Entrevista/ “Gostava que a Kinda daqui a cinco anos fosse relevante a nível europeu”

John Leitão, CEO da Kinda Home

De origem nacional, a Kinda Home deu os primeiros passos no mercado angolano, mas há três anos abriu no Porto a sua primeira loja em Portugal e desde então o percurso tem sido de crescimento. John Leitão, CEO da empresa de mobiliário e decoração, falou ao Link To Leaders dos seus planos de avançar para o mercado ibérico e, numa segunda fase, para o resto da Europa.

O mobiliário e decoração é o core business da Kinda Home, uma empresa de raízes portuguesas que começou o seu caminho além-fronteiras. Optou por abrir a sua primeira loja no emergente mercado angolano, em 2013, e só entrou em Portugal, concretamente no Porto com uma flagship store em 2018. Desde então, a expansão desta empresa do grupo Nuvi materializou-se com a abertura de mais duas lojas. Mas, devido à pandemia, o digital acabou por ganhar espaço, como explicou John Leitão, CEO da Kinda Home, em entrevista ao Link To Leaders. Os planos futuros passam por marcar presença, pelo menos, em mais uma ou duas geografias.

Três anos depois de ter chegado ao mercado, o que é hoje a Kinda Home? Que momentos destaca desse percurso?
A Kinda nasceu no Porto com uma flagship store muito importante num ponto muito emblemático do comércio do Porto e isso foi muito importante para a entrada da marca em Portugal, porque destacou-nos logo como uma grande marca. E desde aí temos feito um caminho que foi aprender com as necessidades do mercado português e adaptar a nossa oferta ao mesmo. Obviamente que ninguém chega com a receita perfeita. Tem sido um contínuo de testes, ajustes de resultados, de aprender e a seguir. E, portanto, ao final de três anos, onde é que estamos? Depois dessa loja no Porto já abrimos mais dois formatos, uma loja de shopping em Oeiras que está a correr muito bem. É um formato muito distinto da loja do Porto. E agora estamos a abrir a nossa primeira loja de rua, mais uma vez um teste e um processo aprendizagem.

Temos aprendido bastante ao longo deste percurso, as três lojas que temos hoje são todas muito distintas, uma é muito grande e é preciso atrair tráfego só para ela, o que é um desafio específico. A loja de Oeiras está inserida num dos maiores shoppings do país e, portanto, não é preciso criar tráfego. É preciso servir o que existe e agora a loja de rua e aqui esperamos criar um ícone de Lisboa, que motive os clientes a virem à rua especificamente para visitarem a Kinda. Se olharmos para trás ao longo dos três anos, ainda somos uma start-up e orgulhamo-nos de tal e continuamos a aprender com muito entusiasmo. Ainda não acabamos a nossa fase de desenho do modelo de negócio.

A pandemia forçou-vos a alterações na estratégia que tinham definido na altura que abriram em Portugal, em 2018?
Por sorte não, porque, por definição, nascemos como uma marca omnicanal e, portanto, a Kinda não tem problemas de legacy como outras marcas que nasceram no canal físico e depois têm de evoluir para o online. Nós nascemos logo no omnicanal. Isto quer dizer que temos uma plataforma online que é igualmente potente. Nunca foi um site business, sempre foi um business tão importante como o outro e vive em consonância com as lojas. A pandemia teve, obviamente, impacto com o fechar de lojas e o impacto nas receitas, mas graças a Deus não tivemos de reinventar o nosso negócio. Já eramos omnicanal e o que aconteceu foi que um dos nossos canais fechou-se e o canal online ganhou muito mais importância.

A única nota que posso dar nesse aspeto é que tivemos de forma dinâmica de movimentar alguns dos nossos recursos humanos da parte da loja para a parte online. O que até teve alguma piada porque, a dada altura, tínhamos um carrossel do embalamento na nossa loja do Porto. O aumento e encomendas online foi tão grande que tivemos de pôr equipa da loja do Porto a embalar dentro do átrio de entrada.

