Opinião
Por uma política de apoio ao “empreendedorismo com foco local”!

No início deste mês de novembro teve lugar em Lisboa, uma vez mais, a Web Summit, que foi eleita pela revista Forbes a “melhor conferência de tecnologia do planeta”[i] e que reuniu os “melhores” oradores, investidores, empresas, empreendedores e os demais agentes do empreendedorismo do mundo inteiro.
E falou-se muito de empreendedorismo, de crescimento à escala global, de aceleração e venture capital dentro e fora da Altice Arena. E tal já vai sendo usual no âmbito de um país que se pretende dinâmico, vanguardista e em crescimento. Mas, do que é que estamos realmente a falar quando falamos de empreendedorismo?
Atendendo às estatísticas e aos relatórios especialistas da área, constatamos que existem dois grandes tipos de empreendedorismo: o “Empreendedorismo com foco global” e o “Empreendedorismo com foco local”.
Inovações como a Google, o Facebook, a Amazon, a Feedzai ou a Talkdesk (para citar algumas portuguesas) estão naturalmente associadas ao “Empreendedorismo com foco global”: têm uma implementação global, criam empregos também à escala global, mas requerem investimentos bilionários em inovação para continuarem a crescer.
Já o “Empreendedorismo com foco local”, grandemente associado às PMEs, visa fundamentalmente a satisfação das necessidades locais e regionais, sendo responsável pela criação de empregos em menor escala (micro, pequenas e médias empresas), mas requer um investimento incomparavelmente menor em inovação.
Tendo por base ambos os tipos de empreendedorismo, é preciso não esquecer que as PMEs constituem a essência de muitas economias, como a portuguesa ou a europeia, representando entre 95% a 99% de todo o tecido empresarial! E mesmo nos EUA, as PMEs e o próprio “auto-emprego” constituem um mecanismo poderoso de emprego, crescimento económico e de recuperação pós-crise. Para além disso, embora o impacto dos “gigantes empresariais” associados ao “Empreendedorismo com foco global” seja indiscutível, tal é válido apenas para os casos bem-sucedidos, casos em que o investimento bilionário obteve retorno.
No entanto, levando em conta o universo das empresas associados ao “Empreendedorismo com foco global”, a realidade mostra-se bem diferente, revelando demasiados casos em que o investimento milionário falha e constitui uma perda avultada. A título de exemplo, e para citar o caso mais positivo (EUA, onde o “Empreendedorismo com foco global” é significativamente mais bem-sucedido, por comparação com a Europa), de acordo com as estatísticas cerca de 90% das start-ups altamente inovadoras falha (revista Forbes[ii]), afundando todo o capital investido.
Perante esta realidade, podemos questionar qual é a relevância destes dois tipos de empreendedorismo para o crescimento de Portugal e de que forma podemos apoiar o seu desenvolvimento?
Tal como temos vindo a apresentar, ambos os tipos são determinantes e contribuem para o desenvolvimento económico e social tanto ao nível nacional, como regional e local. No entanto, tratam-se de dois tipos de empreendedorismo distintos, com problemas e necessidades distintas, que carecem de apoios, de incentivos e de políticas públicas também distintas. A ênfase nas “aceleradoras”, nos business angels”, nos “venture capitalists” ou nos programas de mentoring especialmente desenhados para apoiar start-ups tecnológicas parece ir ao encontro de apenas um tipo de empreendedorismo.
Em tom de síntese, urge o desenvolvimento de políticas públicas realmente centradas na criação e florescimento de PMEs, que vão ao encontro das reais necessidades das pessoas, para que possam ser cada vez mais inovadoras e geradoras de alto valor-acrescentado
[i] https://websummit.com/
[ii] https://www.forbes.com/sites/neilpatel/2015/01/16/90-of-startups-will-fail-heres-what-you-need-to-know-about-the-10/#759805766679
*Coordenadora da Escola de Liderança e Inovação do ISCSP – Universidade de Lisboa