Entrevista/ “Ser CEO de uma microempresa é ser um camaleão”

Manuel Mira, CEO do Grupo JustSushi

“As empresas que fecham é porque normalmente o CEO não é adaptável”, acredita Manuel Mira, CEO do Grupo JustSushi, um jovem empreendedor que já tem no currículo a criação de raiz de duas marcas na área da restauração e hotelaria, a par de outros projetos em que também está envolvido.

Desde cedo que os setores da hotelaria e da restauração foram a sua área profissional de eleição e logo que a vida o permite foi para aqui que orientou a sua carreira. Hoje, aos 34 anos, Manuel Mira é CEO do Grupo JustSushi, gere 14 lojas e espera no próximos dois anos atingir as 20/22 lojas, sem esquecer o mercado internacional que também faz parte dos seus planos de expansão.

Em entrevista ao Link to Leaders, o jovem empresário fala dos desafios inerentes à atividade de hotelaria e restauração, da evolução do mercado no nosso país e da estratégia para reter talentos.

Aos jovens que querem seguir o caminho do empreendedorismo deixa uma sugestão: “têm de ser mais moldáveis, têm de adaptar as suas expetativas, porque dinheiro fácil não existe”.

Como é que aos 34 anos se é CEO do JustSushi, CEO em Portugal do No Mames Wey, do JustPoke e ainda partner do Portuguese Hostel? Qual o segredo para acumular estas funções?
Considero que CEO é apenas uma sigla, ou seja, um conjunto de três letras. No fundo, eu fui o criador do JustSushi, mais tarde o criador do JustPoke e depois surgiu o convite para fazer uma joint-venture com um grupo espanhol de restauração para liderar a expansão do No Mames Wey em Portugal e no Brasil.

Desta forma, ao contrário de gerir uma grande empresa ou uma PME, ser CEO de uma microempresa é ser um camaleão. É ser adaptável, estar em constante atualização e mudança. Porque na verdade, já passámos pandemias, agora vivemos uma guerra, já vivemos paz e saúde. No fundo, temos de nos adaptar rápido e corrigir ainda mais rápido, uma vez que as empresas que fecham é porque normalmente o CEO não é adaptável.

É alguém que tem a sua visão vincada e numa microempresa isso não é possível, não podemos ter uma visão limitada. Temos de conseguir pensar mais além e de forma mais abrangente, assim como temos de saber gerir as nossas próprias expetativas. Obviamente, que nós empresários, quando entramos num negócio, temos sempre uma expetativa e passado um ou dois meses percebemos que nada tem a ver com nada, e tudo o que nós achávamos não é, tudo o que queríamos não vamos conseguir obter, e só mesmo os mais persistentes é que vão conseguir continuar. Ou seja, é fundamental ter essa visão e perceber que o prazo desta não é um ano ou dois. Temos de pensar sempre a longo prazo e que, possivelmente, tudo o que estamos a construir poderemos não chegar a usufruir, mas que é o nosso legado, para os nossos filhos ou para a família.

E foram estas razões e forma de pensar que me levaram sempre a evoluir no dia a dia, ano após ano, e a construir as minhas próprias marcas, por que razões para desistir há muitas e falhar está sempre garantido e nós acabámos por vencer por sermos, sobretudo, resilientes.

Em relação ao Portuguese Hostel, tenho um CEO lá. É a minha mãe. Abrimos ao mesmo tempo que o JustSushi, foi um negócio familiar que começámos, crescemos rápido, tivemos cerca de 50 camas, entre quartos, camaratas, triplos. Contudo, com a pandemia tivemos de reduzir para metade e agora temos mais ou menos cerca de vinte camas, mas continua a correr bem. Temos uma gestão controlada e de qualidade.

Quando teve o seu primeiro contacto com a restauração/hotelaria? Foi “casamento” à primeira vista?
A hotelaria, desde o meu décimo ano, neste caso quando tinha 15 anos. É a minha vida, porque tirei o curso médio na escola de hotelaria e turismo do Estoril, logo aí entrei no mundo dos restaurantes. O meu primeiro estágio foi no restaurante Porto Santa Maria, com uma estrela Michelin, portanto, tive, desde o início, contacto com qualidade, serviço, produto e foi onde começou a minha formação para tudo o que eu sou hoje.

