Entrevista/ “Em momentos como este a nossa máscara profissional torna-se menos evidente”

Susana Catroga Gomes, Head of Human Capital no ABANCA

Exerceu advocacia, prestou serviços de consultoria e dirigiu equipas comerciais. Mas hoje dedica-se à área de gestão de pessoas do ABANCA. Ao Link To Leaders fala de como esta pandemia está a afetar o mercado de trabalho, de como motivar as equipas perante uma crise e de como as organizações se devem preparar para o futuro.

Numa altura em que se evitam contactos sociais próximos e o mundo se adapta à normalidade possível, a capacidade de resposta por parte dos bancos marca a diferença como nunca antes. A pensar nas exigências dos novos tempos, e nas limitações impostas a deslocações e nas dificuldades económicas que algumas famílias atravessam, o ABANCA Portugal, que tem presença em 16 distritos e com mais de 70 pontos de venda, continua a sua aposta firme na componente digital.

“Em home office temos centenas de pessoas a assegurarem que as operações bancárias servem a economia nacional, que as medidas relacionadas com as moratórias aprovadas em diplomas legislativos se implementam em tempo recorde. E todos os dias surgem novas medidas, da autoria dos bancos, que vão além das linhas de crédito que procuram melhorar o acesso digital dos seus clientes e facilitar a vida dos portugueses neste difícil contexto”, explica Susana Catroga Gomes, Head of Human Capital no ABANCA, frisando que estes profissionais também merecem uma salva de palmas.

De que forma a pandemia de Covid-19 obrigou a Abanca a reorganizar-se?
Com o início da pandemia houve realmente uma necessidade de implementação de planos de contingência para permitir que as nossas equipas continuassem a trabalhar da forma mais segura possível. No ABANCA temos a vantagem de todos termos portáteis idênticos com acesso remoto incluído, por isso a mobilização das pessoas para situações de teletrabalho foi relativamente simples. Por outro lado, os processos internos estão suportados por workflows digitais, ou seja, temos elevados índices de informatização o que facilitou a continuidade da execução das tarefas à distância.

Mantemos, ainda assim, a maioria dos pontos de venda com possibilidade de atendimento presencial dos nossos clientes, sob medidas de rigoroso cuidado, porque entendemos que teremos que apoiar os clientes neste contexto tão difícil. Em suma, não considero que nos tenhamos reorganizado, o que fizemos foi acelerar processos de trabalho à distância, acautelando um rápido confinamento dos colaboradores em geral, de forma constante ou alternada, aplicando medidas especiais de distanciamento obrigatório para situações especiais – como colaboradores com histórias clínicas que os possam colocar em situação de maior fragilidade.

“As empresas devem entender essa missão. Teremos que ser criativos para nos ajustarmos a modelos de negócio num contexto de mercado ao qual já se chama de novo normal”.

Numa situação com tanta incerteza, poderá a pressão pela obtenção de receitas sacrificar a ética na gestão dos recursos humanos?
É preciso termos claro que a primeira prioridade é a saúde e a segurança das nossas equipas. No ABANCA essa mensagem é clara, e chega-nos não só do CEO do Grupo, como do próprio acionista. Não considero, por isso, que no ABANCA tenhamos qualquer dúvida ética. Esta pandemia veio amplificar a responsabilidade que as empresas têm na defesa da saúde dos seus colaboradores e das suas equipas. As empresas devem entender essa missão. Teremos que ser criativos para nos ajustarmos a modelos de negócio num contexto de mercado ao qual já se chama de “novo normal”.

Os clientes continuarão a ter necessidade de produtos e serviços. O desafio será perceber como podem as empresas ajustar os canais de distribuição à procura. O bem estar dos colaboradores – seja na perspetiva da sua segurança física, da garantia de processos de trabalho que protejam a saúde de cada um, seja na perspetiva de oferecer um ambiente laboral que confira confiança – será a chave para se atingir receitas.

