Entrevista/ “Neste momento faria sentido que todos tivéssemos 1 a 3% dos nossos investimentos em criptomoedas”
A Anchorage, até então uma start-up criada para armazenar criptomoedas, tornou-se recentemente no primeiro banco institucional do mundo. Um dos seus fundadores é português. Falámos com Diogo Mónica sobre o mercado de criptomoeadas, a regulamentação, os desafios e o futuro.
A agência que regula a atividade bancária e das instituições financeiras nos Estados Unidos, a OCC (“Office of the Comptroller of the Currency”), deu “luz verde” à Anchorage Trust Company para se tornar no primeiro banco de criptomoedas em todo o mundo.
Por trás da criação desta start-up está um português. Diogo Mónica, de 33 anos, doutorado em ciência computacional pelo Instituto Superior Técnico, em Lisboa, foi um dos fundadores da Anchorage, em 2018.
Em 2020, a revista de negócios norte-americana Fortune nomeou-o como um dos melhores talentos com menos de 40 anos a nível mundial, devido, precisamente, à Anchorage. Depois de uma passagem por empresas como a Square ou a Docker, enquanto designer de segurança, decidiu fundar esta start-up dedicada às criptomoedas.
“O objetivo da Anchorage é ser a plataforma mundial mais usada pelas empresas para criar novos produtos em criptomoedas, ambição cujo sucesso espero que venha a ser ainda mais claro num prazo de dois anos”, revelou Diogo Mónica em entrevista ao Link To Leaders.
Como vê a aprovação do Anchorage Digital Bank como primeiro banco de criptomoedas do mundo pelo Office of the Comptroller of the Currency (OCC)?
Em termos globais, vejo-a como sendo um passo muito importante na configuração do espaço das criptomoedas. Em grande medida, os investidores institucionais têm-se mantido fora deste espaço por falta de clarificação regulamentar. Esta aprovação é o início do fim desse estado de coisas. De forma mais particular, ter um banco aprovado pelo regulador bancário mais antigo dos EUA coloca a Anchorage ao mesmo nível dos outros bancos e resolve, de uma vez por todas, a questão da falta de regulamentação específica com que temos tido de lidar.
“Em 2021 estamos focados em fazer crescer os nossos serviços de empréstimos e geração de retorno nos depósitos de criptomoedas”.
O que significa este passo para a Anchorage?
Este charter permite-nos diferenciar da competição, afirmando-nos como sendo, não já só a plataforma mais segura, mas também a única com plena clarificação legal em termos de permissão para atuar como Qualified Custodian, um designativo da Security Exchange Comission (SEC) que nos permite guardar fundos de investidores institucionais. Este charter alarga também o tipo de serviços que podem ser oferecidos pela Anchorage. Em 2021 estamos focados em fazer crescer os nossos serviços de empréstimos e geração de retorno nos depósitos de criptomoedas.
Quais os vossos objetivos agora enquanto instituição acreditada?
O nosso grande objetivo atual é o de alargar o espectro de clientes que podemos servir e, concomitantemente, o tipo de serviços que podemos oferecer. Em particular, o facto de sermos agora um banco de tipologia equivalente à das maiores instituições financeiras dos EUA permite-nos oferecer serviços de subcustódia. Da mesma forma que, por vezes, grandes instituições bancárias sem capacidade para fazer custódia de ouro usam terceiros para o efeito, a Anchorage pode agora fornecer esse tipo de serviço de subcustódia no espaço das criptomoedas.
Quais os produtos e serviços financeiros que a Anchorage disponibiliza atualmente?
A Anchorage é uma plataforma de criptomoedas que permite a qualquer instituição oferecer novos produtos aos seus clientes. Em particular, fornecemos a infraestrutura e serviços de custódia, compra e venda, empréstimos, settlement, e staking.
Quem são os clientes da Anchorage?
A Anchorage tem centenas de clientes, com vários perfis diferentes; desde algumas das maiores empresas de capital de risco do mundo (ex: Andreessen Horowitz) a algumas das maiores empresas financeiras do mundo (ex: VISA).
O que tem contribuído para o aumento da adoção de criptomoedas, por parte de instituições, grandes gestores de ativos, tesouros empresariais e escritórios familiares?
Há vários fatores que contribuem para isso. Por um lado, temos uma visão bem-sucedida e já difundida da Bitcoin como sendo um investimento anti-inflação, descorrelacionado com o mercado de investimento tradicional. Por outro, temos assistido à remoção de barreiras ao investimento institucional: mais liquidez, maior clarificação regulamentar, e o surgimento de empresas com soluções tecnológicas que permitem a empresas tradicionais interagir facilmente com a tecnologia de blockchains.
