Opinião
Lince com i

Neste meu primeiro artigo, aproveito para agradecer ao Link to Leaders pelo convite. Tenho que começar pelo princípio, pela “minha” aventura. Com o meu percurso até hoje, com erros e sucessos, espero poder ajudar quem se queira “aventurar” também.
Sempre fui irrequieto, aluno mediano, mas com muita criatividade. Tenho em mim algo que me orienta na vida, que me mostra o caminho a seguir e quais os riscos que devo tomar e quando os devo tomar.
Depois do curso, que me deu zero prazer em fazer, e depois de algumas experiências profissionais de curta duração devido aos estudos, acabei por ir trabalhar no grupo de empresas do meu pai. O imobiliário entrou na minha vida da melhor maneira. Estava a trabalhar numa área absolutamente incrível, com muito pouca monotonia e integrado no grupo, considerado por muitos o melhor promotor imobiliário a operar em Portugal.
Estive envolvido em todo o tipo de projetos, em todo o tipo de negociações e tive que lidar com todo o tipo de gente. Sem nunca ter grandes mordomias por ser filho de quem era, esta fase foi, durante vários anos, uma grande escola (muito mais do que todos os estudos que tinha tido até então).
Aprendi muito com o meu pai, na ética, na seriedade, na negociação e, acima de tudo, no desenvolvimento do “faro” para as oportunidades de negócio. A quantidade de oportunidades que analisei dependia sempre da perspectiva com que se olhava.
Com a idade a passar e a personalidade a formar-se, comecei a ter “opinião” em alguns assuntos, levando a chocar com o meu pai em algumas delas. E, na maior parte das vezes, era mesmo eu que não tinha razão. A rapidez de raciocínio e a maneira como o meu pai desmontava os meus argumentos era algo que, ao mesmo tempo, me irritava e me deixava cheio de admiração. Tratava-se de uma escola de vida que eu ainda hoje considero não ter atingido.
O crescimento interno que tive dentro da empresa levou-me a estar envolvido em várias operações, não só imobiliárias, mas também além-fronteiras. Uma aprendizagem enorme que mais tarde me veio dar a coragem que precisei para arriscar.
Foi em 2008 que realmente sentimos que algo mais grave se iria passar em termos de conjuntura internacional e o impacto que teria no nosso país. Já a prever que algum deste risco pudesse acontecer, apostámos mais forte nos negócios internacionais. E, realmente, foi o que fez a diferença. Portugal entrou num período muito complicado e sinto que, com o passar destes anos, já houve algum esquecimento das dificuldades que todos enfrentámos. Bom por um lado, mas nunca devemos esquecer o que correu mal para não voltarmos a repetir, bem como para sabermos estar preparados.
Foram tempos em que os bancos, aqueles que sempre nos bateram à porta para nos apoiarem em muitas e diversas operações, nos deixaram de dar apoio e começaram a ter uma postura de agressividade. Não porque os empresários portugueses estivessem a ter uma postura incorreta, mas porque o mercado deixara de funcionar. Não havendo mercado, os pressupostos mudam e a tentativa de compreensão foi nula por parte dos bancos, principalmente os bancos espanhóis.
Com a aposta no mercado internacional, disponibilizei-me a ir para o Brasil assumir as nossas operações no país. Teria nesta minha ida uma oportunidade de independência e de ter um estilo de liderança e gestão próprio. Infelizmente, este sonho nunca chegou a acontecer e tive muita dificuldade em aceitar.
É com este NÃO que nasce a minha coragem! Dei asas à imaginação e ideias não me faltaram. Desde o desenvolvimento de apps para iPhone, a ginásios ao ar livre, a plataformas de negociação de oportunidades de investimento, as experiências foram muitas.
Entre todas estas experiências houve uma com especial carinho. A ida para a China no passado, dada a minha envolvência com uma fábrica de torrefação de café em Macau, permitiu-me ter acesso ao mercado chinês e à procura de casas em Portugal para compra. Nasce a Lince Real Estate.
Na China existe muita simbologia associada aos animais e, na procura de um nome e de uma marca, decidi pesquisar sobre um animal respeitado pelos chineses e pelo mercado chinês. O tigre é a referência e então resolvi ir descendo no tamanho do felino até chegar ao lince, um animal da mesma família, mas com raízes portuguesas também.
Tive a oportunidade de montar uma equipa do zero, de pessoas que acreditaram no projeto e que viram oportunidade como eu vi, e o sucesso foi crescendo. Havia muito imóvel que precisava de ser vendido em Portugal e eu tinha os contatos nos mercados que os procuravam.
Como irrequieto que sou, a mediação imobiliária não me chegava, queria mais. Como o mercado estava a mostrar os primeiros sinais de recuperação, decidi avançar para outro projeto. Fazia-me todo sentido tentar gerir o capital que estava a entrar em Portugal e investir nas oportunidades que estavam a surgir. Assim nasce a Lince Capital. Arrancámos pelo imobiliário e, com o sucesso que fomos atingindo, crescemos a equipa para Venture Capital e Private Equity.
Continuo, hoje e sempre, a ser um eterno irrequieto e curioso. Gosto de criar empresas e negócios, gosto de ver ideias a nascer. Com toda a humildade, deixo aqui algumas linhas que me orientam na vida, sabendo que ainda tenho muito para aprender:
Família: Ter um porto seguro em casa é um pilar fundamental para quem se queira aventurar. O apoio, o sorriso e o abraço de quem nos ama ao fim de um dia difícil são das coisas mais importantes que podemos receber.
Instinto: É algo que se vai adquirindo com base na experiência de vida. O mais importante é falhar e saber levantar-se, saber arriscar, sabendo que, se correr mal, a vida não para e existe sempre a oportunidade de melhorar. Assim, estaremos a alimentar o nosso instinto e temos que o seguir.
Equipa: Um dos aspetos mais importantes no meu percurso. A experiência que tenho tido até hoje permite-me saber ler com quem trabalho e ajuda-me a escolher a pessoa certa para o lugar, mesmo que tenha pouca experiência. Ter ao nosso lado as pessoas certas é completamente transformador, e a experiência adquire-se com tempo e facilidade. O que mais importa é a dedicação e a paixão com que essa pessoa abraça o desafio.
Para terminar, não posso deixar de falar em Portugal, como país e mercado. As viagens e experiências internacionais permitem-me dizer isto com alguma confiança: os portugueses são dos melhores trabalhadores que podemos encontrar, desde que colocados no lugar certo. Temos uma nova geração no país onde o empreendedorismo não assusta. Temos uma economia fraca e desafiadora, com líderes pouco capazes e sem uma visão de longo prazo, porque a agenda política impede que isso aconteça. É difícil empreender em Portugal, mas existe quem o faça com muito sucesso. Com uma legislação mais simplificada, uma carga fiscal mais leve, uma imprensa que dê visibilidade ao sucesso sem se alimentar do insucesso e tribunais que funcionem em tempos razoáveis, imaginem onde Portugal poderia chegar e o crescimento que as empresas portuguesas poderiam ter, criando emprego e mais capacidade de compra para todos.