Desde esse momento que a hotelaria, a restauração, os hotéis de 4 e 5 estrelas, os restaurantes com e sem estrela Michelin e aventuras próprias começaram a fazer parte do meu dia a dia. No fundo, sou uma pessoa bastante prática e, com o apoio dos meus pais que me ajudaram e mostraram-me que existia uma hotelaria, que havia algo que eu podia fazer na vida que não fosse apenas estar sentado num escritório, porque eu sabia que não era isso que eu queria. Apesar de, atualmente, acabar por estar bastante tempo à secretária, porque ser CEO também implica isso, mas é um sentimento diferente.

(…) O maior desafio acabam por ser mesmo os fatores externos (…) e nós temos de ter capacidade para ter uma rápida resposta face a estes obstáculos que vão aparecendo ao longo do nosso percurso”.

Quais têm sido os maiores desafios?
Os desafios acabam mesmo por ser a minha capacidade de adaptação e de adaptação rápida, porque, por exemplo, de um dia para o outro o salmão passou de 7,50 euros para 16 euros, e os preços do restaurante não aumentaram para o dobro. Portanto, falamos de um esmagamento de margem brutal, ao qual tivemos de nos adaptar e criar outras dinâmicas, por exemplo, alterar o menu inteiro para conseguir equilibrar o food cost e tudo isto em 14 lojas, o que não demora nem um dia nem dois. Por isso, acho que o maior desafio acabam por ser mesmo os fatores externos, mais do que os internos e nós temos de ter capacidade para ter uma rápida resposta face a estes obstáculos que vão aparecendo ao longo do nosso percurso.

Como surgiu a ideia de criar o JustSushi?
No fundo, surge para dar resposta a uma lacuna de mercado gigante no país todo. Inicialmente, surgiu como uma ideia, pensada numa viagem com amigos à Indonésia. E depois foi evoluindo, foi cozinhando e acabámos por iniciar a nossa aventura com esse propósito – servir os clientes, com taxas de entrega a zero, mas, ao mesmo tempo, ter um bom produto e um bom serviço.
Obviamente, que nem todos os clientes concordam, uma vez que não conseguimos agradar a todos, mas, honestamente, tentamos e lidamos muito seriamente com as críticas e com os problemas que temos nas lojas. Porque não nos podemos esquecer do nosso propósito – criámos a nossa marca para conseguir dar às pessoas um sushi de qualidade, a preços razoáveis e com um bom serviço de entrega rápida.

O que é que este grupo de restaurantes tem de diferenciador?
Como referi, basicamente, o que temos de diferenciador face aos outros restaurantes de sushi é conseguir servir os clientes, com taxas de entrega a zero, mas ao mesmo tempo, ter um bom produto e um bom serviço. E face aos nossos concorrentes diretos é a possibilidade de levar o sushi a lugares periféricos e com preços mais competitivos.

Atualmente conta com 14 lojas. Qual a estratégia de expansão do JustSushi?
A estratégia de expansão acaba por ser as capitais de distrito que nós considerarmos oportunas, não só pelo ticket médio, como pelo poder de compra, pela concorrência. A decisão de abrir, ou não, uma nova loja tem de ser tomada de forma bastante ponderada e, por isso, avaliamos mais de 10 critérios/fatores para conseguirmos perceber onde faz sentido abrir uma loja nossa ou não.

Para o futuro, ambicionamos continuar a crescer e esperamos ter cerca de 20 a 22 lojas, em dois anos, sendo que o mercado internacional também faz parte do nosso plano ambicioso.

É fácil atrair e reter talento no setor? Quais têm sito os maiores problemas com que se depara?
Em relação ao talento nós acabamos por ter “sorte”, porque pagamos um pouco acima do mercado, ou seja, acima da média. Os nossos sushimans são bem pagos, os nossos estafetas são externos e, por isso, contratamos uma empresa que faz toda essa gestão. Quanto ao nosso staff in house, das encomendas ou mesmo dos restaurantes que têm sala, também são pagos acima da média e procuramos sempre proporcionar boas condições de trabalho, uma vez que consideramos que isso é essencial. Por outro lado, também temos chefias jovens, o que nos permite criar um ambiente jovem, amigável e descontraindo, mas profissional ao mesmo tempo.