“Trata-se, aliás, de uma área em que Portugal se pode focar e na qual se pode facilmente expandir, uma vez que requer muito pouco investimento para lá daquilo que o País já possui: engenharia de qualidade a nível global”.
Como caracteriza a realidade portuguesa no que às criptomoedas diz respeito?
Há muito talento em Portugal no que diz respeito a criptomoedas e às tecnologias subjacentes. Vejo um número cada vez maior de pequenas start-ups a serem criadas nesta área. Trata-se, aliás, de uma área em que Portugal se pode focar e na qual se pode facilmente expandir, uma vez que requer muito pouco investimento para lá daquilo que o País já possui: engenharia de qualidade a nível global.
Portugal é dos poucos países onde os lucros com criptomoedas não pagam imposto. O que tem a dizer sobre esta realidade?
Acho que se trata de mais uma vantagem competitiva que temos, enquanto país, e que devemos tentar reter na máxima extensão possível, porquanto é um incentivo ao desenvolvimento de um segmento da indústria financeira que, neste momento, dá ainda os seus primeiros passos. Como disse já, é uma área em que Portugal tem capacidade para se afirmar como player mundial, e incentivos nesse sentido são opções de natureza verdadeiramente estratégica. Portugal tem de atrair e reter talento, não de o exportar sem contrapartidas, e o regime tributário faz toda a diferença quando pessoas e empresas decidem para onde se movimentam, ou onde abrem novos escritórios.
Que desafios enfrenta a indústria das criptomoedas neste momento?
Principalmente, ainda subsiste alguma falta de conhecimento relativamente à existência de diferentes criptomoedas, às suas características individuais, e aos objetivos que cada uma delas prossegue. Claro que é difícil mantermo-nos a par de todos os progressos nesta área quando o desenvolvimento de novas soluções acontece a uma cadência tão frenética, quase diária.
O que é preciso para que haja uma maior regulação deste mercado?
Neste momento, e embora isso dependa muito do país e contexto a que nos estamos a reportar, podemos afirmar que o mercado de criptomoedas já se encontra regulamentado ao mesmo nível dos mercados tradicionais de commodities e securities.
O que se deve saber antes de se investir em criptomoedas?
A maior parte das criptomoedas (stable coins excluídas) são muito voláteis, mas devem fazer parte de qualquer portefólio moderno. São um bom mecanismo de diversificação, pela descorrelação que apresentam. Como conselho, acho que neste momento faria sentido que todos tivéssemos 1 a 3% dos nossos investimentos em criptomoedas.
O Nobel da Economia de 2007, Eric Maskin, afirmou no ano passado que as criptomoedas são uma “péssima ideia”, alertou que interferem com as medidas de política monetária e partilhou que tem esperança que a “moda desapareça”. Quer comentar?
Há quase mil milhões de pessoas no mundo que são considerados unbanked, ou underbanked, e para as quais o sistema bancário tradicional falhou. Pessoas cuja moeda oficial está em hiperinflação,ou a quem o seu governo decidiu congelar o acesso às poupanças. As criptomoedas são uma solução para estes problemas, entre outros. As reações à introdução de um mecanismo distribuído e descentralizado de diversificação financeira como são as criptomoedas são, de algum modo, de esperar. No limite, porém, fazem apenas tanto sentido quanto argumentar que itens de refúgio e compensação de mercado, como, por exemplo, o ouro, não devam ser usados porque interferem com medidas de carácter monetário e não deixam de ser, na mesma medida, uma moda de valor arbitrário e conjuntural.
“O objectivo da Anchorage é ser a plataforma mundial mais usada pelas empresas para criar novos produtos em criptomoedas, ambição cujo sucesso espero que venha a ser ainda mais claro num prazo de dois anos”.
Como vê o Anchorage Digital Bank dentro de dois anos? E o mercado de criptomoedas?
É claro para mim que, a longo prazo, o mercado de criptomoedas vai crescer em termos de valorização, e que — o que é ainda mais importante — vai crescer em termos de utilidade. Há imensas start-ups e grandes empresas a criar novos serviços e produtos baseados em criptomoedas, muitos dos quais vão surgir em 2021, ou pouco depois disso. O objetivo da Anchorage é ser a plataforma mundial mais usada pelas empresas para criar novos produtos em criptomoedas, ambição cujo sucesso espero que venha a ser ainda mais claro num prazo de dois anos.
Respostas rápidas:
O maior risco: Regulamentação espartilho, pouco inspirada e mal orientada.
O maior erro: Não ter aberto escritório em Portugal mais cedo.
A maior lição: Empresas de impacto global são raramente fundadas por pessimistas.
A maior conquista: Os primeiros mil milhões de dólares em custódia na plataforma.