Como motivar equipas perante uma crise?
Num momento de crise todos sentimos medo da incerteza. O medo é natural, mas pode bloquear. Diria, portanto, que o primeiro aspeto a acautelar é garantir todas as condições de segurança e higiene nos espaços de trabalho e nos processos internos, dando a conhecer aos colaboradores que todas as medidas possíveis estão implementadas. Depois, é necessário comunicar de forma transparente e constante – sobre as medidas que estamos a tomar e as medidas que pensamos vir a tomar em cada momento. A vertente da comunicação é muito importante. Todos os dias temos uma reunião virtual com os líderes das equipas, para que possamos conhecer o que se passa diariamente no terreno e partilhar com eles a visão sobre o que sentimos necessário fazer nos dias que se seguem.

Num contexto como este, a hierarquia das necessidades transforma-se: a segurança da saúde assume um lugar preponderante. Assim, além dos vetores habituais que num ambiente de mercado normal teremos que cuidar para motivar equipas, temos que dar total prioridade à segurança. Se os colaboradores sentirem confiança na empresa onde trabalham poderão sentir-se mais seguros e motivados para trabalhar.

Somos conscientes, porém, de que os colaboradores têm contextos sociais, problemas familiares diferentes, e novos desafios a enfrentar – e estes podem ofuscar a motivação profissional. O teletrabalho de forma constante é uma novidade para todos. Ter os filhos em casa ao mesmo tempo que se trabalha é muito desafiante. Ver o telejornal todos os dias pode ser um fator gerador de muita ansiedade. Cônjuges que atravessam problemas de desemprego, familiares a combater a doença. Para poder apoiar os colaboradores temos publicado internamente artigos com dicas para lidar com o teletrabalho, estamos a organizar painéis de psicologia para ajudar a gerir a ansiedade e lançámos medidas de apoio financeiro especiais para os nossos colaboradores.

Que lições está a retirar deste período?
Este período pode ser enriquecedor se todos nos sentirmos abraçados pelo mesmo propósito. Se nos apoiarmos uns aos outros e apoiarmos os nossos clientes. Em momentos como este a nossa máscara profissional torna-se menos evidente. É preciso olhar para cada colaborador como um ser humano, com um contexto específico. Esse olhar confere muita cor à missão da organização, torna o trabalho mais inspirador, tem sido um momento de incrível crescimento pessoal e profissional.

“Há desafios constantes para garantir que a empresa funcione como uma orquestra, mas sem perder a capacidade de visualizar o músico e o instrumento, observar cada indivíduo e o seu potencial, com o que cada ser humano tem de especial”.

Exerceu advocacia, prestou serviços de consultoria e dirigiu equipas comerciais. Mas hoje dedica-se à área de gestão de pessoas. O que mais a fascina nesta área e o que trouxe das outras áreas para os recursos humanos?
Ser diretora de Recursos Humanos não foi uma primeira escolha. Ao longo do meu percurso profissional tive muitos papéis, sempre gostei de ter desafios muito diferentes. Estudei Direito e fui advogada porque acreditava que poderia resolver problemas diferentes todos os dias. Mas o mundo da gestão chamou-me para desafios cativantes e depois de ter sido responsável por uma empresa em Portugal, embarquei no setor bancário onde tive oportunidades incríveis de experienciar áreas tão díspares como a recuperação de crédito, como diretora comercial e depois como diretora de Recursos Humanos. Na verdade, nunca pedi para ir para nenhuma destas funções. Foram-me lançando desafios, e como em cada um deles tinha uma missão desafiante, fui trabalhando com as equipas para atingir os objetivos que se impunham em cada momento e fui capaz de me realizar de várias maneiras.

