Entrevista/ “A IFD procura soluções para as falhas de mercado”

Há poucos meses na presidência da comissão executiva da IFD, Henrique Cruz traçou ao Link To Leaders as linhas gerais de atuação da Instituição para o próximo ano e falou dos instrumentos de apoio financeiro que as PME e start-ups podem obter junto da IFD.
O Banco Europeu de Investimento (BEI) e a Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD) assinaram um memorando de entendimento para promover o apoio disponível através da Plataforma Europeia de Aconselhamento ao Investimento (PEAI). Qual o ponto de situação desta parceria?
O Banco Europeu de Investimento tem o mandato da Comissão Europeia para implementar a política pública europeia. No caso da IFD, atuamos num segmento dessa política europeia que são as políticas direcionadas para as PME e para as mid caps. Além das componentes de funding e de instrumentos de garantia e de capital, o Banco Europeu de Investimento desenvolveu um serviço de aconselhamento para ajudar a estruturar os projetos de investimento das empresas, de forma a que sejam melhores e tenham mais probabilidade de aceder aos instrumentos de financiamento da Comissão Europeia.
O acordo que celebramos com eles visa, por um lado, desenvolverem-se, enquanto banco promocional, disponibilizando soluções às empresas portuguesas. Mas também desenvolver consultoria que eles podem oferecer às pequenas e médias empresas, para melhorarem as suas candidaturas e os seus projectos de investimento.
Portanto, é uma parceria com que beneficiamos porque podemos importar as boas práticas do grupo BEI, mas em que as PME também beneficiam porque podem ter o aconselhamento do BEI para que os seus projetos sejam mais bem-sucedidos.
É uma parceria que está no bom caminho e a dar resultados em termos práticos?
Já temos um projecto a ser preparado e que para já visa a capacitação da IFD. Mas estamos disponíveis para receber da parte das empresas eventuais manifestações de interesse em ter esse apoio do BEI. Portanto, todas as empresas que tenham um projeto com alguma dimensão podem beneficiar da consultadoria do BEI através da IFD. Nós somos a porta de entrada para acesso a esse serviço.
Estamos convencidos de que até ao final do ano vamos conseguir chegar aos 500 milhões.
Atualmente, como avalia papel da IFD? As empresas já percebem a ajuda efetiva que pode vir do vosso lado?
Há um ano, a IFD tinha feito chegar às empresas 50 milhões de euros, entre instrumentos de dívida, de capital e de garantia. No final de setembro tinha feito chegar 300 milhões. Portanto, passámos de 50 milhões para 300 milhões, no espaço de um ano. Estamos convencidos de que até ao final do ano vamos conseguir chegar aos 500 milhões. E até ao final de 2019 achamos que conseguimos duplicar para mil milhões de euros.
Reconheço que temos um desafio que é falar para os empresários. E é isso que temos estado a tentar fazer, procurar despertar nos empresários conhecimento dos instrumentos que temos disponíveis. E como é que o estamos a fazer? Para já, apresentando-lhes todos os parceiros da IFD, que, sendo uma entidade grossista, trabalha naquilo que eu chamo de “segundo piso”. Portanto, é no segundo piso que os empresários encontram o atendimento.
Mas nós temos de fazer com que o empresário procure os nossos instrumentos nesses centros de atendimento, que são muito diversificados. Temos parcerias com todos os bancos para fazer financiamento de garantia mútua, temos protocolo com a Sociedade de Garantia Mútua para que possam ter acesso, por exemplo, à linha Capitalizar Mais, que é uma linha de financiamento de muito longo prazo, com 12 anos de período de financiamento. Temos parcerias com 15 sociedades de capital de risco, que têm 100 milhões de euros para investir em capital de empresas. Temos parcerias com 68 sociedades de business angels que também podem investir em tickets mais pequenos, em pequenos negócios. Portanto, podemos chegar aos empresários por essa forma.
Além disso estamos ainda a fazer outra coisa para que os empresários conheçam os instrumentos disponíveis. Vamos ter nos dias 12 [hoje] e 14 deste mês dois eventos, com a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas para divulgar estas soluções. Porquê os revisores oficiais de contas? Porque são as pessoas que trabalham nas empresas, estão no terreno e são os nossos melhores embaixadores para que os empresários conheçam as soluções da IFD.
