Entrevista/ “É preciso muito esforço e dar incentivos para que as pessoas queiram ficar na hotelaria e restauração”

Dálio Calado, diretor executivo do Hyatt Regency

Viveu em Nova Iorque, é responsável pelo Viseversa, um espaço novo de restauração em Belém, e diretor executivo do grupo Hyatt para Portugal. Em entrevista ao Link To Leaders, Dálio Calado fala do conceito deste café cosmopolita que serve todos e a qualquer hora, e que fica no hotel Hyatt Regency Lisbon, e dos desafios do setor.

Dálio Calado nasceu, viveu e estudou em Portugal até aos 20 anos. Foi com essa idade que decidiu ir para Nova Iorque trabalhar na área da música. Contudo, aos poucos, a restauração e hotelaria começaram a entrar na sua vida. A crise na indústria da música que se fez sentir em 2003 deu o empurrão que lhe faltava para se dedicar ao setor.

Hoje está à frente do restaurante Viseversa, no hotel Hyatt Regency Lisbon, em Belém, que caracteriza como um espaço muito cosmopolita à semelhança de um Grand Café e que está preparado para receber cerca de 200 pessoas. E cuja oferta gastronómica, revela, “engloba um bocadinho das nossas experiências, da minha, do chefe executivo que andou pelo estrangeiro durante 10 anos. E de toda a equipa que também andou por fora. No Viseversa pode desfrutar desde uma tosta de abacate a um risotto italiano ou a um prato francês”.

Dálio Calado é também diretor executivo do grupo Hyatt para Portugal e continua com os olhos postos no mundo. “Quero continuar a expandir e a ter um papel em vários continentes e vários países, não gosto de estagnar. Adoro estar em Portugal, mas não quero ficar cá a vida toda. O meu país também precisa que vá fora e que traga o que se faz bem lá fora. E depois quero também exportar a gastronomia portuguesa”, afirma.

Viveu 15 anos em Nova Iorque, 5 anos na Flórida, é responsável pelo Viseversa, espaço novo na zona de Belém, e diretor executivo do Hyatt Regency. Quem é o Dálio Calado?
Sou um jovem de quarenta e poucos anos, português, que esteve 20 anos nos EUA, que foi para Nova Iorque para uma área totalmente diferente. Estudei design e línguas em Portugal e fui para a América numa versão completamente diferente. Era músico. Foi numa altura em que fazia música a tempo inteiro. Depois com a introdução do MP3, a música deu um grande boom na negativa, ou seja, a indústria da música ficou muito debilitada. Comecei a trabalhar em restauração, aprendi tudo de restauração com o Giorgio DeLuca que é o grande fundador do Dean & DeLuca, uma das maiores cadeias de gourmet internacional.

Entretanto aventurei-me em consultoria e abri o meu primeiro espaço em 2008. Tive quatro restaurantes como sócio operador em Nova Iorque durante quatro anos. Vendemos tudo em 2013. Depois ingressei na hotelaria. Tenho estado a trabalhar na hotelaria, mas na vertente da restauração desde aí.

Trabalhei para o grupo Myriad durante 10 anos. Cheguei a Portugal dentro do Grupo Myriad, estive também no Pine Cliffs e depois com a pandemia fui convidado para ingressar e para liderar a área da restauração do Hyatt Regency, da marca internacional Hyatt, que está em Portugal e que foi introduzida pela mão do grupo UIP (United Investments Portugal), que também explora uma unidade Sheraton (Cascais) e o Pine Cliffs Resort, no Algarve. É uma empresa que pertence a uma família do Kuwait e que tem hotéis no Dubai, e também em Moçambique e África do Sul e, naturalmente, no Kuwait. O Viseversa está dentro de um complexo que se chama Hyatt Regency Lisboa que é a primeira oferta gastronómica de quatro deste complexo.  Sou uma pessoa que adora viajar, conhecer sítios novos, experimentar diversas comidas e sabores, culturas, religiões, pessoas… Sou um sonhador.

