Opinião

O impacto da pandemia no ecossistema do empreendedorismo

Belén de Vicente, CEO da Medical Port

É nos momentos de crise que o ser humano revela o seu melhor e o seu pior. Quando exposto a situações extremas, o nosso profundo ser manifesta-se ou para adaptar-se e vencer ou para morrer. Por isso as crises são boas, porque nos ajudam a perceber melhor quem somos.

Com as empresas acontece a mesma coisa, especialmente com as start-ups e com as empresas pequenas que têm pouco tempo de vida e um negócio que ainda não escalou o suficiente para aguentar um choque tão forte e tão rápido. Tenho pensado muito nisto porque me toca diretamente e chego à conclusão de que é possível ter um olhar positivo, independentemente do papel que desempenhemos neste contexto.

Ao empreendedor esta situação vai confrontá-lo com um teste muito mais decisivo em relação à viabilidade da sua ideia do que o pitch que fez ou pensava fazer ao seu investidor.

Se o produto não é suficientemente bom só há duas opções: abandoná-lo já, antes que as perdas sejam muito maiores ou reinventá-lo para que seja necessário e útil agora.
No primeiro caso a decisão tem de ser tomada com dados objetivos e com o apoio dos investidores, que certamente quererão limitar as perdas o mais possível. Se é para fechar, quanto antes melhor para todos os envolvidos. Já tive de fazer isto com algumas linhas de produtos e foi doloroso, mas hoje sei que tomei a decisão certa.
No segundo caso, o produto reinventado tem de ser testado no contexto da crise, rapidamente, para avaliar a sua viabilidade. Se este teste não se puder fazer com os fundos existentes e num prazo relativamente curto, então não é possível. Mais uma vez quanto antes melhor. Temos vários exemplos de empresas que nos últimos dois meses se reinventaram digitalmente para não perder negócio, nomeadamente nas áreas industriais, com reconversão de processos e na área dos eventos, passando a oferecer eventos on-line.

Se a ideia ou produto é operacional neste contexto que vivemos, é então necessário promovê-la o mais possível, dar-lhe o destaque que se calhar não se lhe daria num contexto sem pandemia. Curiosamente o que tenho visto é que tem sido o consumidor quem tem, naturalmente, dado visibilidade e catapultado estes negócios, sem necessidade de ter havido mais investimento, o que é fabuloso e responde à essência do que é um bem de valor (há exemplos relevantes nas vendas de flores on-line, na realização de atividades em grupo on-line, na prestação de serviços de formação). É importante saber aproveitar a situação para fazer crescer as vendas, dar visibilidade à marca e projeção à empresa. Não creio que este seja o momento certo para levantar dinheiro, pois o nível de incerteza é elevadíssimo, mas é o momento para preparar o novo ciclo, mostrando resultados e capacidade de fazer acontecer.

Assim, o que se pede ao empreendedor nestes momentos, independentemente de qual seja a sua situação, é que seja rápido e diligente nas suas decisões e na implementação das mesmas.

Para o investidor este é também um momento difícil. Esta situação força uma reavaliação da sua carteira e testa a sua capacidade de seleção de promotores e projetos. Fez um conjunto de investimentos que podem estar em risco. Tem de ser rápido a avaliar o impacto da pandemia no seu portefólio e decidir como vai intervir. Poderá reforçar o investimento em alguns casos, criar sinergias entre várias participadas noutros, para ajudar a passar esta fase, ou no caso das empresas em que não seja possível manter a atividade, assumir com dor a perda do investimento.

A dimensão da perda poderá ser diferente em função da origem dos fundos, mas é sempre uma perda. Para todos. Poderá haver casos em que os investidores entendam que a ideia continua a ser boa, mas que o promotor precisa de ajuda nesta fase mais crítica. Para este efeito poderá incluir na gestão da empresa competências adicionais (tecnológicas, de gestão, financeiras) que permitam acelerar a resposta da empresa nesta nova realidade. Nos casos em que o promotor seja mais forte do que a sua ideia, estando esta em risco, o promotor terá certamente capacidade para dar à volta à situação, propondo ele próprio aos seus investidores alternativas para contornar a crise ou para a minimizar.

Acredito que nesta fase as mais prejudicadas serão as empresas que estavam a começar à procura de investimento, pois será difícil que nesta fase os investidores reparem nelas, quando o principal objetivo será minimizar o impacto da pandemia no portefólio e reforçar o apoio às empresas que podem sair vencedoras. Exceção serão certamente as que surgem como resposta a uma necessidade relevante desta nova forma de vida.

Assim, o que se pede aos investidores neste momento, é que sejam rápidos a fazer a sua análise e que apoiem na criação de oportunidades e na reformulação do product mix das suas empresas, porque só desta forma todos ganham.

Tempos desafiantes, nada novo para os empreendedores e os investidores. A pandemia, como qualquer crise faz, vai ajudar a limpar o ecossistema e torná-lo mais interessante. Do meu ponto de vista, essencial. Fica também desta análise outra certeza: se colaborarmos chegamos mais longe e sobreviveremos mais.

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