No âmbito do Growth Forum que decorreu na semana passada em Lisboa, o líder da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa traça caminhos e desafios para a economia portuguesa. E fala das propostas da CCIP para o desenvolvimento económico do país.

Portugal tem hoje a capacidade de se consolidar como uma ponte nas decisões internacionais e como mediador entre atores, países e mercados distantes. Quem o garante é Bruno Bobone em entrevista ao Link To Leaders.

Para o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP), Portugal pode não ter a dimensão para assumir um papel de força na economia e comércio internacionais. “No entanto, demitirmo-nos de procurar estar na linha da frente dos negócios do futuro só nos tornará mais periféricos, mais irrelevantes e mais dependentes das decisões tomadas por terceiros”, defende.

Portugal está preparado para competir na economia globalizada atual?
Portugal conta hoje com a capacidade de se consolidar como uma ponte nas decisões internacionais, como mediador entre atores, países e mercados distantes, surgindo como um interlocutor idóneo na geração de consensos estáveis e sustentáveis e como catalisador do processo de desenvolvimento internacional. Pode e deve assumir esse papel preponderante na transformação e no futuro da política, e economia globais.
Esta é a visão que defendemos e que lançamos em debate através do Growth Forum que reuniu, no passado dia 11 de abril, figuras internacionais e nacionais de destaque do mundo da política e dos negócios, com o objetivo de consolidar e projetar o papel do nosso país no cenário global, presente e futuro.

“Contamos hoje com empresas mais fortes e gestores mais preparados, que após iniciarem este desafio da internacionalização, deparam-se com esta oportunidade que é fazer do mundo o mercado de Portugal”.

Quais os desafios e oportunidades que se colocam às empresas portuguesas?
A recuperação da economia portuguesa após a crise financeira e o crescimento verificado nos últimos anos alicerçaram-se, de maneira decisiva, no dinamismo das exportações e dos processos de internacionalização das empresas nacionais, relevando-se como uma oportunidade para o tecido empresarial português e para a projeção global do nosso país. Neste sentido, contamos hoje com empresas mais fortes e gestores mais preparados, que após iniciarem este desafio da internacionalização deparam-se com esta oportunidade que é fazer do mundo o mercado de Portugal. Durante muitos anos assumiu-se que existiam mercados preferenciais para as empresas portuguesas – o que é um facto se considerarmos os mercados da diáspora e países de língua portuguesa. Contudo, não nos podemos restringir a estes mercados e temos de ter a ambição de entrar nos ainda não explorados. O plano de missões internacionais da CCIP para 2019 reflete precisamente esta escolha.

O que é preciso para que as empresas nacionais se tornem mais competitivas e assumam um papel de destaque na economia e comércio internacionais?
É fundamental continuar a apostar na formação dos quadros das empresas como principal fator de diferenciação. Só com quadros preparados podemos almejar níveis de criatividade e inovação que nos tornem competitivos num mercado global. Consciente desta necessidade, a CCIP está a desenvolver, em parceria com a Universidade Nova, uma pós-graduação em gestão para quadros de PME. Estas empresas não podem dispensar os seus colaboradores durante um ano ou dois para eles poderem ter mais formação e, por isso, este curso vai dar resposta a essa necessidade, permitindo a formação ao mesmo tempo que o trabalho.

“(…) demitirmo-nos de procurar estar na linha da frente dos negócios do futuro só nos tornará mais periféricos, mais irrelevantes e mais dependentes das decisões tomadas por terceiros.”

Terão os portugueses valências próprias que lhes permitam mudar de paradigma e afirmar, de uma vez por todas, a sua competitividade na União Europeia e no Mundo?
É certo que não temos dimensão para assumir um papel de força na economia e comércio internacionais. No entanto, demitirmo-nos de procurar estar na linha da frente dos negócios do futuro só nos tornará mais periféricos, mais irrelevantes e mais dependentes das decisões tomadas por terceiros. Temos a capacidade de nos afirmarmos como um interlocutor idóneo na geração de consensos estáveis, sustentáveis e, também, como catalisador do processo de desenvolvimento internacional.

Exemplos de empresas portuguesas que se tenham destacado além-fronteiras?
São tantas as empresas com histórias de internacionalização de sucesso que acaba por ser injusto estar a personalizar. Contudo, vou destacar três que apresentaram os seus casos no Growth Forum. No setor da indústria, a Sugal e a Renova e, nas novas tecnologias, a WeDo. Todas elas são excelentes exemplos de inovação e sucesso além-fronteiras e extraordinários embaixadores da marca Portugal no Mundo.

Em que mercados internacionais estão as empresas a encontrar mais potencial de crescimento e de segurança? Algum a que os empresários nacionais devam estar particularmente atentos?
Temos de ter a ambição de fazer do Mundo o mercado de Portugal! Temos empresas portuguesas de excelência nos mais diversos setores de atividade como a indústria, as novas tecnologias ou o têxtil e o calçado. Há procura por estes produtos nos mais diversos mercados. Digo-lhe isto por experiência própria ao acompanhar muitas destas empresas nos seus trajetos de internacionalização. Este ano, a câmara pretende organizar 28 missões e levar as empresas portuguesas a novos mercados com potencial de crescimento, e que se revelam recetivos aos produtos nacionais como a Etiópia, o Peru, o Vietname, Myanmar ou o Quénia. Além dos mercados já bastante procurados pelos portugueses e que temos acompanhados anualmente com sucesso como México, Angola, EUA, Polónia ou Colômbia.

