Entidades espanholas exigem um novo marco fiscal para a inovação

O debate está aberto: entidades vinculadas ao ecossistema inovador espanhol reclamam um cenário mais favorável para a Investigação, Desenvolvimento e Inovação, ajudas a fundo perdido em vez de empréstimos e um modelo semelhante ao britânico.

Foi apoiada pela escola de start-ups Tetuan Valley. Foi selecionada pela incubadora de start-ups Incubio e concorreu para acesso ao Enisa, ao Emprendetur e ao SME Instruments. E, mesmo assim, a Staffpickr, um marketplace de pessoal para eventos, acabou por ficar pelo caminho.

“Apesar do grande apoio de pessoas influentes do mundo start-up e de todo o esforço e dedicação, não obtivemos as ajudas que esperávamos para seguir em frente”, explica a sua fundadora, Giulia Motteran, citada pelo El Mundo. “A conjuntura económica do momento afetou-nos consideravelmente: por motivos financeiros, o Governo congelou durante uns meses as ajudas do Enisa e do Emprendetur”.

A dificuldade de inovar é um dos temas mais recorrentes na indústria. Poucas start-ups conseguem seguir em frente, o que faz com que tenham um alto índice de mortalidade. Se as complicações de tudo isso derivam, em grande medida, de conseguir financiamento, ainda é um segredo.

A notícia do mês, neste sentido e no campo que une a política e a inovação, é uma Proposta Não Legislativa em que coincidiram e acordaram os quatro principais partidos do país. O que pediram ao Governo, com base em tal acordo, foi estabelecer uma figura jurídica específica para as start-ups ou criar um Programa de Fomento do Capital Semente, ou seja, medidas que facilitem a construção deste tipo de empresas e que colaborem na sua sobrevivência nos primeiros anos. Isto aproximaria Espanha do modelo britânico que já foi copiado pela Bélgica e pela Alemanha: o programa Seed Enterprise Investment Scheme (SEIS), através do qual se acede a grandes deduções fiscais no IRPF (IRS) para o investimento privado individual.

Sistemas de financiamento

De momento, um dos instrumentos principais de financiamento em Espanha é o Centro para o Desenvolvimento Tecnológico Industrial (CDTI). “Foi realizado um importante trabalho para estabelecer um quadro estável de apoio à Investigação, Desenvolvimento e Inovação (I&D&I) que olha para a Europa e que coordena, também, todos os esforços públicos nesta matéria”, introduz o seu diretor geral, Francisco Marín.

A estratégia foi desenvolvida através do Plano Estatal de Investigação Científica e Técnica e de Inovação. Projeto que arranca, agora, o seu período 2017-2020. Entre as suas muitas funções, encontra-se a de financiar projetos de I&D&i desenvolvidos por empresas. É feito com instrumentos financeiros como Ajudas Parcialmente Reembolsáveis, subvenções, empréstimos bonificados para a compra de ativos inovadores ou inclusivamente mediante a capitalização de empresas jovens.

A Mementum, uma ferramenta de apoio em tratamentos de neurologia para médicos e pacientes, efetivamente, recebeu um empréstimo de 180 mil euros do CDTI (Centro para o Desenvolvimento Tecnológico Industruial), através do seu programa NeoTec. “As medidas administrativas e a burocracia não acabam com as empresas pequenas. O que acaba com elas é a sua falta de vendas”, defende o seu cofundador, José Luis Marina. “Dito isto, é verdade que, por vezes, a falta de empatia com o tecido empresarial pequeno torna as coisas mais difíceis”.

Foi precisamente a lentidão burocrática que marcou o princípio do fim da Unplis, app que permite adquirir tudo para casa na comodidade do lar. A start-up, que se negou a entrar no círculo do ‘falso autónomo’ e a não ter assegurados os seus trabalhadores, encontra-se frente a frente com a lentidão da justiça, enquanto os seus concorrentes, com modelos de negócio quase iguais, iam beneficiando do financiamento público.

Estado das ajudas

Atualmente, as ajudas fiscais à I&D são executadas sobre três eixos. Primeiro, há deduções no Imposto de Sociedades pela realização de projetos de investigação e desenvolvimento ou inovação tecnológica, que atingem até 42% dos gastos diretos. Segundo, o chamado Patentbox, que consiste na redução da base fiscal elegível de receitas derivadas da cessão de patentes, para fomentar a transferência de conhecimento. Terceiro, são oferecidos benefícios fiscais no IRPF (Imposto de Renda de Pessoa Física) e uma dedução de 20% sobre o capital investido pelos Business Angels e por investidores particulares que invistam em empresas de criação recente.

“No caso dos business angels, a ajuda tem sido insuficiente para resolver o problema do capital semente, já que é um investimento de muito risco, pelo que normalmente não compensa os investidores, mesmo com esses 20%”, afirma a vice-presidente da Associação Nacional de Start-ups, Carmen Bermejo. “O que pedimos é o mesmo que existe no Reino Unido, onde se aplica a isenção de 50%”.

