Entrevista/ J-UNK, a marca portuguesa que usa mangueiras de incêndio para produzir calçado
Com pouco mais de três anos de vida, a marca de calçado J-UNK optou pela criação de produtos sustentáveis e slow fashion com uma matéria-prima inesperada: mangueiras de incêndio danificadas. Bárbara Silva, Strategy & Planning Manager da J-UNK, traça o percurso da marca e fala dos desafios que enfrenta.
“Queremos ser uma marca made in Portugal inovadora, devido à utilização das mangueiras danificadas em incêndios e queremos que o consumidor comece a aliar as marcas portuguesas ao fator sustentabilidade”, explica Bárbara Silva, Strategy & Planning Manager da J-UNK, uma marca de calçado 100% portuguesa criada em 2020 por Jacinto Oliveira, o empreendedor por detrás do projeto.
De fabrico artesanal, é assim que a marca quer continuar e com uma proposta de valor assente na inovação e na sustentabilidade, com produtos orientados para um perfil de consumidores “que não tem receio de ser diferente, que não segue a “maré” e claro, que tem preocupações ambientais”.
Os desafios têm sido vários ao longo do percurso, desde logo “consciencializar os consumidores sobre a importância da sustentabilidade neste setor”. Mas o lema da marca mantém-se: “Compre menos, mas melhor”. Assim como a intenção de “levar a marca a diferentes partes do mundo, conquistando novos públicos”.
Como surgiu a ideia de criar a J-UNK?
A ideia para a criação de uma nova marca, surgiu em 2019, quando a marca onde Jacinto Oliveira comprava grande parte do seu calçado encerrou e as alternativas existentes não lhe agradarem. Viu nesta situação uma oportunidade de negócio e, juntamente com a Shoelutions, procurou criar uma marca de calçado com uma identidade forte e uma ligação emocional que fizesse sentido.
Na altura, a ideia foi criar uma ligação entre o calçado ao estilo de música “punk/hipster”, com que se identifica, e à causa social em prol dos bombeiros, entidade com que manteve ligações durante toda a vida. Em 2020, mesmo com a grande instabilidade económica provocada pela pandemia do Covid-19, os primeiros protótipos foram feitos e no final do ano de 2021, a marca começa a ser comercializada.
Como foi a receção do mercado à vossa proposta?
O feedback tem sido positivo. Acham um conceito e uma ideia engraçada, mas não ao ponto de comprarem. Isto pode ser devido aos hábitos de consumo, em que existe a preferência por comprar mais barato e com uma maior frequência, em vez de gastarem mais, mas não terem a necessidade de voltar a comprar tão cedo.
Porquê o recurso às mangueiras danificadas, usadas em incêndios, como matéria-prima?
Numa realidade em que existem cada vez mais marcas de calçado e a oferta é imensa, para nós era essencial conseguirmos oferecer aos consumidores características diferenciadoras, que respeitassem os valores de sustentabilidade e que distinguissem a nossa marca das demais. Optamos pelas mangueiras de incêndio danificadas, presentes em todos os nossos produtos, tanto pela ligação do fundador com os bombeiros, como pela sustentabilidade e originalidade do material, que de outra forma iria parar a aterros. Deste modo, conseguimos também criar um lado de cariz social com donativos às associações humanitárias de bombeiros voluntários.
Qual o vosso produto “estrela”? Que tipo de consumidor o procura?
Não temos um produto estrela, apesar que podemos dizer que o modelo ao qual temos mais reações é o J-Derby Boot, a nossa bota. Fazemos modelos intemporais e não novas coleções, que acompanham todas as estações e, desta forma, respeitamos os valores de sustentabilidade e slow fashion.
O vosso portefólio de produtos acaba de ser aumentado com uma coleção de porta cartões, novamente com o recurso a mangueiras danificadas. Que outros projetos têm em agenda para os próximos tempos?
Estamos neste momento a desenvolver novos produtos, um modelo de sandália dentro do género da marca Birkenstock, e um modelo de Chelsea Boot. Não definimos ainda os nomes para estes modelos, mas podemos dizer que vão ter na mesma a incorporação da mangueira danificada e vão ser modelos intemporais.
O fabrico artesanal feito em Portugal vai continuar a ser a vossa aposta?
A gestão da marca J-UNK é feita pela experiente empresa de serviços de calçado Shoelutions, localizada em Santa Maria da Feira. O fabrico é e vai continuar a ser feito artesanalmente em Portugal. Há uma relação próxima e pessoal com os fornecedores de matérias-primas e pequenas fábricas familiares, que partilham os nossos valores de integridade, transparência e fabrico responsável.
“(….) uma das maiores dificuldades sentidas (…) é arranjar fornecedores que façam pequenas quantidades para as nossas pequenas produções”.
Enquanto empreendedores numa área como esta, quais têm sido os maiores desafios para levar o projeto em frente?