“O gosto pela restauração surgiu na altura em que a música começou a não funcionar. Eu era músico a tempo inteiro. A restauração começou por ser um part time, como muitos dos artistas o fazem em Nova Iorque. Enveredei pela área do bar para sobreviver”.

Como e quando é que se apaixonou pela restauração e hotelaria?
O gosto pela restauração surgiu na altura em que a música começou a não funcionar. Eu era músico a tempo inteiro. A restauração começou por ser um part-time, como muitos dos artistas o fazem em Nova Iorque. Enveredei pela área do bar para sobreviver. As contas são muito caras em Nova Iorque. Eu não estudei para ser músico, foi mesmo por necessidade. Acabei por cair dentro da restauração. Nesta área as coisas tornaram-se fáceis porque já trazia algum background da área de bebidas. Em Portugal, por exemplo, enquanto estudava, era comissário de bordo. Viajei muito. Sempre tive a paixão por comidas e bebidas. Este gosto vem também de família. Mas o certo é que depois de estar dentro desta indústria as coisas tornaram-se fáceis e foram acontecendo.

Como descreve o Viseversa e o que tem de diferenciador?
O Viseversa é um espaço muito interessante. É um espaço muito cosmopolita à semelhança de um Grand Café, que são espaços muito grandes dentro de cidades cosmopolitas, como Paris, Milão, Londres, Nova Iorque, e que tenta ter um bocadinho de tudo e para todos. E em que todos são bem-vindos, desde políticos, estrelas de rock, pessoas comuns, estudantes, todo o género… Todos chegam e têm o seu espaço.

É um espaço amplo, com tetos muito altos, senta cerca de 200 pessoas dentro e vai ter uma esplanada para 200 pessoas numa praça totalmente nova feita por nós e que ainda está em desenvolvimento. E depois apresenta uma oferta gastronómica variadíssima que engloba um bocadinho das nossas experiências, da minha, do chefe executivo que andou pelo estrangeiro durante 10 anos. E de toda a equipa que também andou por fora. No Viseversa pode desfrutar desde uma tosta de abacate a um risotto italiano ou a um prato francês.

No centro do restaurante há um bar imponente. É talvez um dos maiores bares de Lisboa, onde senta cerca 40 pessoas. É um bar que tem uma curva mexicana e é o centro de atração do restaurante. E o restaurante está aberto para pequeno-almoço, almoço, e jantar, brunch, e late night, ou seja, só fecha da uma da manhã às 7h30.  Está aberto os 7 dias da semana. Queremos que seja uma referência em Belém, um espaço em que acreditamos. Belém tornar-se-á num centro de destino para os lisboetas, mas também para alguns visitantes.

Este é um dos grandes projetos da marca Hyatt?
É o primeiro em Portugal. Irá haver um segundo numa versão mais reduzida, mas há planos de expansão, mas não para este ano. Este ano não vamos abrir mais propriedades novas. O Viserversa ainda tem muito para ser explorado. Temos mais um restaurante de assinatura para abrir até ao final do ano, um rooftop que irá abrir no mês de junho. Já tenho as mãos cheias de projetos em Lisboa.

Quais os maiores desafios que tem enfrentado enquanto diretor executivo do Hyatt Regency?
Há aqui dois fatores que não são novidade para ninguém e todos estamos a passar por eles. A questão da falta de mão-de-obra qualificada. No pós-Covid houve um desertar das pessoas que trabalhavam na hospitalidade ou porque enveredaram por outras áreas ou que viram que nesta área havia pouco reconhecimento ou alternativas. Isto é o que nós, proprietários, estamos a sentir na pele, mas também queremos dar a volta. Além disso, a nova geração de mão-de-obra perdeu o entusiasmo de trabalhar em hospitalidade, restauração, hotelaria, etc. As pessoas não fazem desta área carreira. E isto também acontece nos EUA, onde os empregados de mesa, os bartenders são pessoas que têm um part- time e cada vez mais se sente isto em Portugal. Por isso, além da falta de mão-de-obra, há também uma falta de motivação para o setor no geral.