Que fatores diferenciam os empresários portugueses? Quais são as suas principais caraterísticas?
O tecido empresarial nacional tem como principal característica ser bastante diversificado. Temos empresas e empresários muito fortes em setores de atividade como a indústria, as novas tecnologias ou o têxtil e o calçado. Neste sentido, é difícil particularizar algumas caraterísticas, mas sem dúvida que a capacidade de adaptação a novos contextos e o estabelecimento de relações em novos mercados são umas das principais.

As empresas familiares continuam a ter um peso muito grande na economia? Isso é um travão à internacionalização ou essa ideia está ultrapassada?
Essa ideia está perfeitamente ultrapassada. Quando dei os exemplos de sucesso nos processos de internacionalização referi a Renova e a Sugal que são empresas familiares, o que não foi impedimento para conquistarem novos mercados.

O que podem o empreendedorismo e a inovação nacional, de que tanto se fala atualmente, fazer pela economia nacional?
São fatores fundamentais de promoção do crescimento económico no país. Temos de consolidar o nosso crescimento assente numa economia do conhecimento que promova elevados níveis de inovação e de empreendedorismo. Há um sinal muito positivo neste particular que é o número crescente de start-ups e empresas tecnológicas em Portugal.

Qual tem sido o papel da CCIP em relação às empresas portuguesas que queiram construir marcas globais?
Nos últimos anos, assistimos a uma transformação positiva do empresariado nacional que superou adversidades e conquistou novos mercados. Neste processo, temos-nos assumido como um parceiro de referência para a internacionalização e incremento das exportações das PME’s. Este tem sido um dos principais pilares da nossa atuação e crescimento com resultados encorajadores que nos motivam para fazer cada vez mais e contribuir cada vez melhor para o sucesso das nossas empresas além-fronteiras. Nos últimos quatro anos, organizamos mais de 50 missões empresariais, envolvendo mais de 250 empresas. Entre 2014 e 2018 foram investidos mais de um milhão de euros na preparação e realização das missões empresariais. Mas o apoio à internacionalização das empresas não se limita às missões; o nosso plano de atividades contempla a realização de seminários que aprofundam a realidade económica e comercial de determinados mercados e promovemos sessões individuais e personalizadas entre as empresas e os nossos representantes locais.

“Os salários baixos nunca podem ser a base de sustentação do desenvolvimento. A primeira responsabilidade de um líder empresarial é assegurar-se de que a sua equipa está bem preparada e incentivada para o desafio de enfrentar o mercado”.

Que outras propostas tem a CCIP para o desenvolvimento económico do país?
Acreditamos nos benefícios inerentes a uma sociedade civil mais ativa, participativa e disposta a discutir os assuntos relevantes. Esta casa tem promovido o debate e apresentado linhas de ação que visam provocar uma transformação positiva na sociedade, na economia e promover um melhor ambiente de negócios. Neste contexto, gostaria de salientar um vetor fundamental para a nossa economia que exige profundas transformações e o qual temos defendido reiteradamente: a criação de um salário digno. Os salários baixos nunca podem ser a base de sustentação do desenvolvimento. A primeira responsabilidade de um líder empresarial é assegurar-se de que a sua equipa está bem preparada e incentivada para o desafio de enfrentar o mercado.

A primeira responsabilidade de um trabalhador é assegurar-se de que o seu trabalho é da melhor qualidade e eficácia possíveis para garantir que a sua empresa terá riqueza suficiente para compensar os meios neles investidos, entre os quais se inclui o trabalho. Até estes dois postulados serem assumidos por estes dois grupos, nós, portugueses, não teremos a capacidade para empreender negócios competitivos e sustentáveis no mundo atual. Para estabelecer um salário digno que seja sustentável é necessário introduzir na equação a condição da produtividade. Para dividir a riqueza realmente existente, de uma forma que seja benéfica, tanto para o trabalhador, como para o empresário, o aumento da produtividade torna-se um fator fundamental. Devemos aumentar ao máximo a produtividade do nosso trabalho para ter a rentabilidade necessária para o crescimento das empresas.

Por outro lado, com a nossa ação pretendemos contribuir para construção do Portugal de amanhã que ambicionamos mais próspero e sustentável. Na persecução deste objetivo colectivo acreditamos que é preciso ver no mar, não apenas o nosso passado mas, sobretudo, o nosso futuro. Por acreditar na importância estratégica do mar já em 2009, a Câmara de Comércio financiou o primeiro grande estudo “Hypercluster da Economia do Mar”, da autoria do Professor Ernâni Lopes, que avaliou o potencial da economia do mar em 20 mil milhões de euros. Este é o momento de potenciar o mar enquanto fator de desenvolvimento socioeconómico e para dinamizar os nossos recursos marítimos e costeiros.

Na sua perspetiva que desafios se colocam ao setor exportador nacional no médio prazo?
Portugal tem o segundo IRC mais alto da Europa. As empresas portuguesas só pagam menos do que as congéneres francesas. Por outro lado, a tendência em todos os países da OCDE é para uma redução das taxas de IRC (mas também de IRS), e Portugal aparece como um dos poucos que em 2017 e 2018 tiveram um comportamento inverso na tributação das empresas. Neste contexto, torna-se difícil atrair investimento estrangeiro ou esperar que as nossas empresas sejam competitivas com as empresas da Irlanda, Hungria, Lituânia ou Polónia, países onde a taxa de IRC varia entre 9% e 19%. Temos defendido a necessidade de uma reforma fiscal a pensar nas empresas exportadoras e na atração de investimento direto estrangeiro. Por um lado, é necessário promover uma redução da carga fiscal que impacta nas empresas e, por outro lado, garantir um quadro de estabilidade no que respeita às políticas fiscais.

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