EUA ganham à Europa na conquista de unicórnios

A maioria dos unicórnios nascidos na Europa continua a tornar-se norte-americana a partir das primeiras rondas de levantamento de capital que envolvem montantes significativos. A análise é da Atómico.

Segundo um relatório recente divulgado pela Atomico, entre 2016 e 2020 mais de 60% do capital investido em tecnológicas europeias veio de fora da Europa, a grande maioria de origem norte-americana.

A análise constata que a maioria dos unicórnios nascidos na Europa continua a tornar-se norte-americana a partir das primeiras ronda de levantamento de capital que envolvem montantes significativos. De acordo com o relatório, os investidores privados europeus ainda apostam pouco nos fundos de venture capital que investem nas empresas com grande potencial de crescimento, como são os casos dos unicórnios (empresas tecnológicas com valor de mercado superior a mil milhões de dólares).

Melhor capitalizados, os fundos de venture capital norte-americanos, tal como os asiáticos, investem nas empresas europeias abrindo caminho para levarem a suas sedes e a sua cotação em bolsa para fora do continente europeu. Por um lado, os EUA olham para o mercado europeu como uma grande oportunidade, liderando o capital investido em tecnológicas europeias, principalmente em investimentos iguais ou superiores a 100 milhões de dólares. Por outro, os fundos europeus revelam não ter a dimensão necessária para conseguir manter as suas participadas na Europa.

Segundo a Atomico, o grau de dificuldade na Europa para investimento para venture capital aumentou de 2019 para 2020, ao contrário dos Estados Unidos, onde o interesse e a disponibilidade dos investidores aumentou nos últimos anos.

Stephan Morais, da direção da Associação Portuguesa de Capital de Risco (APCRI) e responsável da Indico Capital Partners, explica que “as start-ups europeias desenvolvidas por fundos privados de venture capital – entre elas, os unicórnios – são uma boa classe de ativos, com rentabilidades muito superiores a outros investimentos e, como mostra o estudo da Atomico, têm rentabilidades até superiores ao próprio ecossistema tecnológico nos Estados Unidos”.

Este investidor esclarece que “não é que não exista suficiente capital privado na Europa, ou mesmo em Portugal, para mudar esta situação e fazer crescer os fundos de venture capital: a questão é que o capital não é colocado nesta classe de ativos, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos”.

No caso português, Stephan Morais lembra que “os unicórnios nascem em Portugal, empregam pessoas em Portugal, contribuem para a segurança social e para a economia portuguesa, mas vão quase todos sedear-se nos Estados Unidos e animar o seu mercado de capitais, em vez de o fazerem deste lado Atlântico”.

Reino Unido, Alemanha e França dominam
Os dados da Atomico no estudo “The State of European Tech 2020”,  mostram que, quanto maior a dimensão das empresas europeias – e, consequentemente, o capital nelas investido – mais internacionais são os seus investidores.

Nas empresas onde os montantes investidos são inferiores a dois milhões de dólares ainda se verifica uma predominância de investidores europeus. Contudo, acima desse valor verifica-se o domínio por parte dos investidores norte-americanos.

Existem cerca de 140 mil start-ups na Europa, mas apenas 43 mil receberam pelo menos uma tranche de financiamento registado. Apenas 74 empresas arrecadaram mais de 250 milhões de dólares. É no Reino Unido que se regista mais investimento no ecossistema tecnológico, 48 mil milhões desde 2016. Por sua vez, as tecnológicas alemãs atraíram 23 mil milhões de dólares e as francesas 19 mil milhões. A Suécia ultrapassou os 10 mil milhões, enquanto Espanha acumulou pouco mais de 5 mil milhões de dólares em capital investido.

Em Portugal, o capital acumulado investido entre 2016 e 2020 não chegou aos 400 milhões de dólares. Para isso parece ter contribuído o facto de grande parte do investimento em start-ups portuguesas ser contabilizado noutros países, nomeadamente nos Estados Unidos, onde estão as sedes fiscais das empresas.

Aumentar a capitalização de start-ups portuguesas
A propósito das conclusões espelhadas no relatório da Atomico, a APCRI defende que a União Europeia e o Governo português devem ter políticas de incentivo ao investimento em fundos privados e independentes de venture capital para multiplicar o surgimento de unicórnios e para os transformar em motores da atividade empresarial na Europa, criando emprego qualificado.

Essas políticas, defendem, passam por remover obstáculos regulatórios que, em Portugal e na Europa, exigem que os investimentos nesta classe de ativos sejam, em certos casos, contabilizados como capital perdido, pressionando assim os seus rácios de capital ou criando incentivos para que o capital privado experimente investir numa classe de ativos complexa e, por vezes, desconhecida.

Stephan Morais refere que “os grandes investidores europeus – fundos de pensões, seguradoras, gestores de ativos, fundos de fundos e gestoras de património – não podem continuar insensíveis ao facto das start-ups que recebem investimento de fundos privados profissionais produzirem maiores rentabilidades quando comparadas com investimentos em ações, em obrigações ou em imobiliário”. Por isso, defende, o “setor de venture capital tem de fazer circular mais informação objetiva, tem de fazer mais pedagogia: só com o crescimento do ecossistema tecnológico na Europa, a economia europeia poderá aumentar a sua competitividade face aos Estados Unidos e ao Oriente, nomeadamente à China”.

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