“Talvez as maiores experiências que tive estejam relacionadas com a vivência de culturas e de hábitos diferentes, e de pensar e de resolver problemas de outra forma. Esta multiculturalidade é muito importante”.

De que forma a sua experiência profissional anterior no estrangeiro o influenciou a ser quem é hoje?
Eu sei que tenho mundo. Eu adoro ir buscar portugueses ao estrangeiro. Desde que estou cá fui buscar quatro portugueses. Os meus braços direitos em Portugal são portugueses que estiveram no estrangeiro. O chefe executivo do grupo para o qual trabalho fui buscar à Turquia, por exemplo.

Estudei designer gráfico, depois fui para a UAL [Universidade Autónoma de Lisboa] estudar línguas, enveredei pela música, entre isto fui comissário de bordo e andei a viajar pelo mundo… todas estas peças são fulcrais na posição que desempenho no dia de hoje.

Hoje estamos a falar de um dos nossos restaurantes. Só em Portugal temos um portefólio de 22 restaurantes. Mais os hotéis que temos no Dubai – são cerca de 40 restaurantes que tenho no meu portefólio. E agora pergunta-me: mas restauração, o que é que isso tem a ver? Tem tudo. Porque eu quando estou a projetar um restaurante, desde os uniformes, ao aspeto gráfico dos menus, às cores para as peças de decoração, à música que toca, à luz, às línguas que são faladas, toda a minha carreira, as experiências e culturas que vivi influenciam. Talvez as maiores experiências que tive estejam relacionadas com a vivência de culturas e de hábitos diferentes, e de pensar e de resolver problemas de outra forma. Esta multiculturalidade é muito importante.

Qual o segredo para gerir/ lidar com a multiculturalidade?
Ser humilde e estar aberto para ouvir o outro. É tomar decisões baseadas em factos e não em emoções. Perceber que diferentes culturas têm diferentes necessidades, entendermo-nos uns aos outros e termos abertura. Ser camaleão e ter vários chapéus para usar, dependendo da ocasião.

Quem mais o inspirou?
Toda a gente me inspira. Obviamente que tenho marcos. Tenho algumas pessoas a quem chamo de mentores e que ao longo da minha carreira me foram marcando. Algumas não são conhecidas do público em geral, mas que me deram a mão quando eu mais precisei. Fui proprietário de quatro restaurantes em Nova Iorque. Quando entrei no mundo corporativo americano foi um choque tremendo e a pessoa que me deu a mão é hoje vice-presidente de uma das maiores cadeias hoteleiras do mundo. Esta pessoa marcou-me e continua a marcar-me, e é a quem eu ligo constantemente quando preciso de tomar alguma decisão ou preciso de um conselho. Eu não deixei de ser quem sou por ter mais ou menos responsabilidade e continuo a apoiar-me naqueles que sempre me ajudaram.

Depois a nível de figuras sonantes posso destacar o Anthony Bourdain porque tínhamos amigos em comum, estivemos juntos algumas vezes. É uma pessoa que eu idolatro por ter viajado, descoberto novas culturas e sabores, por ser uma pessoa que defendeu a classe de culinária e de restauração com unhas e dentes. Depois o Jean-Georges que é um dos chefes de renome internacional com quem privei algumas vezes e que começou a sua carreira em Portugal, em Sintra. O primeiro trabalho que ele teve como estagiário foi em Sintra durante seis meses.