Por estas razões, em termos de staff, realmente, não nos podemos queixar. Nas lojas mais do interior, temos alguma dificuldade em conseguir contratar staff de cozinha, mas mesmo assim acabamos por arranjar sempre uma solução e, por isso, até agora não sentimos grande dificuldade em contratar.

Relativamente ao atrair e reter talento, conseguimos fazê-lo através do salário e do ambiente que proporcionamos, porque sabemos que estes são dois critérios fundamentais. Mesmo que, em outro local, paguem um pouco mais, nós sabemos que será difícil conseguirem recriar o ambiente que nós proporcionamos.

No JustSushi preocupamo-nos com os nossos colaboradores e com o seu bem-estar, assim como com as suas famílias. Por exemplo, muitas vezes, os nossos sushimans necessitam de apoio para obter vistos ou nacionalidade e nós colocamos o nosso advogado à disposição, sem qualquer custo para eles. Desta forma, vemos estas ações, como sendo um pacote de boas-vindas muito interessante e que os ajuda depois a prosperarem.

Obviamente, que muitos deles acabam por depois ir para outros restaurantes, onde conseguem ganhar o dobro ou triplo do salário, e aí nós não conseguimos competir, mas não vemos isso como algo negativo, porque durante dois ou três anos, que é normalmente a média de tempo que conseguimos reter um sushiman, eles também estiveram a ajudar-nos e, por isso, damos sempre um diploma e uma carta de recomendação. É com este tipo de ações que acabamos por conseguir reter o nosso talento.

De que forma a sua experiência profissional anterior o influenciou a ser quem é hoje?
Tudo o que eu vivi desde que me lembro influenciou o que sou hoje, não só profissionalmente, como também pessoalmente. A minha mãe é também uma pessoa muito calma, ponderada, aventureira e impulsiva. Já o meu pai é mais pés na terra e mais matemática. Ele também foi CEO de multinacionais a vida toda, portanto, aprendo todos os dias com ele, em termos de números e de contas e, mesmo nestas situações dos preços do salmão, que referi anteriormente como exemplo, foi ele que me ajudou a calcular onde nós tínhamos o food cost médio e a tomar as melhores decisões quanto a preços, menus, bem como o que devíamos pôr e tirar. No fundo, tudo o que eu sou hoje, vem de trás e tudo o que eu for amanhã virá de trás. Não há dúvida que todas as nossas experiências como profissionais e como seres humanos, mesmo que seja uma saída à noite ou com amigos, molda o nosso dia a dia e a nossa forma de lidar com os problemas e faz com que nos tornemos os líderes que nós somos.

Quem mais o inspirou?
Em termos de inspiração, acho que isto é algo que nasce connosco e que não se ganha. Apesar de existirem pessoas que o podem ganhar com o tempo, obviamente, acho que é algo que nasce connosco, o facto de querermos mais e de querermos ser nós próprios a fazer. É preciso ter gosto. Porque no fundo, trocamos um trabalho de 40 horas mal pago, por um de 80 horas mal pago também. Portanto, pode haver uma visão financeira, mas tem de ser uma visão a 10 anos. Não pode ser uma visão a um ano ou dois. Por isso, a inspiração vem do que me ensinaram em casa, na escola, nem que seja para eu perceber aquilo que não queria fazer ou ser e isso, apesar de tudo, também é importante. Porque se nós soubermos o que não queremos fazer ou ser já temos 80 ou 90% do caminho feito. Só temos de procurar aquilo que queremos ser.

Como perspetiva o setor da restauração e hotelaria em Portugal?
Acho que Lisboa tem tido uma evolução tremenda nos últimos 10 anos e o Porto igual. Apesar de ter uma evolução mais lenta, o interior do país está, igualmente, a crescer, a evoluir, e isso é, claramente, visível. Por exemplo, quando se vai ao interior do país, já se vê massa fresca, já encontramos conceitos de carne com há em lisboa, T-bones, éntrecôte, tapas, sushi… neste caso, connosco, já encontramos um bocadinho de todo o estilo das grandes cidades, tirando as cozinhas de autor, mas mesmo assim, às vezes, há locais em que já as encontramos. Atualmente, encontramos um setor de restauração em crescimento e o público a responder, quer o nacional quer mesmo o turista.

