Opinião
O verão em que voltei a pensar melhor

Com a chegada do verão, surge também uma oportunidade rara: tempo. Tempo para recuperar hábitos que, embora essenciais, têm sido esquecidos no ritmo acelerado da nossa sociedade.
A leitura é, para mim, um desses hábitos. E talvez por isso decidi escrever sobre livros. Porque acredito que ler é mais do que um prazer. É uma prática transformadora, sobretudo para quem lidera.
Numa era de estímulo constante, decisões apressadas e ruído digital, parar para ler pode parecer contraintuitivo. Mas é precisamente essa pausa, esse espaço entre estímulo e resposta, que permite aos líderes clareza, consciência e visão. A leitura oferece algo que poucas práticas proporcionam: a capacidade de viajar sem sair do lugar, de pensar sem ser interrompido, de sonhar com possibilidades ainda não imaginadas.
Ler é uma forma de resistência criativa. Um antídoto contra o automatismo. Um exercício que nos devolve a profundidade. E para quem lidera, essa profundidade mais do que desejável é necessária.
Existem livros que nos entretêm e há livros que nos transformam. No contexto da liderança, a leitura torna-se uma ferramenta estratégica para o desenvolvimento pessoal e profissional. Um bom livro pode ajudar-nos a ganhar visão estratégica, a encontrar palavras e caminhos para liderar mudanças difíceis ou simplesmente lembrar-nos da importância da empatia e da escuta.
Os livros certos, lidos no momento certo, funcionam como autênticos programas de desenvolvimento de liderança. Alimentam a nossa capacidade de pensar de forma mais crítica, tomar decisões com maior profundidade e liderar com mais humanidade. Ler é um diálogo com ideias, com experiências alheias, com a nossa própria evolução.
A leitura cultiva perspetiva, expõe-nos a diferentes contextos e formas de pensar. Ganhamos distância dos nossos próprios pressupostos. Estimula a reflexão, e o pensamento estratégico, em vez da reação automática. E, acima de tudo, desperta a imaginação. Ler é criar novos mundos, novas hipóteses, novas formas de agir. Essencial em liderança.
Hoje pára-se menos. Lê-se menos. A avalanche de notificações, resumos instantâneos e conteúdos descartáveis substitui a leitura profunda. Também eu, por vezes, cedo a essa tendência. As redes sociais e as notícias rápidas dão a ilusão de estarmos informados, mas raramente nos ajudam a refletir.
Porque acredito profundamente no poder transformador dos livros, aqueles que nos tocam na altura certa, que nos provocam e expandem, deixo algumas sugestões pessoais. São livros que me marcaram, a que regresso sempre que preciso, e que talvez possam também inspirar outros líderes neste verão.
“O Principezinho”, de Antoine de Saint-Exupéry. Li-o aos 20 anos, e continuo a regressar a ele sempre que preciso de reencontrar o olhar curioso e limpo de quem observa o mundo pela primeira vez.
“Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficientes”, de Stephen Covey, chegou até mim pouco antes de assumir a Direção Geral da Mary Kay. Tornou-se um mapa. Ajudou-me a priorizar sem perder a visão global, a encontrar estrutura em momentos exigentes de turnaround.
A biografia de Nelson Mandela é para mim um lembrete constante de que mesmo nos cenários mais difíceis, a liderança feita de esperança, coragem e diplomacia pode reconfigurar destinos.
“Novos Líderes”, de Daniel Goleman, Richard Boyatzis e Annie McKee, é daqueles livros que guardo por perto. Volto a ele em modo de autoavaliação e caminho a seguir na minha jornada de líder.
“Break-Heaven”, de Aida Chamiça, oferece-nos uma jornada profunda de consciência e crescimento. Um convite corajoso a escutar a verdade interior e desbloquear o próximo nível de liderança.
Mas a verdade é que não são apenas os livros de gestão ou desenvolvimento que nos fazem crescer. Às vezes, um romance, um livro de poesia ou uma história de viagem pode ser o tudo o que precisávamos para nos ajudar a resolver um desafio de negócio, a encontrar uma nova abordagem ou até a dar nome a uma intuição adormecida. Ler fora da nossa área é abrir espaço ao inesperado. E é muitas vezes nesse inesperado que nasce a inovação.
As férias são um ótimo momento para resgatar o hábito de ler de forma contínua e profunda. Uma pausa prolongada com um bom livro pode ser o início de um novo ciclo. E talvez, ao regressar ao ritmo habitual, bastem 15 minutos por dia antes de dormir para manter esse espaço de nutrição e reflexão interior. Porque vale mesmo a pena. Ler não é apenas adquirir informação: é cultivar o pensamento, ampliar a visão e exercitar a imaginação.
Liderar é, antes de tudo, a arte de interpretar pessoas, contextos… sinais subtis. Mas também é imaginar e projetar futuros possíveis. Quanto mais diverso e profundo for o nosso repertório mental, mais refinada será essa leitura do presente e mais ousada a construção de novas realidades. Por isso, dedicar tempo à leitura não é um luxo intelectual, é uma prática estratégica. Um investimento silencioso em cultivar algo raro e poderoso: a capacidade de pensar melhor.
Num mundo que nos empurra para a pressa, que privilégio é poder parar… e ler.