O confinamento, e o facto dos portugueses estarem mais em casa, provocou alterações na procura de mobiliário e de decoração?
Sim. Acho que há uma maior preocupação com o conforto na casa. Sem dúvida. Mas simultaneamente exige um maior cuidado no canal online e no atendimento ao cliente porque as pessoas querem melhorar esse conforto de forma remota, o que é um pouco difícil. A pessoa tem de conseguir escolher um sofá sem nunca se ter sentado nele. E isso exigiu, do ponto de vista da informação de produto, que tivéssemos de melhorar muito. Para lhe dar um exemplo, o nosso call center teve quase que duplicar ou triplicar para atender os vários pedidos de informação de clientes porque não estávamos preparados. Anteriormente, o que acontecia muito neste negócio, é que as pessoas queriam comprar um sofá, iam ao online e depois às lojas. Agora não podem ir às lojas e querem falar com alguém para falar desse sofá. Isso mudou o processo de compra.

Mas claramente, e pelo nosso crescimento de vendas, acreditamos que as pessoas estão mais preocupadas com o interior das suas casas e mais predispostas à compra de mobiliário e de decoração. Não consigo dizer isso factualmente, porque como somos uma marca em crescimento, é difícil saber se estamos a crescer porque estamos a ganhar quota ou se estamos a crescer porque o mercado está a crescer.

“As lojas desceram, mas o online quase que recuperou as lojas. Não por completo, mas quase”.

Mas desde que abriram e, no último ano, houve aumento de faturação?
Não, tivemos uma queda de faturação total por causa da pandemia, porque as lojas desceram. Mas conseguimos manter a nossa linha de faturação total. As lojas desceram, mas o online quase que recuperou as lojas. Não por completo, mas quase.

Como é que a marca Kinda se relaciona com a tecnologia? Como usa as novas tecnologias a seu favor, quer no âmbito das próprias lojas, quer na relação com os clientes?
Nós, como start-up que somos, usamos a tecnologia de uma forma muito dinâmica. Ou seja, temos pilares tecnológicos que são a base do negócio e isso é relativamente normal numa marca de retalho. Mas depois há muitos softwares diferentes para melhorar a nossa eficiência como equipa.
Para dar alguns exemplos do que temos, usamos o Slack que é uma plataforma de conversações e a maneira como são coordenadas as equipas, usamos outra plataforma de software online que é o wordtable para gerir a nossa gama, outra para gerir as nossas fotografias… portanto, somos muito dinâmicos na utilização de peças de tecnologia para melhorar a nossa eficiência seja de coordenação de equipas, seja de coordenação de processos.

Na interação com o cliente temos vindo a melhorar continuamente, a dar melhor resposta os pedidos através do maior número de canais e, neste momento, o cliente já consegue contatar connosco não só por email como também por telefone e pelas redes sociais. Temos talvez 10 formas de falar com o cliente. Também usamos a tecnologia para uma melhor resposta às perguntas do cliente. Por exemplo, temos um chat aberto entre as equipas das lojas e as equipas do call center e quando o cliente pergunta quantos sofás temos, conseguimos uma resposta imediata.

Recorrem a outras start-ups para implementar estes sistemas ou desenvolvem tudo in house?
Tivemos muitas start-ups para implementação destes sistemas. A maioria destes softwares hoje em dia são de start-ups. Devemos usar umas 30 ou 40.

A abertura de cinco novas lojas-boutique e um investimento na ordem dos dois milhões de euros foram metas anunciadas pela Kinda para cinco anos. Esses objetivos mantêm-se?
No investimento já ultrapassamos em muito esse número. Estamos no bom caminho para abrir as cinco lojas de que falamos. Já abrimos três, temos mais um espaço na calha, e estamos a fazer isto progressivamente. Se for uma por ano está tudo bem. Até temos uma expetativa de passar esse objetivo.

Pode revelar quanto já investiram até à data?
Já investimos em lojas cerca de três a quatro milhões. Muito porque a nossa primeira loja foi uma megastore, o que tem um custo diferente.

Sendo a Kinda uma marca 100% portuguesa de origem familiar, que benefícios, ou não, esse ADN traz à gestão da empresa?
Tem duas grandes vantagens. Uma é capacidade de tomar riscos. Para lhe dar um exemplo, não é evidente abrir uma loja de mobiliário e decoração de rua. Existem poucas insígnias modernas que tenham lojas de rua.
É uma história triste de Portugal que destruímos os nossos centros das cidades por causa dos shoppings e nós acreditamos muito, como grupo, que isso tem de se inverter. Um país que tem 250 dias de sol, não ter lojas de rua é uma pena. Isso vem muito de ser uma empresa familiar, capaz de tomar esse risco.

