Entrevista/ “Em Portugal não existe comparticipação nos alimentos para fins medicinais específicos”

Rita Horta, Country Manager da Danone Specialized Nutrition

A Danone reorganizou-se a nível mundial e criou uma nova unidade de negócio, a Danone Specialized Nutrition que, em Portugal, será liderada por Rita Horta. O Link To Leaders falou com a responsável que está na empresa há 16 anos sobre esta sua nova função e sobre a falta de equidade no acesso à suplementação nutricional especializada.

A Danone reorganizou-se a nível mundial e criou uma nova unidade de negócio que provém da junção de duas categorias: Early Life Nutrition (ELN) e Advanced Medical Nutrition (AMN), dando origem à Danone Specialized Nutrition.

A recém-criada divisão Danone Specialized Nutrition procura dar soluções a pessoas com necessidade nutricionais específicas, desde o seu nascimento até aos momentos mais delicados das suas vidas. Em  Portugal, a divisão contará com a direção geral de Rita Horta, que trabalha na companhia há 16 anos.

Rita Horta é licenciada em Economia e desenvolveu parte da sua carreira na Danone. Nos últimos 16 anos passou pelas divisões de Biscuits, Essential Daily Products, Early Life Nutrition e Advanced Medical Nutrition em Portugal, Espanha e Holanda, onde assumiu funções de Gestão de Marketing, Inovação e Direção de Categoria.

A Rita acaba de ser nomeada para liderar a área Danone Specialized Nutrition em Portugal. Qual é a sua missão?
Por um lado, permitir um desenvolvimento sustentável do negócio e das categorias de produto que constituem esta nova divisão e, por outro, nutrir todas as fases da vida. Esta nova divisão, denominada Specialized Nutrition (ou Nutrição Especializada em português), agrega duas antigas unidades de negócio independentes (Alimentação Infantil e Nutrição Clínica) que passam a estar juntas sob a mesma equipa e estratégia, potenciando recursos e know how que passam a estar integrados.

Permite a entrega de uma nova missão – Nutrir Todas as Fases da Vida – porque passamos a estar aptos a desenvolver soluções para as populações mais sensíveis de todas as idades e  passamos a ter no nosso portfolio produtos como leites infantis da marca Aptamil e alimentos para Fins Medicinais Específicos, como o Nutricia Fortimel, que pode ser indicado em casos de má nutrição, derivado por exemplo do tratamento de doenças oncológicas.

“Ao reforçarem o seu estado nutricional numa fase precoce da doença, os doentes vão conseguir suportar melhor os tratamentos, como a quimioterapia e radioterapia, impactando assim positivamente na sobrevivência destas pessoas”.

O que falta para que os pais consigam ter acesso à nutrição correta para os seus filhos, que crianças com doenças metabólicas tenham acesso à nutrição especializada e adequada para o seu estado de saúde, que os idosos consigam ter um estado nutricional adequado e que os profissionais de saúde possam ter a sua vida facilitada?
Falta muita coisa. Ao contrário do que se passa noutros países europeus, em Portugal não existe comparticipação nos alimentos para fins medicinais específicos que têm de ser usados para garantir a correta nutrição em doentes que apresentam determinada condição ou doença. Por exemplo, num doente oncológico é muito importante o uso deste tipo de alimentos, desde uma fase precoce da doença, para prevenir a perda de peso resultante do estado catabólico em que se encontra o organismo. Ao reforçarem o seu estado nutricional numa fase precoce da doença, os doentes vão conseguir suportar melhor os tratamentos, como a quimioterapia e radioterapia, impactando assim positivamente na sobrevivência destas pessoas.

Além disso, 70% dos doentes oncológicos têm alterações de paladar decorrentes do tratamento e da própria doença, o que leva a que muitos doentes percam o apetite. É por isso que temos desenvolvido produtos como o Nutricia Fortimel Compact Protein que vai ao encontro das necessidades destes doentes com alterações de paladar e que permite uma estimulação dos sentidos e a recuperação do apetite por parte destes doentes.