Mas vamos também tentar fazer isso com os contabilistas certificados e com os economistas. A ideia é inverter a pirâmide, ou seja, em vez de serem os bancos a oferecerem os instrumentos financeiros aos empresários, é normal que sejam os empresários a procurar junto dos bancos, das capitais de risco e dos business angels as nossas soluções. Já colocamos 300 milhões euros e, neste momento, temos capacidade financeira para ir até 2 mil milhões de euros.
Desse conjunto de instrumentos que tem disponível para o mercado, algum deles se destaca ou é especialmente relevante para as empresas?
Depende muito da necessidade do empresário. Se quer financiamento de capital, deve dirigir-se às capitais de risco, se for um pequeno empresário, às entidades de business angels. Se for um financiamento para um investimento de longo prazo, pode utilizar uma das linhas de garantia mútua que disponibilizamos através dos bancos ou das sociedades de garantia mútua.
O perfil da IFD e dos vossos parceiros adequa-se a alguma área de negócio em particular ou geral?
É geral, para PME´s e mid caps até 3 mil trabalhadores. São soluções disponíveis em termos gerais para todos.
A comunicação do que fazem está a chegar ao mercado?
Como dizia, conseguimos passar de 50 milhões para 300 milhões…Mas o desafio é precisamente aquela ideia que referi, do segundo piso. Nós não temos relação direta com os empresários. Quem tem são os nossos parceiros e nós precisamos de comunicar intensivamente que as soluções estão disponíveis. É o que já estamos a fazer. Já fizemos duas sessões e vamos continuar a fazer junto de duas plateias que entendemos serem as mais eficazes
Que empresas já receberam financiamento? Pode avançar alguns exemplos?
Na linha Capitalizar Mais já financiamos, desde o início, cerca de 850 empresas, com business angels já fizemos cerca de 120 operações e com capitais de risco fizemos 16 operações. Portanto, estes 300 milhões apoiaram estas empresas. Na lista de empresas que beneficiaram de apoio temos, por exemplo, a Sensei Data, a MindProber ou a Findster.
A IFD é uma instituição que tem uma natureza contracíclica, que procura amortecer situações mais extremas de escassez de financiamento às empresas.
Qual é o papel da IFD na dinamização económica portuguesa, uma vez que tem uma série de instrumentos de financiamento importantes?
A IFD é uma instituição que tem uma natureza contracíclica, que procura amortecer situações mais extremas de escassez de financiamento às empresas. Por outro lado, é uma entidade que está à procura de soluções para as falhas de mercado. Ou seja, quando os projetos, apesar de terem benefícios para a sociedade, têm um perfil de risco de retorno que não interessa aos privados sozinhos, ou porque são de longo prazo ou têm um risco superior porque não têm garantias para oferecer, o nosso papel é facilitar o acesso desses projetos ao financiamento. Como? Ou dividindo o risco com o privado, por exemplo fazendo coinvestimentos, o que faz dividir o esforço de capital privado, ou oferecendo uma garantia que diminua o risco do projeto, ou oferecendo dinheiro com uma estabilidade maior no longo prazo. Portanto, garantindo um financiamento de mais longo prazo aos projetos.
O papel da IFD em termos de benefício económico é este: é ser contraciclo, estar lá porque é uma instituição de longo prazo, o chamado dinheiro paciente, e, por outro lado, facilitar o acesso ao financiamento com este tipo de soluções.
Tem sentido dificuldades das PME em conseguirem dar o salto, em ultrapassarem a fase de crise?
Há situações muito diferenciadas. Eu diria que as falhas de mercado existem em todos os setores. O nosso papel, mais do que ter um aproach conjuntural, é olhar para o perfil dos projetos de investimento que as empresas têm e facilitar o acesso ao financiamento. E essa é uma situação que existe sempre. Por vezes, há situações de escassez de crédito, outras vezes há situações de preço elevado do crédito e outras vezes ainda há dificuldade de estabilidade do dinheiro de longo prazo, porque as empresas precisam de estabilidade das suas fontes de financiamento. E isso não é só conjuntural. É estrutural. Por isso, diria que nesse ponto de vista a IFD tem uma missão que é válida em qualquer ponto do ciclo.