A segunda vantagem é a confiança depositada na equipa de gestão, a liberdade criativa. Ou seja, a família que escolheu a equipa de gestão da Kinda confia na mesma para todas as decisões do negócio. E isso tem uma grande vantagem. Permite-nos tomar não só riscos ou do ponto de vista de grandes investimentos, mas também riscos criativos. O que nós fazemos é um bocado mais parecido com moda do que o retalho normal, desenvolvemos novas coleções etc. e isso exige uma confiança muito grande entre o acionista e a equipa de gestão, que é difícil num grande grupo.

De que forma a diversidade de segmentos do grupo em que estão inseridos tem contribuído para o vosso sucesso?
Tem ajudado na coerência de oferta. Ou seja, nós não nos vemos a trabalhar em vários segmentos. Nós vemo-nos a responder a uma necessidade única de um tipo de cliente específico. Ou seja, procuramos criar-lhe a sua própria casa, uma casa gira, com coisas novas, coisas que transmitam a sua personalidade. Portanto, trabalhamos todos os segmentos necessários para responder essa necessidade.

O vosso percurso começou por ser internacional, começarem no mercado angolano. Que lições retiram desse mercado?
Acho que mais do que o mercado angolano é o que aprendemos da primeira fase de expansão da empresa. O que os primeiros cinco anos da empresa em Angola nos permitiu foi a curva toda de experiência desse mercado, que é uma curva longa, porque é um mercado complexo, tem um ciclo de compra muito longo. É complexo porque a pessoa compra hoje e recebe daqui a oito meses, envolve contentores, barcos, direitos aduaneiros, importações… Portanto, o que nos permitiu Angola, e podia ter sido qualquer outro mercado emergente, foi caminhar nessa curva de experiência num mercado emergente que nos sustentou nesse período porque tinha um crescimento explosivo. Fazermos esses primeiros passos em Portugal ia ser muito duro e muito, muito caro. Num mercado explosivo e emergente como de Angola nós conseguimos fazer essa fase de crescimento embrionário, o mercado que aceitou muitos dos nossos artigos, o que na Europa ia ser muito difícil.

Quando chegámos a Portugal já estávamos numa fase de maturidade operacional do negócio muito diferente do que se tivéssemos nascido ontem. Imagine que o que é fazer uma marca de mobiliário e decoração. Teria de descobrir onde estão os fornecedores, descobrir como é que se importam coisas, como se embala, como se fotografa, como se monta um call center… há toda uma fase de crescimento embrionário de uma start-up que num mercado maduro é super duro porque está a competir com pessoas que fazem isso há 200 anos. Um mercado emergente permite sustentar preços e margens maiores que sustenham essa fase embrionária de erros.

Nunca teríamos nascido de outra forma e não é por acaso que não nascem marcas de mobiliário e decoração de retalho todo os dias. Não nasce nenhuma há 20 anos. As últimas duas ou três que nasceram foram a Area, a Maisons do Monde e pouco mais.

O facto de o mercado angolano ser tão embrionário neste segmento foi o que o que pesou na vossa decisão de começar por esse mercado?
Exatamente. Não pense em Angola, pense num mercado emergente. Se fosse montar isto agora, nunca, nunca ia começar na Europa onde a competição tem décadas de experiência, é super dura, e nos primeiros anos eu ia só morrer. E ainda por cima ia estar a queimar a minha imagem de marca. Nós precisamos de cinco anos num mercado emergente para aprender, para agora nos sentirmos confinantes para vir competir num mercado maduro.

Qual a vossa proposta de valor para conseguirem concorrer com quem já está no mercado neste segmento há anos?
Trazemos o que acreditamos ser uma curadoria muito diferente. Temos um exercício de curadoria muito focado em tentar endereçar as várias necessidades do cliente target que nós queremos. Achamos que somos os melhores a fazer essa curadoria e para o fazermos temos uma máquina montada com pessoas em vários países que nos trazem continuamente ofertas e propostas diferentes para curadoria de objetos para essas pessoas. Essa é uma parte.