Quanto maior for a necessidade de transformação da missão, maior o seu efeito catalisador! Desde há uns anos descobri que em Recursos Humanos temos a possibilidade de ter projetos diferentes todos os dias. Missões complexas, de transformação, mas muito enriquecedoras. É uma posição que permite visualizar toda a organização e, ao mesmo tempo, cada pessoa. Há desafios constantes para garantir que a empresa funcione como uma orquestra, mas sem perder a capacidade de visualizar o músico e o instrumento, observar cada indivíduo e o seu potencial, com o que cada ser humano tem de especial

Que competências comportamentais mais valoriza?
O comportamento é o resultado dos valores que intimamente subscrevemos. É imprescindível que nos possamos identificar com os valores da empresa para a qual trabalhamos. No ABANCA procuramos praticar ações coerentes com os nossos valores corporativos: a responsabilidade – que reflete o compromisso que queremos ter com os clientes, com a equipa e com a sociedade; a inovação – ter um espírito inquieto para procurar novas soluções e olhar o futuro, contribuirmos com ideias, aprender com os erros e construir todos os dias algo novo em conjunto; a qualidade – trabalhar com paixão em processos ágeis que ofereçam as melhores soluções aos nossos clientes e a confiança – defendemos os interesses dos clientes, protegemos a saúde dos colaboradores, atuamos em equipa, com generosidade, e consideramos o impacto das nossas decisões.

Tendo como pano de fundo estes valores tão especiais, esperamos que os nossos colaboradores sejam inconformados, conscientes, empáticos, optem por soluções ágeis, sejam capazes de trabalhar, enfocando a estratégia, fomentando a rentabilidade e a sustentabilidade, com flexibilidade e autonomia.

“Não tenho dúvidas que o setor bancário está muito empenhado neste seu desafio mais atual que é ser capaz de apoiar as empresas e as famílias”.

 Qual é o maior desafio que a banca enfrenta atualmente?
O Exmo. Sr. Presidente da República declarou o estado de emergência no passado mês de março, referindo estarmos perante: “uma decisão excecional num tempo excecional”. Estamos perante um contexto absolutamente novo, uma pandemia sem precedentes, cuja duração ditará a dimensão do impacto económico. Não tenho dúvidas que o setor bancário está muito empenhado neste seu desafio mais atual que é ser capaz de apoiar as empresas e as famílias. Refira-se aliás que, tal como noutras atividades essenciais, em todos os bancos temos diariamente colegas a assegurar o serviço aos portugueses.

Eles também merecem uma enorme salva de palmas! Em home office temos centenas de pessoas a assegurarem que as operações bancárias servem a economia nacional, que as medidas relacionadas com as moratórias aprovadas em diplomas legislativos se implementam em tempo recorde. E todos os dias surgem novas medidas, da autoria dos bancos, que vão além das linhas de crédito que procuram melhorar o acesso digital dos seus clientes e facilitar a vida dos portugueses neste difícil contexto. O maior desafio será assegurar a saúde dos colaboradores, manter esta dinâmica de resposta rápida às necessidades dos clientes, e apoiar a economia garantindo que não há deterioração da sua situação prudencial. No caso do ABANCA, estamos muito focados em superar este desafio, apoiados na nossa robustez financeira, e na nossa maior fortaleza: a nossa equipa.

Quais os maiores desafios que os gestores de recursos humanos poderão vir a enfrentar no futuro depois desta experiência?
A gestão de pessoas é uma responsabilidade de todos os colaboradores de uma organização, em especial do líder de cada equipa. Os gestores de recursos humanos têm os desafios que as organizações enfrentarão. É essencial que líderes e equipa de RH consigam trabalhar de forma concertada para gerir de forma inovadora o “novo normal”. Cada empresa terá que reanalisar o seu posicionamento, ter a capacidade de se transformar para se modelar melhor ao mercado, empreender novas formas de chegar aos clientes.

Por outro lado, teremos de considerar modelos de gestão provavelmente diferentes, lideranças efetivas ainda que à distância, capacidade de medir resultados de formas mais objetivas e desenvolver a capacidade de envolver as equipas num modelo menos presencial. Mas a dinâmica da vida é esta, é preciso estarmos sempre preparados para o futuro, procurando dar sempre o melhor de nós, construindo parcerias com os nossos clientes e fortes conexões com os colaboradores.

Respostas rápidas:
O maior risco: Decidir sem ouvir.
O maior erro: Não ouvir.
A maior lição: A fragilidade humana.
A maior conquista: Tomar decisões com efeito positivo na vida do colaborador.

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