O presidente da Associação Espanhola para o Fomento do Financiamento da I&D&i (Afidi), Víctor Cruz, chama a atenção para a recessão económica e põe em relevo que uma das suas consequências diretas é que foram eliminadas as ajudas a fundo perdido para a inovação à exceção do Instrumento PME da União Europeia. Agora, o Ministério substituiu essas subvenções por empréstimos que as empresas têm que devolver. “Pedir garantias a uma empresa com um risco associado para inovar é complicado”, resume. Tenta-se, isso sim, encontrar maneiras de suportar o peso do empréstimo. Na verdade, este ano o CDTI acrescenta à sua estratégia de empréstimos, a possibilidade das PME beneficiarem de uma Tranche Não Reembolsável de até 30% da ajuda concedida.

Propostas alternativas

Em Espanha, o gasto em I&D representa somente 1,24% do PIB. Assim, tanto a Afidi, como a Associação Nacional de Start-Ups e a Associação Espanhola de Bioempresas (Asebio), conjuntamente com a CataloniaBio e a Biocat, advogam o incremento do apoio público ao investimento em I&D&i. A isso juntam a criação de um quadro fiscal de apoio às empresas de alta intensidade inovadora e melhorias fiscais para os Business Angels.

Além disso, na Asebio reclamam que se atenuem os requisitos das garantias e aumentem os prazos de amortização da dívida e a possibilidade de perdoar parte do financiamento público da I&D. Os representantes da Afidi apontam, como parte da solução, o País Basco, onde a criação da recente Norma Foral 5/2016 permite aplicar uma dedução aos investidores de projetos de investigação, desenvolvimento e inovação tecnológica.

Concretamente, as entidades que ponham capital neste tipo de projetos poderão beneficiar de uma dedução, com o limite de 120% da sua contribuição financeira. O que acaba por resultar num impulso para as empresas inovadoras em estados iniciais.

Pelo seu lado, a Associação espanhola de Start-ups sugere a criação de uma figura jurídica específica que facilite a criação destas jovens empresas, assim como aligeirar as cargas fiscais durante os dois primeiros anos que inclua a bonificação a 100% da quota para a Segurança Social ou a isenção de pagamento como trabalhador independente para os fundadores.

Um caminho semelhante tomou a Asebio que aposta em elevar as tranches de subvenção ou aumentar os montantes não reembolsáveis para empresas com alta intensidade em I&D&i. Além disso, insiste na facilidade de acesso ao mercado através do pagamento por valor, melhorando a aferição dos resultados, um quadro normativo sólido, transparente e previsível, minimizar a desigualdade de acesso entre comunidades autónomas e consolidar a compra pública inovadora.

A sócia da Afidi, Noelia Escobar, alerta para a necessidade de criar um quadro estável de ajudas públicas à I&D&i com convocatórias agendadas. “O tempo dedicado por uma start-up a procurar essas ajudas é um travão num cenário futuro de retorno incerto”, racionaliza Escobar. Mas não só isso, defende a criação de ajudas de acompanhamento quando entram em ciclo económico negativo.

E a inovação?

Um travão para as start-ups nas suas fases iniciais é ter de mostrar, sem uma patente, que o que fazem é verdadeiramente I&D&i, explica a vice-presidente da Associação espanhola de Start-ups, Carmen Bermejo, que expõe que estas necessitam de uma certificação que lhes implica um custo que ronda os 1.000 euros mais uma percentagem do financiamento que conseguirem para I&D&i. É por isso que Bermejo insiste na necessidade de “consciencializar de que não se trata somente de I&D&i convencional” e apresenta, por exemplo, a Airbnb ou Cabify cuja inovação radica no modelo de negócio. Em qualquer caso, parece que definir o que é inovação é uma das grandes barreiras.

Os especialistas consultados asseguram que muitas vezes o funcionário encarre de realizar a avaliação não sabe claramente o que é I&D&i. “Há inovação pura e inovação aplicada”, defende Bermejo. Na Afidi (Associação Espanhola para o Fomento do Financiamento da I&D&i), asseguram que depende da convocatória. Não obstante, explicitam uma diferenciação por setores e sua maturação: “É fácil identificar, sob uma perspetiva técnica, o setor TIC, a economia digital ou o big data, mas a administração está a anos luz disso”, termina Cruz.

Uma questão de contactos adequados

As dificuldades nos primeiros tempos de uma start-up não são poucas. Embora seja sempre recomendável dominar o ‘networking’, a vice-presidente da Associação espanhola de Start-Ups, Carmen Bermejo, salienta a importância dos bons contactos: “Muitos investidores asseguram que, ao examinar um projeto, valorizam se vem recomendado por alguém do ‘mundinho’. Em geral, funciona por contactos”.

Bermejo explica que o empreendedor encontrará muitas dificuldades se pretende “bater diretamente à porta com uma boa ideia”. Os investidores rodeiam-se de pessoas que procuram propostas interessantes. E insiste na importância de entrar plenamente no ecossistema. Outra dos obstáculos radica na pouca oferta de entidades especializadas em investir capital de risco para as fases iniciais: “funcionam de forma independente”, diz.

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