Opinião

Novos caminhos a construir – Parte 1

Carlos Rocha, administrador do Banco de Cabo Verde

A Covid-19, além de doença, eu designo-a como um fenómeno que marca o início de um longo processo de transformação estrutural que a sociedade vai observar nos próximos tempos. Esta transformação ocorrerá em várias áreas da sociedade, mas destacaremos algumas tais como a económica, política, social, laboral, religiosa e cultural.

Mas sabendo que a sociedade teve sempre mudanças estruturais, não será essa mais uma ou tem alguma especificidade? Podemos dizer que tem especificidades na medida em que ocorre em direto (live), de forma interativa e com data de início: em direto porque na era das tecnologias de informação e comunicação em que vivemos, a informação ocorre à velocidade da luz; com data de início porque podemos considerar a data da comunicação da OMS como sendo pandemia (11 de março de 2020) como o início destas transformações.

A partir deste fenómeno, a vida em sociedade já não será a mesma, e o que vier a seguir já foi chamado de nova normalidade, no pressuposto de que as medidas sanitárias de distanciamento social permanecerão por muito tempo devido às dificuldades no processo de desenvolvimento, aprovação e aplicação de uma vacina no curto prazo.

É desta forma que o caminho para esta nova normalidade precisa de ser construída, mediante as escolhas que a sociedade e seus decisores farão.

Contexto
Esta pandemia veio mostrar a importância de estarmos atentos a novos riscos que estarão surgindo. Efetivamente, os riscos têm aumentado nas últimas décadas em várias esferas da sociedade; riscos cibernéticos, riscos climáticos, riscos de saúde pública, riscos económicos, riscos para a própria democracia, etc.

E, voltando um pouco para a história, vemos, por exemplo, que a partir de 2001 houve uma mudança de paradigma na aviação comercial que afetou a forma como viajamos, no sentido de mitigar os riscos. Também a partir de 2008, na sequência da crise financeira internacional, o sistema financeiro foi alvo de profundas reformas no sentido de mitigar os riscos de novas crises e ganhar resiliência.

Assim, desde que foi declarada a pandemia, e apesar da novidade e rapidez dos eventos, várias medidas já foram tomadas ao nível sanitário, económico e social no sentido de mitigar a situação. E como referimos no artigo anterior, a pandemia provocou não apenas a crise sanitária, mas a crise económica e a crise social.

Mitigação de riscos
As transformações que referimos no início do artigo serão resultado das escolhas políticas, sociais e económicas que a sociedade fará no sentido de mitigar os riscos, ganhar resiliência e, a partir daqui, construir um novo normal.

Sendo assim, destacaríamos algumas áreas em que tais transformações ocorrerão:

  1. Sanitária
  2. Económica
  3. Social
  4. Laboral
  5. Governação

Por hoje começaremos por analisar a parte sanitária e retomaremos as restantes na parte 2 do artigo.

  1. Sanitária

Até a chegada desta nova pandemia, julgo não errar se disser que não tínhamos a verdadeira noção de como crises sanitárias provocariam crises económicas, pelo menos na história recente. Geralmente, as crises económicas desenvolvem-se através de fatores endógenos à própria economia (taxas de juro ou inflação, consumo, produção, especulação, crédito), e mesmo a grande depressão não foi diferente.

Sendo assim, ficou evidente que surgiu um novo risco para a economia, risco esse que precisa ser mitigado com o reforço das medidas e políticas públicas sanitárias:

  • Algum reforço tanto em quantidade como em qualidade nas infraestruturas de saúde (sem descurar a capacitação dos RH), pois ficou evidente que a preocupação de todos era evitar a rotura dos sistemas de saúde, ou seja, evitar que houvesse muitos contágios e pouca oferta de unidades de cuidados, e esse aspeto foi determinante para as políticas, nomeadamente o confinamento;
  • Aumento considerável no investimento na investigação e desenvolvimento nas áreas de ciências da vida e da saúde e da biotecnologia;
  • Possível mudança de paradigma, de serviço nacional para sistema nacional de saúde;
  • Aumento da atenção à biossegurança por parte dos poderes públicos.

(Continua no próximo artigo)

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Carlos Rocha

Carlos Rocha

Carlos Rocha é economista e atualmente é vogal do Conselho de Finanças Públicas de Cabo Verde e ex-presidente do Fundo de Garantia de Depósitos de Cabo Verde. Foi administrador do Banco de Cabo Verde, onde desempenhou anteriormente diversos cargos de liderança. Entre outras funções, foi administrador executivo da CI - Agência de Promoção de Investimento. Doutorado em Economia Monetária e Estabilização macroeconómica e política monetária em Cabo Verde, pelo Instituto Superior de Economia e Gestão – Lisboa, é mestre em... Ler Mais..

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