Opinião
Desleixo? Falta de rigor?

Escrevo esta colaboração numa semana ensombrada pelos trágicos incêndios – uma reincidência em menos de seis meses – do último fim de semana.
Não irei perorar sobre as culpas e responsabilidades de tudo o que se passou, tema que não cabe neste sítio, mas sim sobre algo que me impressiona há muito tempo e que, infelizmente, é uma constante em muitas áreas de intervenção das políticas públicas. Falo da propensão para o despesismo e o desperdício e a despreocupação total com a prevenção e a manutenção dos ativos, sejam económicos, culturais ou sociais.
De facto, as décadas mais recentes registaram enormes somas de investimento público em novos projetos, novos empreendimentos, novos serviços. Claro que nem tudo foi desperdício, pelo contrário, mas houve, em muitos casos a atracão pela obra nova, pelo novo-riquismo da inauguração seja ela autárquica ou nacional. Veja-se, por exemplo o aeroporto de Beja, as autoestradas sem carros, os mercados abastecedores sem clientes e comerciantes, as escolas sem alunos, as ciclovias sem utilizadores, etc., etc.
Porém, e em simultâneo com esse despesismo que nos conduziu ao estado atual, a degradação de edifícios, equipamentos, monumentos, zonas naturais e muito outro património do nosso país tem vingado, mercê da ausência de políticas que se preocupem com a manutenção e combatam sua deterioração. Veja-se por exemplo, o estado da fortaleza de Sagres ou muitos monumentos espalhados pelo país. Veja-se a degradação da rede de postos de abastecimento eléctrico automóvel – onde o Estado investiu milhões de euros – e que se encontra inoperacional em mais de metade dos postos disponíveis.
Se quiséssemos citar exemplos caricatos, mas demonstradores da incúria que graça no país, repare-se na ausência de limpeza da entrada da autoestrada de Cascais em Lisboa, onde várias ervas daninhas têm crescido de tal maneira que já se transformaram em autênticos arbustos sem que ninguém se dê ao trabalho de, com um simples esforço de uma roçadeira, cortar em minutos algo que um dia poderá vir a provocar um acidente. Não é algo muito importante mas é um pequeno exemplo que retrata uma atitude: desleixo e ausência de preocupação na manutenção dos bens públicos.
Os exemplos que refiro são apenas alguns de muitos que refletem uma atitude de inépcia do Estado e, muitas vezes, das empresas e dos cidadãos, primando pela ausência de cultura de rigor na prevenção da nossa riqueza enquanto nação e país.
E o que tem isso a ver com o empreendedorismo? Tem tudo!!!! Porque o fator crítico de viabilidade de um projeto é a sua capacidade de gerar valor. O valor gera-se através da capacidade de, com rigor, exigência, sermos capazes de acrescentar mais aos ativos com que começamos os nossos projetos. Ora esse principio é válido em todas as dimensões da nossa atividade, no país e nas empresas: por mais dinheiro que se investa num projeto, este só tem futuro através de uma gestão eficiente dos recursos, pela capacidade de conservar os ativos e fazê-los aumentar de forma sustentável.
E, tal como muitos projetos morrem – apesar do capital neles injetado – também o nosso país dificilmente sairá desta modorra se a atitude dominante for o despesismo, a ausência de rigor na utilização dos recursos, a falta de prevenção e a exigência de preservação daquilo que é de todos.
Estou confiante que as novas gerações, com uma cultura empreendedora mais incutida no seu espírito, também irão transmitir as preocupações de conservação do património e da gestão rigorosa dos recursos, a toda a sociedade, contribuindo para que o país acorde para um grau de exigência na preservação do que é de todos muito mais elevado.