Mas como dizia, estes produtos não são comparticipados, ou seja, acabam por estar apenas disponíveis para quem tem capacidade financeira para os adquirir, deixando de fora precisamente os mais vulneráveis, os idosos, que têm reformas baixas e carências alimentares. A falta de equidade no acesso à suplementação nutricional especializada faz com que haja vários doentes que não estejam a beneficiar do melhor tratamento para a sua condição clínica. A comparticipação destes produtos viria colmatar a equidade no acesso aos mesmos, impactar positivamente os resultados clínicos dos doentes e, contribuir para a redução dos custos do nosso sistema de saúde, uma vez que a malnutrição devido à doença, impacta muitas vezes o tempo de recuperação e leva a readmissões hospitalares, que poderiam ser evitadas

Em algumas áreas já existem avanços, como é o caso da alimentação adaptada a bebés com alergia à proteína do leite de vaca, que têm de consumir leites adaptados mais caros que os normais, o que é manifestamente impossível cumprir para muitas famílias, que por motivos orçamentais acabam por colocar em causa o estado nutricional e a saúde dessas crianças. Ora, o orçamento de estado de 2020 trouxe uma boa notícia para alguns desses pais: os leites adaptados para os casos mais severos iriam passar a ser comparticipados. Deram-se vários passos no sentido de concretizar essa realidade, mas já estamos a meio de 2020 e esses leites continuam a não ter comparticipação.

“Neste período de pandemia doámos, por exemplo, quase 40 mil unidades de Nutricia Fortimel e Nutilis a Unidades de Cuidados Intensivos, Institutos de Oncologia, Hospitais de Dia e Centros de Reabilitação”.

O que pensa fazer para mudar esta realidade, tendo em conta que a pandemia de Covid-19 está a afetar economicamente muitas famílias? Que iniciativas têm previstas?
Já o estamos a fazer. Ou pelo menos a ajudar com algo. Neste período de pandemia doámos, por exemplo, quase 40 mil unidades de Nutricia Fortimel e Nutilis a Unidades de Cuidados Intensivos, Institutos de Oncologia, Hospitais de Dia e Centros de Reabilitação. Estamos cientes das dificuldades que muitos atravessam e, por isso, estamos a tentar ajudar, na medida do possível, os doentes e as suas famílias. Mas não nos podemos substituir ao estado que devia criar mecanismos para facilitar o acesso dos alimentos para fins medicinais específicos a quem deles necessita.

Quais serão os maiores desafios desta nova divisão da Danone?
Ser o “Número 1” é o nosso lema interno, lema esse que se materializa de forma diferente consoante a categoria da qual estamos a falar, pois atualmente já somos líderes nas categorias de Nutrição Clínica para adultos, doenças metabólicas, epilepsia, recém-nascidos prematuros e produtos para a alergia ao leite de vaca, entre outras. Como é óbvio é uma meta ambiciosa que será construída ao longo do tempo.

Além dos objetivos de negócio, um dos maiores desafios é valorizar as categorias onde agimos, tendo em conta a sua especificidade e contributo, por exemplo, no caso dos leites infantis  Aptamil, para o desenvolvimento de crianças saudáveis, no seu momento mais critico. Estas categorias não devem ser vistas como um simples alimento.

Que investimento foi feito até ao momento e quando está previsto investirem até ao final do ano nesta nova divisão?
Acima de tudo houve uma seniorização da equipa: passámos a ter um Country Manager responsável pelo negócio em Portugal e um Comité de Direção local para estas categorias de alimentos, que também não tínhamos.

Por outro lado, criámos ou reformulámos áreas que não existiam localmente de que é exemplo o Departamento Médico. Também o facto da nova organização resultar de uma junção e reorganização de equipas que antes existiam por separado, obrigou-nos a investir significativamente em formação, de que são exemplos as ações em: desenvolvimento de equipas de Farmácia; desenvolvimento de Direção e desenvolvimento de competências digitais a nível transversal.

“Devemos olhar para fora, sem esquecer a especificidade do nosso país, doentes, pais, stakeholders e associações”.

