Opinião
Os seus Dashboards são autênticos Horóscopos?

P.T. Barnum foi um empresário, homem do espetáculo e político norte-americano do século XIX, conhecido como o “pai do entretenimento moderno” e considerado um dos maiores mestres da manipulação da perceção pública. De nome completo Phineas Taylor Barnum (1810–1891), fundou o que viria a ser o famoso Ringling Bros. e Barnum & Bailey Circus, ou também conhecido como “O Maior Espetáculo da Terra”!
“There’s a sucker born every minute” / “Nasce um pateta a cada minuto” é uma sua frase famosa (mas que talvez nunca a tenha dito…), e que ficou associada à sua filosofia de negócio: explorar a credulidade humana como parte do espetáculo. Dela se originou o chamado Efeito Barnum (ou Validação Forer): a tendência das pessoas aceitarem afirmações vagas e genéricas como sendo descrições precisas e personalizadas de si próprias (e acertadas!).
Ora vejamos:
Publicidade “Perfeita”:
já alguma vez sentiu que um anúncio no seu feed foi feito especificamente para si? Aquela sensação de que ‘leram a sua mente’ e lhe apresentaram exatamente o que precisava?
Resultados de testes online:
fez um teste online que lhe disse qual ‘tipo de líder’ ou ‘perfil de empreendedor’ você é, e sentiu uma estranha precisão – mesmo sabendo que era um teste genérico, pensou que o resultado era mesmo você!
Relatório sobre a sua marca:
o seu público refere valorizar marcas autênticas, quer experiências personalizadas e responde bem a mensagens emotivas – isto é exatamente o que você tem andado a dizer nos últimos meses a toda a gente!
Este Efeito Barnum/Validação Forer é a a sensação de “acerto” que pode ser uma ilusão da personalização, onde a nossa mente preenche as lacunas e adiciona o significado que pode não existir.
Vejamos o exemplo de Bertram Forer e o seu estudo de 1949*: este psicólogo norte-americano deu aos seus alunos um teste de personalidade e, depois, entregou a todos exatamente o mesmo perfil genérico. Surpreendentemente, a maioria avaliou o perfil como sendo altamente preciso e corresponde a si mesmo. O estudo demonstrou por isso como somos propensos a aceitar descrições vagas como se fossem personalizadas.
O Efeito Barnum na gestão
Mas então por que podemos cair nesta armadilha do horóscopo aleatório que sempre parece encaixar na previsão pessoal do nosso dia?
Viés de confirmação:
Procuramos e damos mais peso à informação que confirma as nossas crenças.
Desejo de aceitação/validação:
Gostamos de nos sentir compreendidos e únicos.
Ambiguidade intencional:
Muitas declarações “Barnum” são formuladas de forma tão vaga que se aplicam a quase toda a gente.
E por mais que isto possa parecer-nos ocasional, estas situações rodeiam-nos:
- Segmentações de audiência demasiado genéricas, mas que nos parecem “personalizadas”;
- Dashboards com KPIs ambíguos onde sempre se pode tirar uma leitura positiva;
- Relatórios de tendências de consumidor que dizem tudo e nada ao mesmo tempo, mas que alguém usa para confirmar uma hipótese pré-existente;
- Feedback e avaliações de desempenho: como algumas descrições em avaliações podem ser vagas e genéricas, e como gestores e colaboradores podem “ver” a si próprios nessas descrições, mesmo que se apliquem a muitos;
…
Como usar (e não usar) o Efeito Barnum
Não precisamos ficar apenas preocupados e levantar a barreira do pensamento crítico para nos protegermos do Efeito Barnum tagarela, vigarista e dissimulador. Ele também nos pode ser útil. Como? Com cautela. Mas por exemplo:
Geração de leads e engagement:
nalgumas fases do funil de vendas, utilizar mensagens mais genéricas e amplas podem despertar o interesse inicial e encorajar a personalização posterior (ex: “Descubra o seu potencial…”); é aliás uma ferramenta da escrita publicitária de há mais de um século, e não é por acaso.
Criação de conexão emocional:
Frases que tocam em aspirações universais podem criar uma primeira ligação; afinal de contas somos seres sociais e ambicionamos em boa verdade sonhos muito comuns.
Evitar a falsa personalização:
abusar pode levar ao risco de alienar o cliente ou colaborador quando percebe que a mensagem não era tão pessoal assim.
Rever o discurso:
se nos vamos dirigir politicamente ao eleitorado ou ao grupo de acionistas ou colaboradores, devemos olhar a mensagem e procurar o Efeito Barnum; se ele existir, significa que estamos num conjunto de “rodriguinhos” e “generalidades” sem ações concretas – é corrigir asap!
Dashboards que não são horóscopos:
ao invés de um conjunto de gráficos e tabelas, setas e indicadores que abundam, olhar para os insights possíveis de extrair e validar se estamos perante dados pertinentes para tomada de decisão ou apenas conhecimento sem consequência.
É como o vinho!
Para um apreciador de bons vinhos como eu, isto é quase como lembrar a habitual circunstância da prova de um belo tinto, onde rodeamos o copo e deambulamos para encontrar no nariz e palato os aromas escondidos, por vezes sucumbindo à sugestão do mais velho na sala e repetindo que pois claro, é um vinho terroso, com notas de madeira tostada, carvalho, amoras e ameixa… como afinal são metade deles!
Ora pois fiquemos atentos ao Sr. Barnum e ao Sr. Forer, que isto de ler o horóscopo tem graça e desbloqueia as conversas da manhã no escritório, mas gerir a empresa com base em Mercúrio Retrógado é que pode já não ser a melhor opção.
* Bertram R. Forer (1949) – “The fallacy of personal validation: A classroom demonstration of gullibility”, Journal of Abnormal and Social Psychology, vol. 44(1), pp. 118‑123