Entrevista/ “Os líderes portugueses irão confrontar-se com graves dificuldades em reter pessoas”

Patrícia Araújo, docente no IPAM Porto/Universidade Europeia*

A felicidade organizacional deve estar no foco da liderança, mas é importante não esquecer o básico, alerta Patrícia Araújo, docente no IPAM. Em entrevista ao Link To Leaders, esta profissional lembra que colaboradores felizes são mais produtivos.

Patrícia Araújo está a preparar mais uma edição do IPAM Leadership Challenge, um dia de debate centrado no tema felicidade organizacional. A iniciativa vai realizar-se já no próximo dia 18 de dezembro e reunir investigadores e profissionais das áreas dos recursos humanos e marketing para partilha de experiências sobre esta temática e o impacto que assume na vida das empresas e dos seus colaboradores. Antecipando, esta discussão, Patrícia Araújo falou ao Link To Leaders sobre o que as organizações podem fazer para promover a felicidade dos trabalhadores.

No passado recente, o ambiente de trabalho era considerado um local onde os profissionais deveriam exercer a sua atividade com grande seriedade e de um modo concentrado, com pouca flexibilidade para as questões da envolvente. Hoje a realidade é diferente, as organizações procuram proporcionar um ambiente de trabalho agradável aos seus profissionais, criando um clima organizacional capaz de motivar. Que fatores estiveram na origem desta mudança?
Bem, por um lado a mudança deve-se apenas à intensidade da busca, pois desde Elton Mayo e do Movimento das Relações Humanas, que já podemos considerar há um século, que se procurava melhorar as condições humanas no trabalho, ou seja, procurar o bem-estar humano no trabalho não é novo. Mas só agora podemos realmente parar de nos preocupar com a sobrevivência básica e orientarmo-nos para questões mais profundas e transcendentais (como diz a versão revista da pirâmide das motivações de Maslow!). Vivemos em tempos que, se tudo correr bem, poderemos finalmente viver “o fim dos empregos “, que é o nome do Livro de Rifkin que tem mais de 25 anos! Poderemos assistir ao renascer do ócio e ao reformular do significado do trabalho, quando nos afastarmos dele, dermos muitas tarefas aos robots e, finalmente pudermos viver (ao invés de SOBREviver):-)

Felicidade organizacional traduz-se em produtividade?
Em dezenas de anos de investigação a chamada “Hipótese trabalhador feliz-Trabalhador produtivo” tem sido comprovada, porém, em alguns estudos não com muita força. No entanto, a própria ciência social e humana tem evoluído e a forma como se mede quer a felicidade quer a produtividade tem mudado.

“O que faz felizes os trabalhadores, no geral, e não é uma resposta-chavão, é que as suas necessidades sejam atentas, como clientes internos, como primeiros clientes da organização (…)”.

O que mais contribui para a felicidade dos trabalhadores?
Pois, esta é uma das tais perguntas perigosas! Muito perigosas. Em muitas aulas e consultorias dou muitos exemplos de empresas que abriram Spa’s e massagens e ginásios, e os trabalhadores ficaram extremamente infelizes, revoltados e até desconfiados. O que faz felizes os trabalhadores, no geral, e não é uma resposta-chavão, é que as suas necessidades sejam atentas, como clientes internos, como primeiros clientes da organização (e aqui temos a fusão do marketing interno com os RH a dar uma resposta concreta!)

Como implementar uma estratégia de felicidade organizacional? Existe alguma fórmula para se criar uma organização feliz?
A palavra fórmula aparece sempre. Mas sim, existe uma fórmula. A fórmula de sempre do desenvolvimento organizacional, que já é usada há muito e que consiste em diagnosticar, realizar um plano estratégico e implementar. Já são muitas décadas de muitas ciências a trabalhar nisto (desde a psicologia das organizações, ao marketing interno, à sociologia organizacional, à gestão de recursos humanos, etc.) e a única coisa que agora está a despertar são as organizações que estão a começar a sentir realmente a dificuldade em atrair e reter talento e estão a começar a despertar.

(…) os líderes portugueses irão em breve confrontar-se com graves dificuldades em reter pessoas e irão começar a querer diferenciar-se como organização, ou seja, começar a construir uma marca empregadora forte e expressiva”.

De onde surgem as principais falhas na felicidade organizacional? Das chefias? Da burocracia instalada? Do status quo?
Será que há falhas?  Os resultados portugueses não são assim tão maus! Que me lembre, no estudo de uma consultora, acho que em 2016 ou 2017, os portugueses apresentavam uma média de 3,8 numa escala de 5 pontos possíveis, no questionário concebido pelos autores com mais de 80 perguntas!

Repare que apesar da expressão “felicidade organizacional” ser recente e estar nestes dias mais mediatizada, há muitas décadas que o bem-estar organizacional, os compromissos, a satisfação no trabalho, o clima organizacional e outros construtos são estudados quer na investigação pura quer na aplicada. Ou seja, muitas empresas já tinham práticas de estudos de clima organizacional e satisfação. Portanto, muitas delas já haviam olhado para dentro e chegado a essa conclusão sobre elas próprias, mas mais uma vez, cada organização é uma organização e logo, não posso dizer onde estão as falhas de todas as organizações portuguesas!

