Entrevista/ “É necessário que os salários não sejam definidos com base no sexo”

Carla Tavares, presidente da CITE

“Nunca desistam. Nunca baixem os braços. Não se calem. Sempre que achem que estão a ser vítimas de uma qualquer forma de discriminação, seja em função do género ou outro motivo qualquer, denunciem. Não tenham medo. Denunciem”. É esta a mensagem que a presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego deixa a todas as Mulheres no seu dia.

Assumiu a presidência da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) há apenas dois meses, mas tem bem definida a sua missão: continuar o trabalho deste organismo que foi criado há 40 anos, promover a igualdade e lutar pela não discriminação entre homens e mulheres no trabalho, no emprego e na formação profissional.

No Dia Internacional da Mulher, que se celebra hoje, o Link To Leaders esteve à conversa com Carla Tavares sobre a defesa do direito à dignidade no emprego, a diferença salarial, o papel dos jovens na mudança de mentalidades e ainda sobre os projetos para o futuro da CITE que tem sempre no horizonte a igualdade de géneros.

De acordo com os dados de 2018, os salários médios das mulheres continuam a ser inferiores em 14,8% quando comparados com os salários médios dos homens. O que é ainda necessário fazer para garantir a igualdade salarial?
Uma das prioridades é garantir a aplicação a 100% a legislação em vigor. Na verdade, a lei já existe e é boa, mas tem que ser uma realidade, tem que se tornar efetiva. Aliás, esse era o mote da campanha “Eu mereço igual”, lançada pela tutela em 2019 em colaboração com a CITE. Apesar dos indicadores estarem a melhorar, ainda é necessário que os salários não sejam definidos com base no sexo e que as mulheres tenham mais acesso aos cargos de decisão e às profissões melhor pagas, eliminando-se não só aquilo a que chamamos de “paredes de vidro” – que travam o progresso das mulheres no mundo do trabalho, mas também “tetos de vidro”, que impedem que as mulheres cheguem aos lugares de topo. É ainda necessário que as empresas e demais organizações acompanhem os avanços das políticas públicas atuais e que cumpram com a lei em vigor.

São cada vez mais as empresas portuguesas que têm planos para a Igualdade. Acredita que está a ser feito um real esforço neste sentido?
A maioria das empresas portuguesas estão empenhadas na definição e implementação dos planos para a igualdade. Existe ainda muito trabalho a desenvolver ao nível da sensibilização e compromisso por parte dessas empresas com os objetivos a que se propõem. Pelo que, talvez seja necessário um maior acompanhamento no terreno para apoio na definição do diagnóstico inicial, na definição das medidas e consequente avaliação dos resultados.

“Na verdade, a maior parte dos empregadores associam a gravidez e a maternidade das trabalhadoras apenas a um custo ou encargo (…)”.

O último Relatório para a Igualdade, registava 1500 casos de não renovação de contratos com trabalhadores em licença parental, grávidas ou a amamentar. Na sua opinião, o que é preciso fazer para que este tipo de situações deixe de acontecer?
Sempre defendi, e tenho lutado por isso, que as empresas ou os empregadores de uma forma geral deixem de associar que o facto de uma trabalhadora ser mulher pode implicar menos produtividade ou menos dedicação ao trabalho. Na verdade, a maior parte dos empregadores associam a gravidez e a maternidade das trabalhadoras apenas a um custo ou encargo, causados sobretudo pela privação da sua força de trabalho devido ao período de licença de maternidade. É por isso que é tão importante a conciliação e a partilha plena dos direitos de parentalidade entre homens e mulheres, pois só assim se alcançará o equilíbrio na contratação e empregabilidade em razão do sexo.

O ideal é que, quando uma empresa estiver a contratar, a maternidade e tudo o que lhe está subjacente não sejam um obstáculo no que aos direitos parentais respeita. Será indiferente contratar um homem ou uma mulher, pois ambos possuem e podem exercer os mesmos direitos. Além disso, enquanto sociedade, temos um problema de natalidade. Não me parece boa ideia que as empresas e os empregadores insistam em colocar obstáculos à maternidade ou parentalidade, pois essa atitude prejudica-nos a todos e põe em causa o nosso futuro.

No que concerne às alterações legislativas e empresariais, considera que estamos no caminho certo?
Os últimos indicadores europeus confirmam que estamos a progredir de uma forma consolidada em relação à igualdade entre mulheres e homens. Além da Lei da Igualdade Salarial, em vigor desde agosto de 2018, foram aprovadas e promulgadas alterações ao Código do Trabalho que se destinam a combater a discriminação salarial com base no género e a precariedade.

Portugal aderiu em julho de 2019 à Coligação Internacional para a Igualdade Salarial e foi lançado o Barómetro das Diferenças Remuneratórias entre Mulheres e Homens para aumentar o conhecimento e capacidade de podermos intervir nesta realidade. Ainda estamos longe da situação ideal, todavia, não podemos deixar de valorizar o caminho já percorrido e os resultados alcançados pela politicas públicas nos últimos anos.

“Há vários desafios que se colocam neste momento ao nível do espaço europeu, designadamente a garantia de uma retribuição mínima que ainda não existe em alguns países europeus e que penaliza sobretudo as mulheres (…)”.

