também se come muito bem. De facto, a nossa culinária e pastelaria são consistentemente consideradas uma das mais saborosas do mundo, e muitos restaurantes e operadores de catering portugueses têm ganho reputados prémios internacionais. O que torna esta questão ainda mais premente!
No entanto, as expectativas por parte dos colaboradores são tão baixas que aceitam, passivamente, o serviço do concessionário, sobretudo porque aceitam o contrato implícito de refeições abaixo do preço de mercado, e de relativa baixa qualidade, por não terem referências muito melhores. Note-se que, no caso da Google, os colaboradores almoçam de graça e, no caso da ÖBB, pelo preço do subsidio de refeição em Portugal, num país onde o salário médio é duas vezes superior – em 2023 era de 30€/hora enquanto o português se situa nos 13,7€/ hora -, sem que haja compromisso na qualidade das refeições.
As soluções para os conflitos de agenda são um dos temas mais complexos da gestão, que continuam a ser ativamente estudadas, porque implicam criar avenidas de convergências de interesse que muitas vezes não são óbvias, ou que não podem de todo ser conciliadas, e nesses casos, a gestão deve considerar soluções alternativas, como a internalização.
No meu caso, enquanto organizador de eventos, em particular da Productized Conference, também conheço bem este problema, porque durante alguns dias, tenho a responsabilidade de alimentar centenas de pessoas e a minha estratégia, que considero relativamente bem sucedida, tem passado por a) antes dos eventos, faço questão de testar e provar todas as refeições e selecionar criteriosamente o menu, b) negoceio menus com as empresas de catering que vão de encontro ao que conheço serem os gostos e necessidades dos participantes dos nossos eventos, procurando não esmagar as margens do operador, mas, tendo sempre em cima da mesa várias ofertas, e c) promovo ativamente alternativas que não fazem parte da proposta inicial, convidando os meus fornecedores a inovar, nomeadamente a nível da sustentabilidade e quase sempre, encontro grande receptividade.
Em suma, a diferença significativa na qualidade das cantinas nas empresas apresentadas, em comparação com as cantinas em Portugal, revela a importância de uma gestão interna dedicada e a percepção das cantinas como uma extensão estratégica do ambiente de trabalho. A terceirização e a falta de alinhamento de interesses entre as partes envolvidas muitas vezes resultam em serviços insatisfatórios e experiências alimentares medíocres que em nada contribuem para a retenção e motivação dos colaboradores. Para melhorar esta situação em Portugal, é crucial que as empresas reconheçam o valor das cantinas e adotem abordagens inovadoras e alinhadas com os interesses dos seus colaboradores, como é o caso das grandes tecnológicas e em algumas empresas bem-sucedidas.