Opinião
O insulto como falência argumentativa

De todas as formas de comunicação que existem, o insulto é talvez aquela que melhor exprime a aversão ao contraditório e o desprezo por quem tem ideias diferentes.
Excluindo as situações de crime manifesto, onde a atitude de rejeição do outro pode chegar ao extremo da sua aniquilação e as diferentes modalidades de agressão física, que representam a total falência de quaisquer princípios de respeito e de tolerância, o insulto traduz uma forma de negação da legitimidade de um outro alternativo, constituindo, por isso, uma tentativa de exercício arbitrário de autoridade e uma manifestação inequívoca da prepotência de um ego que se afirma como o inquestionável e absoluto detentor da verdade.
Por isso, o insulto, ainda que parecendo emanar de uma atitude de grande força afirmativa e de uma sólida e impenitente autoconfiança, acaba sempre por ser uma manifestação de grande fragilidade, na medida em que apenas serve para iludir a verdadeira incapacidade de alguém que já não consegue fazer prevalecer os seus argumentos de uma forma leal, transparente e séria.
A provar isto, creio que todos nós já presenciámos situações, ou fomos delas protagonistas, em que uma discussão aberta de dois ou mais interlocutores sobre um determinado tema, descamba em insultos de caráter pessoal quando um dos interlocutores começa a sentir “o chão a fugir” e que os argumentos do adversário progridem a “ganhar pontos”.
Neste sentido, o insulto é sempre a manifestação de uma falência argumentativa e, no limite, uma declaração de derrota, ainda que, pela exuberância das suas manifestações comportamentais, pareça querer demonstrar exatamente o contrário.
Na verdade, insultar é fácil, bastando para tal encontrar uma linguagem suficientemente sugestiva para suscitar suspeitas, ou suficientemente grosseira para exprimir desqualificação, com a grande “vantagem”, para quem insulta, de que tais imagens acabam sempre por se furtar a uma argumentação mais sólida, justamente para evirar o possível contraditório.
Assim sendo, o insulto acaba por ser fruto de uma real incapacidade de diálogo e de um desesperado défice de imaginação.
Na evolução das sociedades, e com a progressão, aparentemente imparável, dos ideais democráticos e da defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos seria expectável que houvesse um progresso significativo na capacidade de diálogo, a vários níveis, ou que, pelo menos, os processos de interação entre agentes diversificados fosse cada vez mais pautada pelo respeito e pela aceitação da legitimidade do outro.
De facto, a valorização da diversidade e a afirmação da riqueza da controvérsia leal seriam, e são, alguns dos “deliverables” expectáveis da maturação progressiva das democracias avançadas.
Por isso, é, no mínimo, muito preocupante, assistirmos ao ressurgimento de formas primárias de intolerância, a um nível global, veiculadas por redes sociais onde o insulto, a maledicência e a injúria, nas suas manifestações mais execráveis, parecem ser um dos alimentos preferidos de multidões de consumidores que fazem do escândalo, do crime e das manifestações mais alarves de baixeza humana, os seus principais e preferidos objetos de consumo.
Mas o que é sobretudo ainda mais crítico, é quando essa baixeza alarve nos entra “pela casa dentro” e toma assento nas principais instituições que representam a ordem democrática do país, sob a forma de agentes políticos que usam, e abusam, dos insultos mais abjetos como forma de exercício do debate político democrático.
Não são obviamente as “causas” que estão “em causa”, mas os exercícios políticos e comportamentais de certos agentes que, pelas suas práticas, põem, de facto, em “causa” as próprias “causas” da democracia, naquilo que ela defende como o direito à legitimidade da diferença e à defesa dos princípios da liberdade de expressão, sempre realizados na assunção imperativa do respeito integral pela dignidade humana.
Neste sentido, o insulto, seja nas suas formas menos exuberante, seja nas suas manifestações mais brutais, é sempre uma tentativa de limitar o direito de alguém ao exercício pleno da sua cidadania.
Seja nas sociedades, nas instituições, nas organizações ou, simplesmente, nas interações quotidianas, saber progredir através do diálogo construtivo constitui uma prova de inequívoca maturidade.
As opiniões alheias, mesmo que contrárias às nossas, constituem sempre um rico potencial de progresso, se as soubermos usar como plataformas possíveis para uma visão alternativa da realidade.
Recorrer simplesmente ao insulto, e renunciar ao diálogo leal, é, em última análise, desbaratar um recurso fundamental para nos tornarmos melhores cidadãos, melhores profissionais e, sobretudo, melhores pessoas.
Mas praticá-lo, ou não, é uma decisão que, no limite, ficará sempre na consciência de cada um de nós.