Relativamente à hotelaria, o crescimento então tem sido fantástico. Já conseguimos ir a uma aldeia mais remota e já é possível encontrar um hotel de 3 ou 4 estrelas bom. Não vou focar este setor, porque é um crescimento que já tem vindo a ser feito, com grandes cadeias a virem para Portugal, o que levou a que as mais pequenas ou mesmos as cadeias nacionais tivessem de se reinventar e mudarem para outros locais. E bem, porque assim têm pequenos monopólios, como é o caso de Tomar, Arouca, onde temos hotéis nacionais e, portanto, no fundo, como disse, temos de nos adaptar e, por vezes, quando o empresário não se adapta, porque está cansado ou porque não quer ou não sabe, faz com que muitas das empresas falhem nos primeiros anos, porque não conseguiram alterar a sua visão e expetativa. Isso é muito importante.

Quais os planos futuros?
O futuro é risonho. Neste momento, estamos bastantes estáveis, numa altura instável, por isso acreditamos que numa altura estável, fiquemos ainda mais estáveis e em crescimento. No Mames Wey, estamos em crescimento absoluto.

Temos também outro grupo que nos abordou recentemente, constituído por um empresário francês e outro belga, que quer também associar-se a nós. E, neste sentido, temos todos os dias contactos com pessoas que gostariam de ver a sua marca crescer, e esse é o trabalho que nós fazemos. Não só o teórico, porque o teórico, para o nosso mundo, pouco vale. Por isso, nós fazemos mesmo a parte pratica que é fazer a marca crescer e prosperar, logicamente com negociações entre nós e o proprietário. Mas, no fundo, levamos qualquer marca de restauração mais longe – na verdade é esse o propósito do nosso grupo, receber marcas, pois estamos 100% abertos a quem tiver uma boa marca, que seja escalável ou que tenha um bom produto e preço. Por isso, nós estamos aqui para ajudar e fazemos tudo o que pudermos para isso.

“Acho que os jovens têm de ser mais moldáveis, têm de adaptar as suas expetativas, porque dinheiro fácil não existe”.

Que conselhos dá a um jovem empreendedor que quer ter um negócio na área da hotelaria ou da restauração?
No fundo, o conselho que dou aos jovens é para não desistirem. Nós sabemos que as gerações, atualmente, não são as mesmas. Eu ainda nasci nos anos 90 e, por isso, fiquei ali um bocadinho na zona cinzenta. Não sou da geração dos nossos pais, que são de uma geração mais dura, mais resistente. Mas, considero que as mais recentes são muito tecnológicas. É uma geração que cresceu a ter que ser aceite pelos outros, através dos likes, das views, e que, sobretudo, não aceita críticas. Nós começamos a falar com eles e mal apontamos uma crítica, já os perdemos. Não procuram trabalhos práticos, é uma geração que só pretende focar-se em tecnologia e em outro tipo de oportunidades e, bem, porque é o futuro por um lado, mas pode não o ser, por outro.

Mas dito isto, acho que os jovens têm de ser mais moldáveis, têm de adaptar as suas expetativas, porque dinheiro fácil não existe. Se alguém no Youtube diz que fez 1 milhão de euros em 10 minutos, é porque já trabalhou 10 anos atrás disto, portanto, não há milagres. Pode haver um caso em 10 milhões ou 100 milhões, mas mais vale pensar que não vamos ser esse caso, porque a probabilidade é muito pequena. Por isso, sejam duros, persistentes e não desanimem. E se precisarem de ajuda na restauração estamos cá para vos ajudar.

Respostas rápidas:
O maior risco: não ser empresário.
O maior erro: todos os dias cometo erros, por isso o maior erro é não cometer erros.
A maior lição: o trabalho nunca está feito, o nosso sonho era ter 10 lojas, chegamos às 14 e achamos que a nossa vida está feita, mas não. Jamais. Essa é a maior lição que eu aprendi. Se nós não estamos a crescer, estamos a morrer.
A maior conquista: a minha família. Não há outra resposta possível. Profissionalmente, é acordar todos os dias e fazer o que eu gosto. Mas a minha maior conquista e orgulho é a minha família, sem dúvida alguma.

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