Como somos uma marca recente no mercado, uma das maiores dificuldades sentidas, e que continuamos a constatar, é arranjar fornecedores que façam pequenas quantidades para as nossas pequenas produções. Outra dificuldade é a obtenção de materiais sustentáveis, que pode ser desafiadora, pois envolve encontrar fontes de materiais renováveis, biodegradáveis ou reciclados, o que requer muita pesquisa e uma procura constante por materiais inovadores que deem resposta ao que pretendemos.
Um grande desafio sentido também é consciencializar os consumidores sobre a importância da sustentabilidade neste setor. Portugal é conhecido a nível mundial pela sua indústria de calçado e esta sustentabilidade é algo inovador, que vem mudar décadas de tradição. É necessário voltar a educar os consumidores, para que todos juntos consigamos caminhar para um futuro mais ecológico e sustentável, sendo que este tema é algo recente e tem ainda um longo caminho pela frente.
Quais os valores subjacentes à marca e aos produtos que colocam no mercado?
A J-UNK apresenta uma proposta de valor assente em cinco valores. Numa realidade em que existem cada vez mais marcas de calçado e a oferta é imensa, para nós era essencial conseguirmos oferecer aos consumidores características diferenciadoras, que distinguissem a nossa marca das demais.
Começamos pelas mangueiras de incêndio danificadas, presentes em todos os nossos produtos, o que têm também um lado de cariz social com os donativos que fazemos às associações humanitárias de bombeiros voluntários. Outra das características é a pele de curtimenta vegetal que utilizamos na produção, tendo uma maior duração. A atualmente menos de 10% da pele mundial é curtida através deste método.
Algo que para nós também é importante é sermos uma marca slow fashion. Os nossos produtos são feitos para durar, devido à elevada qualidade e consequente durabilidade, pelo que não é necessário comprar com tanta frequência. A J-UNK é uma marca sem género, sendo que todos os modelos e cores são para serem usados por toda a gente e, por fim, somos uma marca eticamente fabricada em Portugal, onde existem valores de integridade, transparência e fabricação responsável.
“(…) a sustentabilidade é a chave no nosso modelo de negócio”.
Qual o peso que a sustentabilidade tem no vosso modelo de negócio?
A J-UNK é a única marca de calçado do mundo que utiliza mangueiras danificadas em incêndios. Promovemos a sustentabilidade do calçado nacional através dos nossos fornecedores locais, que ficam todos localizados num raio de 10km, nos materiais que utilizamos nos nossos produtos e dos excedentes que utilizamos para criar novos produtos, como as carteiras, e através do uso das mangueiras, que de outra forma iriam parar a aterros. Por isso, como podem verificar, a sustentabilidade é a chave no nosso modelo de negócio.
A internacionalização da J-UNK está a concretizar-se? Para que mercados e para que perfil de consumidores?
O nosso foco inicial era o mercado internacional, mais concretamente, o Reino Unido. Porém, devido a algumas dificuldades sentidas e investimento necessário, começamos a explorar novos mercados. Estamos ainda numa fase de, como se diz, “apalpar terreno” e a tentar perceber o melhor posicionamento para a J-UNK. O perfil de consumidores que procuramos e identificamos é um consumidor que não tem receio de ser diferente, que não segue a “maré” e claro, que tem preocupações ambientais.
Três anos depois da criação, como avalia o percurso da marca? A corresponder ao esperado?
O percurso tem corrido como esperado. Sabemos que quando é definido um plano, este não é fixo e de acordo com os resultados que vamos obtendo, vamos alterando e melhorando certos pormenores. Temos alguns pontos primordiais, que servem de base para a nossa estratégia a curto/longo prazo. Queremos que exista cada vez mais o compromisso da sustentabilidade ambiental, adotando cada vez mais práticas sustentáveis em todas as etapas da produção, reduzindo o impacto ambiental, promovendo a reciclagem e a economia circular.
Não queremos parar de inovar, procurando constantemente melhorar os nossos produtos e lançar mais. Uma aspiração importante é também a marca ser reconhecida como inovadora e distinta, conhecida pelos seus produtos únicos e de alta qualidade. Queremos criar cada vez mais uma identidade de marca autêntica, conseguindo uma conexão verdadeira e genuína com os consumidores e a comunidade e levar a marca a diferentes partes do mundo, conquistando novos públicos.
“(…) queremos que o consumidor comece a aliar as marcas portuguesas ao fator sustentabilidade”.
Sendo Portugal conhecido pela qualidade do seu calçado, que contributo esperam trazer para a valorização desta imagem e para a dinamização deste setor económico?
Esperamos que os valores da J-UNK sejam transmitidos e um contributo por si só para o conhecido calçado português. Queremos ser uma marca made in Portugal inovadora, devido à utilização das mangueiras danificadas em incêndios e queremos que o consumidor comece a aliar as marcas portuguesas ao fator sustentabilidade.