Agora, se questionar a minha opinião pessoal…posso dizer-lhe que acredito que, como docente e consultora na área da liderança, os líderes portugueses irão em breve confrontar-se com graves dificuldades em reter pessoas e irão começar a querer diferenciar-se como organização, ou seja, começar a construir uma marca empregadora (Employer Branding) forte e expressiva.

E a felicidade pessoal? Será que um profissional feliz na sua vida pessoal, pode gerar felicidade na organização? E o inverso?
Não lhe consigo responder de cabeça os resultados de décadas de investigação, mas tenho bastante certeza que quase todas as investigações apontam nesse sentido. Mesmo estudos bastante antigos sobre satisfação no trabalho demonstravam elevada correlação com escalas de satisfação com a vida. Penso que é muito importante dizer que há uma falha geral na educação emocional em Portugal, apesar desta estar prevista há muitos anos no ensino secundário. E digo isto agora porque as pessoas não tiveram formação de inteligência emocional e acham que a felicidade é uma emoção, ou continuam a viver numa ideia romantizada cliché de que a “felicidade são momentos”!.

Emoções e sentimentos são coisas diferentes. Por isso, temos de dar às pessoas este conhecimento e estas ferramentas para que elas planeiem e tomem rédeas das suas vidas. Resultados sobre isto veem-se muito rapidamente em clientes que aparecem em sessões de coaching e que começam a apropriar-se da condução da sua felicidade.

Esta divisão que o ser humano vive de dividir trabalho e não trabalho está realmente a perturbá-lo bastante (..).

Mo Gawdat autor do livro “Equação da Felicidade”, disse numa entrevista ao Link to Leaders que “uma das grandes mentiras do mundo moderno é dizerem-nos que há o trabalho e a vida”. Qual a sua opinião sobe esta dualidade entre vida pessoal e profissional?
É fantástico que diga isso! Lembro-me que um dos primeiros artigos científicos que escrevi foi sobre emprego e trabalho e fiz um levantamento exaustivo sobre isso que me tocou e mudou a minha vida para sempre. A palavra TRIPALIU (trabalho) é recente e era um instrumento de tortura de 3 paus. Até aí os comportamentos produtivos e comportamentos de ócio fluíam livremente. Esta divisão que o ser humano vive de dividir trabalho e não trabalho está realmente a perturbá-lo bastante, mas é recente e, infelizmente, o ócio apesar de contribuir em muito para a evolução humana, tem ganho um teor negativo.

As organizações já perceberam que o salário já não é a principal dimensão na retenção dos seus profissionais?
Falamos hoje também no “salário emocional” como uma forma rápida de distinguir das recompensas extrínsecas. Já há mais de 40 anos de evidências científicas que provam que as recompensas externas não funcionam para funções complexas (funcionam eventualmente em alguns contextos de indústria onde o resultado esperado é claramente definido). Daniel Pink, um investigador da motivação que até esteve recentemente em Portugal, apresentou já muitas ideias novas sobre a motivação intrínseca assentes nos eixos Autonomia Mestria e Propósito.
Sim, não chega salário nem benefícios externos, algo nos vai mover mais, e o clima organizacional passará a ser central.

(..) Estamos a virarmo-nos para a felicidade e ainda há pouco tempo encontrei empresas que tem cadeiras horríveis, não analisam ergonomia, trabalhadores que se queixam de graves doenças profissionais (..).

Quais os principais mitos (ou clichés) que ainda predominam em torno do que deve ser a felicidade organizacional?
Já fui falando em alguns acima. Mas talvez seja, em primeiro, a ideia de que é algo novo ou moderno, quando uma multiplicidade de ciências anda a investigar há muito tempo e só agora atingiu mediatismo. Em segundo, a ideia de que há uma fórmula mágica, quando na realidade, aplicam-se todos os princípios de uma liderança mindfull, com inteligência emocional e empowerment.

E em terceiro, tenho encontrado algo novo, mas preocupante que é: estarmos a falar de felicidade organizacional (e até instrumentos de medida novos) em organizações que nem a antiga QVT cumprem… ou seja…a QVT – Qualidade de vida no trabalho, foi um construto muito usado há décadas, e remetia também para o bem-estar no trabalho.

Por isso, muito cuidado…pois estamos a virarmo-nos para a felicidade e ainda há pouco tempo encontrei empresas que tem cadeiras horríveis, não analisam ergonomia, trabalhadores que se queixam de graves doenças profissionais (tendinites, problemas com temperatura, etc) e, apesar de estarmos a observar um shift muito positivo (ainda há uns anos andávamos a trabalhar em stress ocupacional!), é importante não esquecer do básico!!!

* Consultora de HR & Internal MarKeting e CEO da Método Positivo – Consultoria, Coaching, Psicologia Positiva & Mindfulness

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