A segunda parte é trazermos a capacidade de personalização. Nós temos uma área de negócio que se chama atelier onde levamos esta curadoria um passo mais à frente e fazemos coisas para o cliente. Desenhamos a sua própria cozinha, fazemos as suas próprias estantes, no limite fazemos o seu próprio sofá. Isso mais ninguém faz neste mercado ou pelo menos ninguém faz as duas coisas em simultâneo.

E a terceira parte que trazemos a este mix é portugalidade. Temos muito orgulho em ser portugueses e trabalhamos com vários parceiros portugueses para trazer o melhor que se faz em Portugal para este mercado. Estas três coisas, no mesmo sítio, na mesma insígnia, ninguém está a fazer em simultâneo.

O mercado angolano vai continuar a ser uma aposta da Kinda?
Vai continuar a ser. Angola é um franchisado e já temos discussões em curso com outros potenciais franchisados noutros mercados.

“Mais um ou dois anos no mercado nacional e depois gostaríamos de fazer a expansão para outros países na Europa (…)”.

Quais os planos para outras geografias?
Temos discussões com outros mercados emergentes para operações de franchisado. Temos conversas com América do Sul, Caraíbas e Médio Oriente para expansão de franchisado. É o mesmo modelo de Angola, em que damos a coleção, damos marca e o operador local é que opera o negócio. E depois temos ambições de expansão na Europa, mas isso virá mais à frente. Mais um ou dois anos no mercado nacional e depois gostaríamos de fazer a expansão para outros países na Europa por nós próprios, sermos nós a operar noutros países. Em mercados emergentes não nos vemos a operar, queremos que sejam os parceiros, mas em mercados maduros queremos ser nós a operar.

Com a pandemia foram afetados ao nível do fornecimento dos produtos?
Sim, mas nós temos algumas vantagens nesse aspeto porque, por um lado, uma parte já relevante da nossa faturação advém de parceiros portugueses que tiveram pequenas disrupções, mas não graves. Já lá fora, aí sim sofremos. As cadeias de abastecimento foram bastantes interrompidas. Tivemos que nos adaptar, tivemos que arranjar substitutos noutros sítios. Faz parte do negócio.

No último ano tiveram uma estratégia de comunicação muito focado nos influenciadores…
Sim, nós temos um pequeno círculo de amigos da marca e eles ajudam-nos a enriquecer o nosso conceito. Falo de uma pessoa, por exemplo, como a Filipa de Abreu que tem muito mundo e que nos ajuda a enriquecer o nosso conceito, como também ajuda a comunicar para o nosso público-alvo.

Essa vai ser uma das vossas apostas ao nível da comunicação para os próximos tempos?
Sim, é um dos eixos.

Para além da expansão geográfica que outros projetos gostaria de realizar na Kinda?
O projeto expansão é um grande desafio. Esse é o nosso principal desafio neste momento, fazer crescer o negócio. A outra fase é no online, continuar a enriquecer a nossa plataforma para nos mostrarmos a nível ibérico e depois a nível europeu. Acreditamos que já temos uma das melhores presenças online de marcas portuguesas, certamente. Queremos ser uma das melhores a nível ibérico, estamos perto, e depois a partir dai a nível europeu. Isto é uma série de fases, primeiro ter um site português, depois um site estrangeiro, depois é conseguir fazer expedição internacional. Esse é um caminho.

Um é a expansão geográfica física, já temos três lojas e queremos outras, andamos sempre em scouting de outras. E a expansão geográfica a nível de clientes e isso será muito pela nossa plataforma online. Vamos dar agora um salto nos próximos meses, estamos a dar um novo passo na nossa plataforma e mais virão.

Vão continuar a ter este slogan “Uma marca para todos os gostos e acessível a todas as carteiras”?
Sim, lutamos por isso todos os dias, para poder dar mundo à casa de todas as pessoas. E isso quer dizer endereçar as várias necessidades de estilo.

Como vê marca Kinda dentro de cinco anos?
Gostava que a Kinda daqui a cinco anos fosse relevante a nível europeu, que já tivéssemos conseguido ganhar reconhecimento de clientes a nível europeu e que já consigamos ter presença em, pelo menos, mais uma ou duas geografias.

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