A Rita desenvolveu parte da sua carreira na Danone. Nos últimos 16 anos passou pelas divisões de Biscuits, Essential Daily Products, Early Life Nutrition e Advanced Medical Nutrition em três países diferentes – Portugal, Espanha e Holanda – onde assumiu funções de Gestão de Marketing, Inovação e Direção de Categoria. Quais as lições que retira da sua experiência profissional?
A experiência internacional e multiárea ensinou-me que estar atenta, valorizar e implementar práticas com sucesso comprovado ajudam no processo de melhoria continua, e que num país/negócio de dimensão mais pequeno como Portugal, essa proatividade é essencial para o sucesso de todos os projetos.

Devemos olhar para fora, sem esquecer a especificidade do nosso país, doentes, pais, stakeholders e associações. Do ponto de vista pessoal, uma variedade de funções fez me reconhecer importância de ser ágil e a relevância da inclusão e da diversidade no desenvolvimento como pessoa e profissional, agora e no futuro.

 Perante este clima de instabilidade económica e de pandemia, de que forma vai a Danone continuar a cumprir a sua missão?
Olhamos para o futuro tendo por base uma “nova normalidade”, em que tanto os nossos bebés, idosos ou pessoas com determinadas doenças estarão mais expostos a desafios, sendo por isso ainda mais importante o papel que a nutrição tem nestas camadas da população. Não temos por isso dúvidas de que agora mais do que nunca, estas categorias de alimentos especializada serão importantes e farão a diferença.

Segundo uma orientação da Direção Geral de Saúde no contexto Covid-19, “…um pior estado nutricional associa-se a um pior prognóstico e a um risco aumentado de complicações em caso de doença aguda e consequentemente está associada a um maior risco de mortalidade…”.

Num país onde apenas 8% dos doentes com risco de malnutrição estão em tratamento ou onde apenas 10% dos bebés com alergia à proteína de leite de vaca estão a tomar a fórmula infantil mais indicada, é urgente facilitar o acesso a uma correta terapia. Portugal é um dos poucos países europeus onde a maioria dos alimentos para fins medicinais específicos não é comparticipado, motivo pelo qual estas percentagens são tão baixas.

Mais, é expectável que devido à crise económica que decorrerá da atual conjuntura, estes números decresçam ainda mais. O facto de haver doentes que não estão a beneficiar do melhor suporte nutricional para a sua condição clínica irá impactar a sua recuperação, o que consequentemente terá um custo acrescido para o estado.

Na sua opinião que fatores têm servido de alicerce aos bons resultados da Danone em Portugal?
São diversos: por um lado o know how que temos nestas categorias, os anos de investigação, a superioridade dos nossos produtos e o compromisso com os nossos stakeholders (bebés, pais, pacientes e profissionais de saúde) nas diferentes fases da vida; por outro, o nosso ativo mais valioso, que são as pessoas. Na Danone, onde cresci, existe um dedicação e profissionalismo enormes, a que associo também uma missão extremamente relevante, tanto a nível do grupo: One Planet One Health, como a nível da Divisão Nutrição Especializada, e que já referi anteriormente: “Nutrimos todas as fases da vida”.

O que gostaria de fazer no futuro?
O que posso dizer é que gostaria de estar envolvida num projeto com uma missão relevante para a sociedade, tal como aquele que lidero agora.

“(…) gostaria de  continuar a liderar este projeto, contribuindo de forma ativa para que nos próximos anos a percentagem de doentes em risco de malnutrição se reduzisse substancialmente e que o numero de bebés a tomar a fórmula infantil mais adequada fosse próxima de 100%”.

Como se vê nos próximos cinco anos?
Falando mais a curto prazo, e tendo em conta que acabo de assumir este desafio, gostaria de  continuar a liderar este projeto, contribuindo de forma ativa para que nos próximos anos a percentagem de doentes em risco de malnutrição se reduzisse substancialmente e que o numero de bebés a tomar a fórmula infantil mais adequada fosse próxima de 100%.

Respostas rápidas:
O maior risco: Decisão de sair de Portugal.
O maior erro: Achar que não ia falhar nunca.
A maior lição:  Ser bem-sucedido é saber viver.
A maior conquista:  A minha filha, feliz e saudável, consumidora ávida de Aptamil.

 

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