Como perspetiva o setor da restauração e hotelaria em Portugal?
Agressivos. Eu acho que a nível da restauração já começámos um boom que vai atingir um pico dentro dos próximos dois anos. Quando falo em pico falo para as coisas boas e para as más. Porque vai atingir o pico de saturação também. Quando há muito a abrir, a qualidade depois também não acompanha. A nível da hotelaria, há uma previsão de abertura de cerca de 150 hotéis para os próximos três anos em Portugal. O setor vai rebentar no aspeto positivo. Se o Turismo já mexe muito o PIB, vai passar a ser um fator crucial não só para o PIB, mas para a sociedade no geral. Sempre fomos muito acolhedores e temos isso no nosso DNA, e eu sinto isso na pele quando vou para outras culturais e países. Ainda temos muito o hábito de jantar na casa uns dos outros e isto não acontece nas outras culturas. Somos muito hospitaleiros.

A indústria da restauração e da hotelaria vai crescer muito, mas tem de se ajustar. Vai haver muita pressão a nível de mão-de-obra, vai haver muita pressão a nível de resultados e o que me preocupa é a sazonalidade. Somos proprietários do Pine Cliffs que sofre muito de sazonalidade porque o Algarve continua a ser aquele destino que durante quatro meses do ano é muito forte, mas nenhuma operação consegue ser sustentável só durante quatro meses.

É preciso muito esforço e dar incentivos para que as pessoas queiram ficar na hotelaria e restauração, e vai cada vez mais haver importação de trabalho exterior. Este ano já há. O Algarve já foi buscar recursos humanos tanto ao Brasil como a Cabo Verde e a outros países africanos e cada vez mais isto vai ser uma tendência.

“Portugal não pode ser o país na Europa com o salário mínimo mais baixo. O setor privado tem de sacrificar os lucros para poder atrair mão-de-obra jovem e qualificada para a restauração e hotelaria. Caso contrário vai tudo para fora”.

O que acha que é preciso fazer para atrair talento jovem para esta indústria?
É preciso credibilizar o setor. Não sei se deve ser só com o esforço do Governo, mas mais do setor privado. Cada vez mais o setor tem de ser reconhecido financeiramente com incentivos e partilha de lucros em que haja a possibilidade de valorizarmos todo o tipo de profissões. Dentro de um hotel continuamos a precisar de um canalizador, de um eletricista ou de um pintor. O setor privado e a indústria têm de valorizar toda a cadeia de baixo para cima e não só de cima para baixo. Portugal não pode ser o país na Europa com o salário mínimo mais baixo. O setor privado tem de sacrificar os lucros para poder atrair mão-de-obra jovem e qualificada para a restauração e hotelaria. Caso contrário vai tudo para fora.

Planos para o futuro?
Continuar a crescer como pessoa, continuar a crescer como profissional. O meu objetivo é liderar uma empresa multinacional dentro da gastronomia. Quero continuar a expandir e a ter um papel em vários continentes e vários países, não gosto de estagnar. Adoro estar em Portugal, mas não quero ficar cá a vida toda. O meu país também precisa que vá para fora e que traga o que se faz bem lá fora. E depois quero também exportar a gastronomia portuguesa.

Que conselhos dá a um jovem empreendedor que quer ter um negócio na área da hotelaria ou da restauração?
O maior conselho é tomar decisões que sejam racionais e não emocionais. E nesta indústria é muito difícil. É preciso fazer o trabalho de casa, perceber o mercado, o target. Depois é ter paciência – nada se consegue do dia para a noite. E a paciência e persistência são fundamentais para os negócios singrarem. Para além, depois, da importância de dar atenção ao detalhe. Hoje em dia faz-se a diferença com as coisas básicas, simples.

Respostas rápidas:
Maior risco: foi deixar tudo para trás e partir de mochila às costas para um país onde não conhecia ninguém.
Maior erro: nunca estar satisfeito, quero sempre mais.
Maior lição: o quão vulneráveis e frágeis nós somos. Recordo-me do que passei durante o furacão de 2017, na Florida.
Maior conquista: Os meus filhos!

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