Há empresas que neste momento se calhar estão mais desafogadas e não precisam tanto de apoio, mas há outras como é o caso das start-ups que, pela sua própria natureza (de não terem um histórico porque estão a começar, de não terem garantias para oferecer), normalmente não conseguem acesso ao financiamento. Por isso, a IFD tem instrumentos de capital de risco, quer de business angels, muito direcionados para start-ups que estão a iniciar a sua atividade, que tem um risco mais elevado, mas tem um benefício para a sua sociedade que é a dinamização e modernização da economia. Portanto, estamos presentes e atentos a essa realidade.
A nossa parceria com o BEI está a bom ritmo e está a ser aprofundada. Estamos contentes com isso.
Acha que Portugal está a conseguir aproveitar ao máximo as vantagens e oportunidades disponibilizadas pelo Banco Europeu de investimento?
Não lhe consigo responder. Primeiro, porque o BEI tem os seus próprios números e saberá dizer melhor se os seus apoios em Portugal têm aumentado ou não. Da parte das empresas, provavelmente, encontrará de tudo, empresas que já tiveram acesso, outras que não. O que posso dizer é que da nossa parte, IFD, temos aprofundado essa parceria. Já temos 350 milhões de euros do BEI aprovados para a IFD utilizar a favor das PME e das mid caps. A nossa parceria com o BEI está a bom ritmo e está a ser aprofundada. Estamos contentes com isso.
Qual a meta da IFD para 2019?
Até 2019, a nossa meta é chegar aos mil milhões de financiamento. É esse nosso objetivo.
E em termos de parcerias e alargamento dos instrumentos que têm disponíveis, alguma coisa em agenda para aumentar a área de intervenção?
Nós trabalhamos numa lógica de falhas de mercado, não posso dar nenhuma iniciativa em concreto. Posso apenas dizer-lhe que estamos a estudar a situação de escassez de financiamento de capital de muito longo prazo. Ou seja, os bancos, as seguradoras e os fundos de pensões deixaram de estar disponíveis para investir em capital de risco e nós estamos à procura de uma solução para compensar esse afastamento dos investidores institucionais do capital de risco. Outra falha de mercado que também estamos a estudar é o tema relacionado com as empresas que acabam de reestruturar as suas dívidas, que tem alguma dificuldade de acesso a financiamento para fazer o restart da sua atividade. E outro tema para onde também estamos a olhar é o dos pequenos negócios, das empresas de pequena dimensão que têm crédito muito caro e, sobretudo, porque vivem de crédito de muito curto prazo.
Está há poucos meses na presidência da IFD. Quais são os seus objetivos para a IFD?
Há uma coisa que nos motiva a nós, equipa da IFD, é que a Comissão Europeia tem feito uma força grande para que cada país tenha o seu banco de desenvolvimento, tenha o seu banco promocional, como sendo uma extensão do próprio grupo BEI, para a implementação local da política europeia destinada às PMEs. Portanto, nós temos essa motivação extra. Por outro lado, há ainda uma outra motivação: não há falta de financiamento na IFD. Os nossos parceiros estão disponíveis, temos capacidade financeira, mas é também um projeto que está a ser feito. Eu já tive outras experiências em que também construí de raiz uma instituição e agora estou a repetir essa experiência. Que é uma coisa muito interessante, criar novos processos, criar equipas… isso é uma motivação muito interessante.
Como olha para o impacto de eventos como o Web Summit na economia portuguesa?
Nós IFD temos também um desafio importante que é o chamado crowding in da linha de privado, que é atrair dinheiro privado para investir nas PMEs e nas mid caps. O Venture Summit [que aconteceu durante o Web Summit] reúne investidores de capital de risco de todo o mundo. É também uma oportunidade de atrair esses investidores para coinvestirem com as entidades portuguesas. Desse ponto de vista, é um evento que nos interessa porque pode ser uma forma de também captarmos investimento para Portugal.
*Instituição Financeira de Desenvolvimento