Opinião

Humanos e Máquinas: a Interdependência que Nos (Des)liga

Pedro Celeste, diretor-geral da PC&A

Vivemos tempos paradoxais. O tempo em que tudo está “ligado” — mas nem sempre estamos ligados uns aos outros.

O digital trouxe-nos avanços inegáveis: aproxima pessoas, acelera processos, dá-nos acesso imediato à informação e, mais recentemente, permite-nos interagir com inteligências artificiais que aprendem connosco. Mas há um paradoxo silencioso: quanto mais dependemos da tecnologia, mais nos afastamos do contacto humano genuíno.

Um exemplo simples (e recorrente) a que todos já assistimos: o almoço com a família ou amigos. A mesa está posta, a comida cheira bem, mas reina o silêncio. Não há conversa, troca de ideias, nem discussões sobre futebol ou política. Em vez disso, cada um está no seu ecrã.

São as mesmas personagens que, noutro espaço temporal, estão a ouvir podcasts — longas conversas entre desconhecidos. Pessoas que não conhecemos a falar sobre temas que nem sempre nos tocam. Chegámos a um novo voyeurismo social: escutamos os outros enquanto ignoramos os nossos.

Este fenómeno estende-se a quase todos os contextos do nosso quotidiano. Nos transportes públicos, nos cafés, nos encontros românticos… Estamos juntos, mas não estamos presentes. Comunicamos com emojis, reagimos com “likes” e partilhamos “stories”, mas esquecemo-nos de olhar nos olhos, de escutar com atenção, de simplesmente… estar.

E há outros exemplos, igualmente caricatos. Amizades mantidas por mensagens automáticas (“Desculpa, estou ocupado, falamos depois”), e relações iniciadas (e por vezes terminadas) com a ajuda de IA — que já escreve elogios, sugestões de encontro e até pedidos de desculpa com uma precisão quase desconcertante.

Estamos a ficar bons em comunicar com algoritmos, mas menos treinados em lidar com silêncios reais, com emoções humanas e com as falhas normais das interações. Perdemos a paciência para conversas longas, mas ouvimos cinco episódios consecutivos de um podcast.

Trocamos risos genuínos por reações pré-programadas. E, convenhamos, uma gargalhada nunca deveria vir com delay.

Mais recentemente, a inteligência artificial entrou nesta equação. Agora, há IA que escreve por nós — mensagens de amor, discursos motivacionais, e-mails de desculpas. Está tudo otimizado. Tudo certo. Mas será… humano?

Será que nos estamos a tornar em mestres da eficiência emocional, mas a perder a prática da vulnerabilidade real? Aquela que vem com silêncios desconfortáveis, com risos inesperados, com a lágrima que aparece sem aviso.

A interdependência com o digital é irreversível. A IA já não é apenas uma ferramenta; é um interlocutor, um curador, um filtro da realidade. Mas não tem cheiro, nem calor, nem lágrimas.

Podemos inverter esta tendência? Talvez não no sentido de regressar ao passado, mas de a reequilibrar. Precisamos de reumanizar o digital. De reaprender a brincar, a conversar com hesitações, a corar ou a escutar com empatia. Precisamos de reaprender a comover-nos. Chorar de emoção com a presença do outro, e não com o final de uma série.

O digital pode ser a ponte, mas não pode ser o fim. A IA pode sugerir, mas não pode sentir.

Talvez o futuro não nos peça que escolhamos entre o humano e o digital, mas que recordemos o que é, afinal, ser humano.

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Pedro Celeste

Pedro Celeste

Doutorado em Gestão pela Universidade Complutense de Madrid. Diplomado pelo INSEAD, London Business School, Wharton School, University of Virginia, MIT Management Sloan Management School, Harvard Business School, Imperial College of London, Kellogg School of Management de Chicago e IESE Business School. Na Católica Lisbon School of Business & Economics é Diretor Académico dos Executive Master in Management e coordenador do Programa Avançado de Marketing para Executivos, do Programa de Gestão Comercial e Vendas, do Programa de Gestão em Marketing Digital... Ler Mais..

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