A seu ver, quais são os desafios mais importantes, as batalhas a travar, no sentido de chegar à igualdade de género na União Europeia?
Há vários desafios que se colocam neste momento ao nível do espaço europeu, designadamente a garantia de uma retribuição mínima (que ainda não existe em alguns países europeus e que penaliza sobretudo as mulheres), a eliminação das desigualdades e disparidades salariais entre homens e mulheres, o impacto da revolução digital no emprego, sobretudo nas mulheres, que serão as mais afetadas, pois é a mão de obra feminina a ser eliminada ou substituída.

Além disso, há também a sub-representação das mulheres nas profissões mais tecnológicas, o que agrava ainda mais o impacto da revolução digital e tecnológica 5.0.. É importante incentivar as raparigas na escolha de profissões cientifico-tecnológicas (STEM), sendo Portugal mais uma vez um exemplo, pois lidera a tabela dos países da OCDE, com uma participação de 57% de raparigas nestas áreas de estudo.

Como devem as empresas criar um local de trabalho melhor ou um local onde todos se sintam bem e de igual forma?
As empresas devem estar atentas às necessidades dos seus recursos humanos e devem procurar perceber que as trabalhadoras e os trabalhadores são o seu capital mais valioso. Quanto mais motivados estiverem, melhor será o seu retorno e produtividade. Felizmente, algumas organizações e pessoas com cargos de gestão de topo têm já essa perceção, todavia, falta atuar o “efeito contágio” de todas as outras entidades envolvidas. Como os estudos atuais indicam, a aposta na dimensão da igualdade e na melhoria do ambiente de trabalho, será diretamente proporcional ao sucesso e produtividade da empresa, sendo certo o respetivo retorno na dimensão da responsabilidade social.

“De facto as start-ups têm uma cultura organizacional adaptada à sociedade atual e tentam atrair os melhores talentos através de medidas igualitárias inovadoras”.

Poderão as start-ups ajudar a mudar mentalidades e a diminuir as desigualdades no local de trabalho?
De facto, as start-ups têm uma cultura organizacional adaptada à sociedade atual e tentam atrair os melhores talentos através de medidas igualitárias inovadoras. No entanto, existem outras organizações, nos mais variados setores, que são exemplos de boas práticas, sobretudo ao nível das políticas de recursos humanos. Muitas dessas organizações, por exemplo, pertencem ao iGen – Fórum das Organizações para a Igualdade, promovido pela CITE e pelas organizações que dele fazem parte.

Em que medida a forma como as novas gerações, os millennials, por exemplo, encaram o trabalho pode ser transformador do status quo atual?
As transformações no mundo laboral atuais e futuras, além de dependerem da mentalidade das novas gerações, estão a ser fortemente influenciadas pela evolução tecnológica. Estes dois fatores poderão potenciar uma evolução positiva, que já se começa a notar ao nível da igualdade de oportunidades e na conciliação profissional pessoal e familiar. Na verdade, começam a ganhar força e a serem cada vez mais uma realidade, conceitos como “masculinidade cuidadora” e “liderança feminina”. Os jovens têm menos complexos e têm uma cabeça mais “aberta”. Sinceramente, deposito muita confiança nesta geração futura.

“Recebemos um pouco de todos os temas relativos ao mercado de trabalho, mas as mais frequentes relacionam-se com o exercício dos direitos decorrentes da parentalidade (…)”.

Quais são as questões que a CITE recebe com mais frequência?
Recebemos um pouco de todos os temas relativos ao mercado de trabalho, mas as mais frequentes relacionam-se com o exercício dos direitos decorrentes da parentalidade, designadamente com pedidos de atribuição de horário flexível e trabalho a tempo parcial, sendo obrigatório o parecer prévio da CITE nos casos em que há intenção de recusa por parte do empregador.

Passados 40 anos da criação deste mecanismo nacional que vigia e promove a igualdade e a não discriminação entre homens e mulheres no trabalho, no emprego e na formação profissional, qual considera que foi a melhor conquista da CITE? E o que ainda falta fazer?
Sem qualquer dúvida, a maior conquista de todas foi a própria criação da CITE. Se não tivesse sido criada esta comissão, nada do que se fez até agora teria sido possível. A forma como este mecanismo foi concebido, a sua composição assente no diálogo social e na representatividade de todos os intervenientes no mundo do trabalho e do emprego público, foi um feito notável. Tudo o resto é um processo com ganhos e sempre com novos desafios face às constantes alterações sociais, económicas e demográficas.

Que iniciativas tem previstas a CITE para este ano?
Tenho algumas e muitos projetos, mas que, por agora, guardarei para mim. Como saberá estou nestas funções há apenas dois meses. Estamos ainda a ultimar o nosso Plano de Atividades e espero em breve poder anunciar tudo o que nos propomos fazer em 2020.

No Dia Internacional da Mulher, que conselhos deixa às Mulheres que estão a passar por um processo discriminatório no local de trabalho?
Nunca desistam. Nunca baixem os braços. Não se calem. Sempre que achem que estão a ser vítimas de uma qualquer forma de discriminação, seja em função do género ou outro motivo qualquer, denunciem. Não tenham medo. Denunciem.

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