Opinião
O problema do pai eterno

A longevidade da vida humana é cada vez mais, felizmente, uma realidade. É evidente que ainda melhora este facto o associar-se uma cada vez maior qualidade de vida.É a evolução da medicina e de toda a tecnologia que ajuda a que assim seja.
Recordo, no entanto, uma notícia de primeira página de um jornal de 1904 que dizia, dramaticamente, que um autocarro despistou-se, destruindo uma casa humilde, matando uma velhinha de 42 anos! Enfim, sem comentários…
Por outro lado, temos uma “juventude” cada vez mais idosa, com menos vontade de assumir responsabilidades e continuando a viver com trinta, quarenta anos e até mais, na casa e dependência dos pais. Conto a história de um amigo meu (e, portanto, um caso real e na primeira pessoa) que dizia já ter pouca esperança de que qualquer dos dois filhos casasse e saísse de casa, dado que um tinha 62 anos e o outro 65! Ele e a mulher estavam os dois com mais de 90! É uma realidade cada vez mais implantada e com tendência clara a aumentar.
Vem tudo isto a propósito de quê? Efetivamente, esta é uma realidade nova que afeta natural e diretamente um enorme universo de empresas. Estima-se que em Portugal as empresas de base familiar sejam perto de 80%, por isso facilmente se pode compreender como este tema afeta em grande escala a situação destas empresas e, por arrasto, a economia do nosso país. Sabendo que esta situação não é exclusiva de Portugal, então temos aqui uma questão que é de facto universal.
Nada nos manuais nos diz, por ser uma questão nova e muito recente, o que fazer numa empresa em que quatro gerações da mesma família podem conviver em simultâneo, e sabendo nós que uma das questões-chave nestas empresas é a sucessão, então percebemos a magnitude deste problema. Fazer uma sucessão de alguém com 80 ou 90 anos para a geração imediatamente a seguir faz sentido? O que dizer do tamponamento à decisão e à gestão por parte da terceira e quarta geração? Como assumir um lugar de liderança quando muitas vezes a vida já tomou outros caminhos fora da empresa familiar, porque ali não havia “espaço”? Vamos assistir a saltos de gerações na gestão?
É sabido em termos históricos que os “saltos” nas empresas familiares, em termos de mudança e de crescimento, acontecem, em muitos casos, com a mudança geracional. Vamos ter com isto um mundo menos acelerado, travado por empresas mais conservadoras ou vamos ter empresas menos competitivas e, consequentemente, com maior risco de sobrevivência? Os desafios são gigantes para estas empresas que têm de saber aproveitar a sabedoria dos mais velhos e a capacidade de inovação das gerações mais novas. Mais do que nunca importa ouvir, integrar e aproveitar o que de melhor cada geração pode trazer para a gestão da empresa numa dinâmica cada vez mais de união familiar.
Pensar o futuro da empresa e da família é essencial para que tudo corra bem. Criar estruturas familiares fortes que permitam aproveitar as diferentes potencialidades de cada um e que, ao mesmo tempo, separem aquilo que é a gestão da família e do património familiar daquilo que é a gestão da empresa e as prioridades de um mundo em constante mudança é uma das soluções.
Por outro lado, planear a sucessão, não apenas do número um da empresa, mas de todos os que fazem parte dos órgãos de gestão é tarefa primordial nas empresas familiares. O risco do pai se tornar eterno é enorme gerando uma precaridade ao nível das outras gerações de familiares e o consequente enfraquecimento inevitável das empresas.
Pedro Alvito é, desde 2017, professor na AESE, onde leciona na área de Política de Empresa, tendo dado aulas também na ASM – Angola School of Management.
Autor de duas dezenas de case-studies publicados pela AESE e de dois livros publicados pela Editora Almedina – “Manual de como construir o futuro nas empresas familiares” e “Um mundo à nossa espera, manual de globalização” – também escreve regularmente no Diário de Notícias. Desde 2023 é presidente do Conselho de Família e da Assembleia Familiar do grupo Portugália.